Luigi Giussani (1922-2005)
«Buscava a Beleza e encontrou Cristo»
O itinerário de um homem que viveu e propôs o cristianismo como encontro, acontecimento, história de amor.Como amigo Leopardi
Entra no seminário com onze anos e foi ordenado sacerdote em 26 de maio de 1945 pelo Cardeal Ildefonso Schuster. Durante o Ensino Médio apaixona-se pelo estudo da literatura, em particular pela obra de Giacomo Leopardi, porque a sua «problemática me parecia esconder todas as outras». Apaixona-se tanto que decora todas as suas poesias e durante tempos estuda somente o poeta, «[...] depois, com dezasseis anos descobri uma chave de leitura da sua obra poética que fez dele o companheiro mais sugestivo do meu itinerário religioso» (A. Savorana, Luigi Giussani. A sua vida, p. 44).
A sua intuição nasce durante uma lição sobre o prólogo do Evangelho de João (posteriormente o próprio Giussani chamará esse episódio de o «belo dia»), na qual escutou o professor dizer: «O Verbo de Deus, ou seja, aquilo de que tudo consiste, fez-se carne. Portanto, a beleza fez-se carne, a bondade fez-se carne, a justiça fez-se carne, o amor, a vida, a verdade fez-se carne: o ser não está num supercelestial platónico, fez-se carne, é alguém entre nós». Naquele momento Giussani lembra-se do hino À sua dama do poeta de Recanati: «Naquele instante pensei como aquela [poesia] de Leopardi fosse, mil e oitocentos anos depois, uma mendicância daquele acontecimento que já tinha acontecido, do qual São João anunciava: “O Verbo fez-se carne”» (cfr. L'avvenimento cristiano. Uomo Chiesa Mondo).
Esta paixão pela beleza e a atenção pelos gestos quotidianos são dois dos traços da sua personalidade que mais marcavam àqueles que puderam conhecê-lo pessoalmente. Para ele, de fato «se a beleza é o esplendor da verdade, então o gosto, a estética, o gosto estético, é a modalidade com a qual o homem percebe a verdade» (Certi di alcune grandi cose).
«O Verbo de Deus fez-se carne. Por isso a beleza fez-se carne, a bondade fez-se carne, a verdade fez-se carne»
A fé e a vida
Este ímpeto de vida, explica o Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI, era fruto do seu relacionamento pessoal com Cristo: «Uma história de amor que é toda a sua vida [e que] era, porém, longe de ser um entusiasmo passageiro, um romantismo vago». Depois da ordenação sacerdotal, os superiores decidem que o jovem Giussani ficasse no seminário para continuar os estudos e poder começar o ensino. Em 1954 consegue o doutoramento em Teologia com uma tese sobre o sentido cristão do homem segundo Reinhold Niebuhr (cfr. Teologia protestante americana).
Naqueles anos, porém, Giussani dá-se conta de que na aparente boa saúde da vida do catolicismo italiano, com as Igrejas cheias e os milhões de votos dados à Democracia Cristã, já se fomenta a profunda crise: o divórcio entre fé e vida, a tradição em contraste com a mentalidade presente, a moral reduzida ao moralismo. Mesmo conhecendo doutrina e dogma, os jovens caíam cada vez mais na "ignorância" da Igreja e afastavam-se. Por isso, os superiores concedem-lhe autorização para ensinar religião numa escola pública. A partir de 1954 entra no Liceu clássico Berchet de Milão, onde permanecerá até 1967.
O conteúdo das suas lições são os temas que o acompanham – em um aprofundamento que não termina nunca – ao longo de todo o seu itinerário humano e de educador: o sentido religioso e a razoabilidade da fé, as hipóteses e a realidade; revelação, a pedagogia de Cristo ao revelar-se; a natureza da Igreja como continuidade da presença de Cristo na história até hoje.
A sua presença no liceu dá um novo impulso a Gioventù Studentesca (nome dos grupos de Ação Católica nos liceus) e dá-lhe verdadeiramente o aspecto de Movimento.
É o início da história de Comunhão e Libertação.
O "PerCurso”
Desde o ano académico de 1964-1965 don Giussani ensinou Introdução à Teologia na Universidade Católica de Sacro Cuore de Milão, cadeira que manteve até 1990. A síntese viva desse período de ensino foi publicado entre 1986 e 1992 nos três volumes de o “PerCurso”: O sentido religioso, Na origem da pretensão cristã e Porquê a Igreja.
O sentido religioso virá a ser um livro dos mais vendidos, traduzido em 23 idiomas e apresentado em diversas partes do mundo.
Em 1968 Gioventù Studentesca é tomada pelo ímpeto da crítica e muitos dos membros aderem ao Movimento Estudantil, abandonando a experiência cristã. No mesmo ano don Giussani define as bases do seu pensamento através de uma série de encontros no Centro Cultural Péguy de Milão, para tentar voltar à experiência original do Movimento.
O nome “Comunhão e Libertação” nasce no ano posterior.
O crescimento do Movimento
Desde o início dos anos 60, envolve-se diretamente com um grupo de estudantes da Universidade Católica de Milão. São anos de grande dinamismo e o Movimento difunde-se em todos os ambientes: o liceu, a universidade, as paróquias, as fábricas, os locais de trabalho, frequentemente desafiando com sucesso ambientes culturalmente e politicamente hostis. Don Giussani, porém, não esconde os riscos desse crescimento confuso, e não deixa de chamar a atenção continuamente para a "verdadeira natureza" de CL, como experiência de caminho na fé, indicando, sem cessar, os "desvios" no sentido intelectual, organizativo e político. Um exercício de paternidade que se encontra refletido nas Equipes anuais de estudantes universitários (cfr. Dall'utopia alla presenza, e a sucessiva série de volumes das equipes)
Em 1977 publica Educar é um risco, no qual expõe as suas reflexões sobre os vinte anos de experiência como educador. Será um dos seus livros mais lidos e traduzidos.
A eleição de João Paulo II, em 1978, marca o aprofundamento de uma relação com Karol Wojtyła, que já se tinha iniciado em 1971, na Polónia.
Por muito tempo don Giussani irá visitar o Papa com grupos de jovens, no Vaticano e em Castel Gandolfo.
«Dizer que a fé exalta a razão quer dizer que a fé corresponde às exigências fundamentais e originais do coração de cada homem»
O mundo como horizonte
Com o passar dos anos desenvolvem-se as intuições que Giussani tinha desde jovem, em relação às missões e ao ecumenismo. Alguns de GS haviam partido para o Brasil já nos primeiros anos, na década de 60; ao mesmo tempo, também através da amizade com o Padre Romano Scalfi e a obra de Russia Cristiana (associação que nasceu para divulgar as tradições da ortodoxia russa), crescem as relações com o Leste europeu e o mundo ortodoxo.
Ao longo dos anos o Movimento difunde-se principalmente na Europa, América Latina e Estados Unidos, também devido ao fervoroso convite de «ir por todo o mundo» feito por João Paulo II em 1984.
Uma viagem ao Japão, em 1987, abre caminho a uma profunda amizade entre don Giussani e o Reverendo Shodo Habukawa, uma das grandes figuras do budismo "Shingon".
Desenvolve-se também, de modo muito particular, a relação com a comunidade de Espanha, onde Giussani se dirige periodicamente: nesta relação de profundo afecto e sintonia, ele vê o futuro do Movimento.
Período criativo
Com o início dos anos 90 manifestam-se os primeiros sinais da doença que, de maneira sempre mais grave, o acompanhará por mais uma década, até à sua morte. Se viu um paralelo entre a vida de don Giussani e aquela de João Paulo II, e dessa situação fica marcado um fato comovente: a imagem daquele encontro entre eles na Praça São Pedro em 30 de maio de 1998.
São esses também os anos das grandes meditações propostas ao Movimento: Reconhecer Cristo; O tempo e o templo; e È, se opera, expressões de um excepcional período criativo centrado nas questões do acontecimento cristão e do mistério de Deus (cfr. Il tempo e il tempio).
Consolida-se a amizade e sintonia com o Cardeal Ratzinger, Prefeito da Doutrina da Fé, como o próprio Cardeal não deixará de revelar com frequência.
É um período muito intenso, apesar do avanço da doença.
Publica É possível viver assim? e Gerar rasto na história do mundo, dois textos fundamentais para que se compreenda a sua concepção do cristianismo. Inicia a coletânea “Os livros do espírito cristão" e a coletânea de música clássica Spirto gentil. Em Madrid dialoga com Jean Guitton e em Bassano del Grappa recebe o Prémio internacional da Cultura católica. Nos encontros do Movimento, como Exercícios espirituais e Assembleias, participa, cada vez com menor frequência, muitas vezes enviando mensagens através de vídeos.
«Eu não só nunca pretendi “fundar” nada, como considero que a genialidade do movimento que vi nascer é ter sentido a urgência de proclamar a necessidade de um retorno aos aspectos elementares do cristianismo, ou, em outras palavras, a paixão pelo fato cristão enquanto tal, nos seus elementos originais, e nada mais»
Últimas mensagens
Na primavera de 2004 obtém do Cardeal de Madrid Antonio Rouco Varela – ao qual havia enviado a solicitação – a permissão para que o Padre Julián Carrón se transfira para Milão para partilhar com ele a responsabilidade do Movimento de Comunhão e Libertação. É nesse novo milénio, entre 2002 e 2004, a extraordinária troca epistolar com o Papa Wojtyła, que se conclui com uma carta na qual don Giussani escreve: «Eu não só nunca pretendi “fundar” nada, como considero que a genialidade do movimento que vi nascer é ter sentido a urgência de proclamar a necessidade de um retorno aos aspectos elementares do cristianismo, ou, em outras palavras, a paixão pelo fato cristão enquanto tal, nos seus elementos originais, e nada mais».
A última mensagem ao Movimento é de 16 de Outubro de 2004, no ato da peregrinação a Loreto pelos cinquenta anos de CL. As palavras iniciais são: «Oh Virgem, tu és a segurança da nossa esperança! Esta é a frase mais importante para toda a história da Igreja; nela se esgota todo o cristianismo». Em 22 de fevereiro de 2005 morre no seu quarto em Milão. As cerimónias do funeral são celebradas na Catedral de Milão pelo então Cardeal e Prefeito da Congregação pela Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, enviado pessoalmente por João Paulo II. Foi sepultado no Cemitério Monumental de Milão. A sua sepultura é meta de muitas peregrinações de Itália e do mundo.
No final da missa celebrada na Catedral de Milão no sétimo aniversário da morte de don Giussani, em 22 de Fevereiro de 2012, o Padre Carrón comunica que enviou a solicitação de abertura da causa de beatificação e de canonização do sacerdote de Desio. O requerimento é aceite pelo Arcebispo de Milão, o Cardeal Angelo Scola.