Um concerto que deixa rasto
Como foi o concerto de Natal que a comunidade de Lisboa preparou para as Tendas de Natal da AVSI “Temos muito pouco, mas a situação que vivemos é uma oportunidade de partilha por todos daquilo que cada um tem". J. tem pouco mais de vinte anos, venezuelana, fala assim das terríveis circunstâncias que o seu país atravessa: nem um pingo de autocomiseração, mas só o espanto e a gratidão pela grandeza que vê em tantas pessoas, pela bondade que descreve nalguns episódios, pelos seus amigos. E fala também da responsabilidade a que estas circunstâncias a convocam: a viver mais seriamente a sua vida, a mostrar às crianças com que está na paróquia, a pedido do pároco, “antes de mais, a beleza, coisas belas, pois estão rodeadas de coisas feias”.
Foi assim que começou o concerto de Natal que a comunidade de Lisboa preparou para as Tendas de Natal da AVSI: com um breve testemunho de J., que se encontra a estudar fora do seu pais, na Europa, e que, num acaso providencial, conheceu uma amiga portuguesa. Depois de ter já vindo ajudar como voluntária no Meeting Lisboa, em novembro, veio mais uma vez, para nos contar a situação que ela, a sua família e amigos vivem atualmente no seu país, e a esperança que vence as circunstâncias difíceis, e que esta amizade renova.
Há já vários anos que a comunidade portuguesa se empenha nas “Tendas de Natal”, gesto de caridade e de gratuidade que, pela altura do Natal, propõe e recolhe donativos para projetos de cooperação apoiados pela ONG italiana AVSI. Este ano, além da Venezuela, as “Tendas” apoiavam Moçambique e a construção de uma escola na Amazónia. Depois de alguns anos “instalados” durante um fim-de-semana num jardim de Lisboa, “mudámos tudo”, “para que tudo ficasse igual”: seguindo o ímpeto que tinha nascido de preparar um concerto solidário e a amizade com a nossa amiga da Venezela, saímos da rua e fomos para um auditório, cedido por amizade, para propor e encontrar aquela beleza que desejamos e queremos para todos.
A ideia do concerto de Natal há já alguns meses tinha ocorrido ao António, responsável do Coro, quando ouviu um aviso dado pelo padre Carrón sobre a ajuda à Venezuela: “Porque é que não fazemos um concerto de Natal para a Venezuela?”. Ideia que encontrou o entusiasmo de alguns universitários, que não queriam deixar passar o Natal sem um concerto, como, há alguns anos, se fazia com vários movimentos em Lisboa. Tomou então forma esta nova “Tenda”, montada inesperadamente, mas com prontidão.
Assim, depois de quase dois meses de ensaios do coro e de solistas, preparações, elaboração e divulgação de cartazes, dias cheios da disponibilidade e da gratuidade de quem fez sua esta proposta, numa sexta-feira do final de dezembro, utilizámos o auditório da Igreja de Santa Joana, Princesa, em Lisboa, para recolher contributos para a AVSI no início de fevereiro, juntando a generosidade dos que, mesmo depois do concerto, ainda quisessem contribuir.
Num auditório cheio, cantámos e ouvimos cantar músicas novas e antigas, portuguesas e estrangeiras, a capella ou acompanhadas por instrumentos… uma diversidade de repertório à medida do entusiasmo de tantos que se quiseram juntar a estas “Tendas de Natal” onde todos couberam.
“Ou muito me engano, ou hoje começou uma tradição...”, dizia alguém no final do concerto. De facto, de momentos assim, em que são vencidos os cansaços e as dificuldades, por uma beleza encontrada – como ouvimos contar a nossa amiga Venezuelana e experimentámos ao preparar este concerto – é feita a nossa história, e só podemos desejar que deixe rasto na nossa vida, e continue a acontecer, em cada dia.
Num tempo tão difícil como o nosso, numa altura tão complicada do panorama internacional, de que serve um gesto como este? O que traz de útil, o que muda? Pode parecer desproporcionado, e a necessidade a que acudimos, em última análise, distante... no entanto, neste pequeno gesto de caridade que se tornou tão concreto encontramos aquele ideal que procuramos para toda a vida, também na vida em sociedade. Aqui se joga o juízo que alastra a cada aspeto da nossa vida, um juízo de caridade que não pretende apenas “donativos”, mas afirma o valor infinito de cada pessoa (desde o povo venezuelano, ao colega de trabalho que custa suportar ou à família de imigrantes que é preciso acolher).
Fazemos as Tendas para mudar o mundo, começando por querer deixar que o nosso coração mude: para aprender a viver assim, em toda a vida.
A partir destas Tendas de Natal, começou-se a montar uma Tenda para a vida.
Vem à cabeça o que dizia o Davide Prosperi num artigo do ano passado também aqui publicado : “certos gestos de caridade que o CL nos tem vindo a propor nos últimos anos como as Tendas de Natal para sustentar os projetos de cooperação da AVSI ( ou o grande gesto nacional do Banco Alimentar), têm um significado que vai bem mais além do que a mera recolha de bens ou fundos para os mais necessitados. A verdade é que colocam publicamente um juízo cultural, mas também político, na medida em que representam uma forma concreta de repropor um ideal, que se torna sempre uma hipótese de resposta a certas necessidades.”