
Meeting de Moscovo. Espalhar sementes de bem
Das exposições sobre são Bento e os mártires da Argélia, à melancolia do fado português e ao testemunho de Rose, do Uganda. «Redescobrimos a beleza da nossa vocação»De 7 a 10 de novembro, teve lugar em Moscovo a quinta edição do «luogo di incontro» (lugar de encontro), organizado por um grupo de amigos do movimento em conjunto com o centro cultural «Biblioteca dello spirito», que retoma o espírito do Meeting de Rimini com o mesmo título «Nos lugares desertos construiremos com novos tijolos). Pensando nos «desertos» do mundo contemporâneo, que também encontram eco na Rússia de hoje – na violência, na tendência à polarização e em todas as formas de redução do homem –, desejávamos que a experiência do encontro fizesse brotar nesses desertos as sementes do diálogo, da beleza, da ternura e da unidade.
Fazer o Meeting em Moscovo foi um gesto de gratuidade, nascido do desejo de mostrar como a beleza e a riqueza de humanidade encontradas no movimento ajudam a enfrentar também o mal e o sofrimento. Assim nasceram os pontos fundamentais do programa deste ano: uma noite dedicada aos mártires da Argélia, uma exposição sobre São Bento e São Sérgio de Radonež, um concerto de fado português, um encontro com alguns amigos do Uganda e uma mesa-redonda sobre inteligência artificial.
Por que estamos aqui?
Para muitos de nós, a exposição sobre os mártires da Argélia foi uma experiência intensa e pessoal. A dúvida dos monges, partir ou ficar, era também a nossa. Uma dúvida que muitos à nossa volta enfrentam em termos políticos, enquanto o juízo dos dezanove mártires da Argélia tinha um fundamento exclusivamente evangélico, alheio a qualquer ideologia.
A sua história marcou-nos, não só pela capacidade destes monges de olhar para o mal sem raiva ou desespero, mas também pela forma como as feridas profundas da história francesa e da história argeliana foram, de alguma maneira, sanadas e lavadas pelo sangue destes europeus, que deram a vida em terras da Argélia. Pensando nisso, convidámos as embaixadas de França e da Argélia para o serão de apresentação, no qual participou o adido cultural francês Alexandre Giorgini.
A experiência dos religiosos franceses na Argélia lembrou-nos que o testemunho de uma vida vivida segundo o Evangelho deixa uma marca mais profunda do que os slogans políticos. E se hoje nos sentimos por vezes impotentes porque o bem parece não se fazer sentir, resta-nos uma imensa possibilidade de olhar e agir, mesmo que, por enquanto, não vejamos nenhum efeito.
Uma unidade impensável
Igualmente significativa foi a exposição dedicada a São Sérgio e São Bento: duas figuras que iniciaram o seu caminho numa época de incerteza, entre ruínas, conflitos sociais e guerras, e que nesses «desertos» se tornaram literalmente «pedras vivas» em torno das quais se construiu uma nova civilização.
A exposição deve muito aos monges do mosteiro de Cascinazza, que ofereceram diversos materiais. A apresentação contou com a presença de Dom Paolo Pezzi, guia da Arquidiocese da Mãe de Deus em Moscovo, e do padre Sergij (Filippov), Hegúmeno da filial do mosteiro Novospasskij e Sumarokovo.
O padre Sergij impressionou-nos pela sua simplicidade e sinceridade, e pelo seu amor à tradição beneditina, que conheceu há alguns anos na Áustria e na Itália. Em Montecassino, em particular, o padre Sergij descobriu que ela não é estranha à tradição ortodoxa: na Rússia existiam, de facto, igrejas dedicadas a São Bento. O sonho do padre Sergij é restaurar este culto, hoje esquecido, e por isso – além da pequena exposição dedicada ao santo existente na igreja de São João Batista, no seu mosteiro – ele quer construir uma capela de São Bento.
Dom Pezzi deteve-se no carisma de santidade do monge ortodoxo São Sérgio de Radonež, mostrando a sua profundidade evangélica e os paralelos com o pensamento teológico e a prática religiosa latinos: esta unidade reencontrada adquiriu para nós um aspeto concreto visível no ícone da Trindade, pintado por Rublev, discípulo espiritual de São Sérgio, para ilustrar a mensagem do santo: «Contemplando a Santíssima Trindade, vencemos a odiosa divisão deste mundo».
No final do encontro, foi oferecido ao padre Sergij um grande ícone de São Bento, obra de Ventura Talamo, iconógrafo da Escola de Seriate, que se tornará o ícone patronal da futura igreja.
Lisboa – Moscovo
O evento em Moscovo revelou-se também incrivelmente próximo do Meeting de Lisboa. A 8 de outubro, Dom Pezzi participou na apresentação do tema do evento realizado na capital portuguesa, recordando o horizonte infinito do desejo humano, ao qual nenhuma ideologia é capaz de responder. Exatamente um mês depois, a 8 de novembro, os nossos amigos portugueses Maria, António e Susana vieram a Moscovo para nos oferecer um concerto centrado na tradição do fado.
No centro da noite musical, a palavra «melancolia», ou seja, o coração com a sua sede inextinguível de saciação. O coração, como diz a canção «Estranha forma de vida», vive a sua própria vida, tenta obstinadamente fugir para onde quer, apesar de todos os impedimentos. Mas a sua é uma estranha forma de vida porque, apesar de sofrer por não poder alcançar o que deseja, juntamente com a dor, abre-se também a algo que inesperadamente lhe vem de fora. Graças aos amigos de Portugal, descobrimos que nas mãos de Deus a melancolia pode tornar-se um tijolo com o qual Ele constrói nos lugares desertos o que quer.
Os amigos não nos trouxeram apenas o fado, mas também o abraço da comunidade portuguesa, que quis participar nas despesas do concerto, contribuindo com o seu «tijolo» para a construção da obra comum. Ficámos comovidos ao receber deles, após a partida, esta carta: «Amigos, em Moscovo sentimo-nos em casa! Uma amizade tão estreita só se explica pela presença de Cristo na nossa companhia... Que Nossa Senhora de Fátima e de Vladimir traga a paz a nós e a todos os povos desta terra».
Mais do que o necessário
«O amor gratuito de Cristo vai além do que é devido», por isso, além do António, da Susana e da Maria de Lisboa, chegaram também a Rose, o Andrea e o Alberto de Kampala (Uganda). Trouxeram para Moscovo duas malas com colares feitos pelas mulheres de Rose. Após a exibição do documentário sobre o Meeting Point International de Kampala, todos os presentes se disputaram para comprar colares: era uma forma de retribuir o amor gratuito com que aquelas mulheres ugandesas, por sua vez, apoiaram as vítimas do furacão Katrina em Nova Orleães e com que elas próprias se sentiram amadas pela Rose.
Entre os que participaram no encontro estavam médicos que tratam pacientes com SIDA na Rússia, estudantes ugandeses, católicos, ortodoxos, não crentes, nossos amigos e colegas... Revivemos verdadeiramente o espírito do Meeting de Rimini. O encontro com a Rose foi o testemunho da ressurreição diária de Cristo na nossa vida. Fez-nos redescobrir a beleza do nosso carisma e da nossa vocação, e renovou a consciência da nossa unidade n’Ele.
O que é o homem?
A preparação do encontro de encerramento, dedicado à inteligência artificial, levou-nos a percorrer um longo caminho. Exigiu uma série de diálogos com pessoas de diferentes profissões e trouxe-nos novos conhecimentos e descobertas.
Decidimos convidar como conferencistas duas pessoas que não tinham qualquer ligação com o Movimento, mas foi justamente no diálogo com elas, o físico e programador Jurij Garaško e o filósofo e psicólogo Aleksej Lyzlov, que surgiu a questão central do encontro: «O que é o homem?». Conversando com cada um deles a partir de aspetos muito diferentes, chegámos à mesma conclusão: o problema não é como limitar razoavelmente o desenvolvimento e o uso da IA, mas a conversão do coração. Porque, em última análise, tudo é determinado com base na intenção com que se recorre a este instrumento, no que se quer. Andrea Simoncini, que se ligou online de Itália como terceiro conferencista, mostrou toda a amplitude das mudanças que a IA acarreta e insistiu na necessidade de nos educarmos para usar esta ferramenta. O espaço de diálogo que se abriu pareceu-nos um ponto de partida interessante para os encontros do próximo ano, porque desejamos sinceramente que a experiência do Meeting de Moscovo continue viva.
Constatámos que não estamos sozinhos nos nossos «lugares desertos» – nem na melancolia pelo Ideal, nem no desejo de construir o Reino de Deus. Cada um dos nossos gestos pode fazer parte do desígnio de salvação, se o vivermos como uma oferta a Deus aonde Ele nos colocou. Assim, a paz torna-se possível, porque brota em nós.