Cavaleiros do Graal: «A felicidade é a amizade que nos liga»

No início de fevereiro, teve lugar a assembleia dos adultos envolvidos na experiência dos Cavaleiros do Graal, a proposta cristã para miúdos do 6º ao 8º ano. Apontamentos do diálogo com Davide Prosperi, vice-presidente da Fraternidade de CL.

Ordem do dia: estas duas mensagens enviadas por WhatsApp por uma rapariga de Lecce:
«O que é o Graal? É verdade que não o sabes? Nem eu. E não tenho que ter vergonha disso. Olha para nós! Não temos todos da mesma idade, não somos todos do mesmo lugar, mas estamos todos à procura da mesma coisa: a felicidade. E todos os que estão connosco encontram-na, com as pessoas que estão no grupo, mais novos e adultos. A felicidade é a amizade que nos liga, apesar da distância. Ali encontra-se a verdadeira amizade, ali encontras-te a ti próprio. O Graal que nos torna Cavaleiros, pessoas civilizadas, que nos diferencia das outras pessoas. O Graal é a nossa unidade, o Graal é a nossa grandeza».
«Se me perguntas porque é que sou “grallina” eu digo-te: “Porque não posso fazer de outra maneira”. É tão difícil explicar aos de fora o que é o Graal, tão difícil explicar por palavras. E ainda mais difícil explicar a quem pergunta «Porquê?». Porquê ir às reuniões ou partir para as férias mesmo se está um dilúvio ou neva, andar a cansar-se pelos montes, quando poderias estar comodamente deitado na praia ou no hotel, porquê escolher aquela gente estranha que anda a cantar pelas ruas quando o mundo é feito de pessoas… O Graal não se explica, nunca nos foi explicado, não temos lições sobre o que seja, e como funciona, o Graal vive-se, experimenta-se na própria pele e então as palavras são quase completamente inúteis».

Gloria. Quando li estas duas mensagens no WhatsApp comovi-me porque exprimem bem, como uma miudinha de 11-12 anos pode fazer, a experiência de correspondência que somos chamados a viver. Claro, não é dado por adquirido que os miúdos sejam conscientes da origem desta experiencia, mas é exemplificativa do método, do implícito ao explícito, e lendo-as, perguntei a mim própria: mas o que é a origem disto? Quem é que trás consigo o significado disto? Como é possível que os miúdos venham a descobri-lo? Neste período muitos grupos estão a participar no gesto da Promessa que só por si explicita a origem da beleza que experimentamos. Também à luz do percurso sobre a santidade que estamos a fazer na Escola de Comunidade, que indicações nos surgem?

Caterina. Este ano entraram no nosso pequeno grupo alguns miúdos, convidados pelo meu filho, de entre aqueles que juntamente com ele nas aulas são o terror dos professores. Isto levou a uma reviravolta nos nossos encontros semanais com um significativo aumento da dificuldade. Em primeiro lugar, quanto à modalidade: apanhar os miúdos à saída da escola, sanduíche juntos, jogo e encontro. Depois sobre a proposta a fazer aos miúdos vez após vez. Com eles não funciona o habitual encontro porque muitas vezes passamos o tempo a dizer «Não saiam daqui, não vão ali, vais aleijar-te, não digas palavrões», e por aí adiante. A sua galhardia e sobretudo a sua fidelidade, em particular dos mais difíceis, começou, no entanto, a mudar o nosso modo de estar diante deles. Já não com uma posição de quem os quer aprisionar, mas de quem quer perceber o que é que eles veem nos Cavaleiros ao ponto de permanecerem apesar de lhes chamarmos a atenção e de lhes ralharmos. É verdade que às vezes prevalece o cansaço porque a vivacidade deles, em particular de alguns deles, não diminuiu e parece-te que nada daquilo que propões é retido, ao ponto de nos termos perguntado se os devíamos levar à Promessa porque isso significaria termos de os vigiar noite e dia. Daqui nasce a minha pergunta: estes miúdos já nas aulas estão habituados a serem suportados e olhados como "os difíceis", como é que podem perceber um abraço nosso diferente? No que respeita à promessa (em todo o caso decidimos levá-los…) ou qualquer outro gesto que possamos propor, há situações em que um adulto pode dizer a um miúdo para não fazer a promessa, para não a tornar um gesto banal e já sabido? E o que é que significa a frase da miudinha que nos enviaste: «O Graal vive-se e não se explica»?


Davide Prosperi.
Para mim aquilo que contas é um testemunho de como cada um de nós é chamado a olhar para as coisas que nos acontecem cada dia, não só com os miúdos, com esta tensão para nos apercebermos do verdadeiro, para estarmos sempre mais ligados e identificados com Cristo. Pelo que contas percebe-se que a única resposta possível à tua pergunta é aprender a olhar as coisas como Jesus as olha. A outra vez em que participei nesta assembleia, lembro-me que a certa altura surgiu esta preocupação: para podermos estar adequadamente diante das perguntas destes miúdos, não podemos limitar-nos a uma estratégia de aproximação ou de comunicação de verdades que armazenámos e que lhes podemos comunicar. A única maneira adequada é desejar aprender a olhar para eles como Deus os olha. Mas como é possível aprender a olhar estes miúdos como Deus olha para eles? Como é que podemos saber como é que Deus olha para eles? Podemos aprendê-lo, porque este olhar está na nossa vida, porque a maneira como Deus olha para as coisas é-nos comunicada através do olhar de Cristo, e apercebemo-nos que o olhar de Cristo muitas vezes é diferente da maneira como nós olhamos para as coisas, as pessoas, estes miúdos, mesmo com toda a boa vontade. Aquilo que contaste impressionou-me muito porque é mesmo verdade, é o modo com que eu olho para os meus filhos, o modo com que olhamos continuamente tudo, com que olhamos para nós próprios, ou seja, ainda com um cálculo dentro, uma medida da qual é difícil – talvez impossível – distanciarmo-nos com as nossas forças. Este cálculo é a medida do “recortar” aquilo que é bem e aquilo que é mal, “recortar” o miúdo na base daquilo que é capaz ou não é capaz de fazer, sobre os erros que faz ou sobre as coisas boas que consegue fazer. É bonito que vocês iniciem o vosso encontro com a missa porque a missa dá sempre uma indicação. Como da última vez, que era a Ascensão, assim também hoje (Evangelho, Mc 6, 45-56). Jesus parte sempre de um ponto diferente, como disse o Don Marcello na homilia quando referia que existe esta tensão, que Jesus está atento aos seus discípulos, porque há sempre um ponto de partida diferente. A comoção de Jesus nasce de reconhecer o desejo de uma afeição, não nasce do facto de sermos valentes, mas do facto que existimos e que desejamos estar com Ele, que O procura. É como dizias antes: porque é que estes miúdos vêm aos nossos gestos? Mas vêm! E este é o único critério que Jesus usa para julgar, ou seja, abraçar a realidade que tem diante. Mas como é difícil para nós separarmo-nos das imagens que temos para dar espaço a este reconhecimento que, pelo contrário, é o que nos liberta. É o reconhecimento de que estes miúdos estão, e não há nenhuma razão no universo pela qual deveriam desejar vir se não porque qualquer coisa, fora da nossa capacidade de o realizar, aconteceu à vida deles. Eles ainda não sabem bem o que seja, e nem nós sabemos, mas qualquer coisa grande aconteceu objetivamente neles. Hoje em dia não há uma razão para que um miudinho de 11-12-13 anos tenha de vir a uma coisa assim, e depois voltar e voltar fielmente. Isto enche-nos de gratidão e também de perguntas. Eu estou surpreendido com a frase desta miudinha de Lecce. A Glória dizia que nós estamos aqui pelas mesmas razões desta miúda mas com uma consciência diferente. Eu queria dizer, no entanto, que não sei que consciência tenho, se é maior do que esta, porque o que me impressiona é que o essencial já está desde o início, porque é qualquer coisa que é posta no coração e depois toda a vida servirá para fazer explodir isto. Como é possível que alguém diga: «o Graal é toda a nossa grandeza»? Eu não conseguiria dizê-lo melhor. Não sei o que se pode desencadear no coração, na cabeça de uma miudinha de 11-12 anos, para reconhecer que a própria grandeza humana, que a realização do objetivo porque se está no mundo – esta é, de facto, a nossa grandeza – está naquilo em que, pela misericórdia de Deus, nós fomos postos, dentro de um encontro, e não em qualquer coisa que possamos realizar, qualquer coisa que nos possamos tornar capazes de fazer, como toda a gente diz. Este é o critério com que cada dia devemos olhar para eles e é o modo com que Deus nos purifica, com que purifica aquela última herança de falta de estima que sentimos diante da Sua capacidade de mudar o coração de cada homem. Muitas vezes damos por nós a pensar que alguns destes miúdos, aqueles que não estudam, ou que estão sempre a arranjar problemas na escola, no fundo não são feitos para esta grandeza, ou que são menos que os outros. Pelo contrário, estes miúdos são para nós uma ocasião para crescermos, para nos tornarmos maiores, ou seja, mais correspondentes ao motivo pelo qual nos foi dada esta ocasião, porque fomos postos dentro desta estrada com uma tarefa.

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