Estamos no mundo, mas não somos do mundo

A Companhia das Obras convidou novamente Bernard Scholtz, para vir a Lisboa, falar sobre o tema: “Trabalho: um modo de relação com a realidade". Uma perspetiva de quem esteve.
José Leitão

Marcando o início de mais um ano “lectivo” da Escola de Obras, a Companhia das Obras convidou novamente Bernard Scholtz, para vir a Lisboa, falar sobre o tema: “Trabalho: um modo de relação com a realidade”. Bernard Scholtz é formado em Ciência Política e História Moderna e actualmente é gestor e o presidente da Companhia das Obras.
Todo o encontro foi passado num diálogo vivo, fruto das perguntas que nasceram já do início da experiência de trabalho de muitos de nós. Scholtz foi respondendo às nossas perguntas, não com técnicas de teambuiliding, mas sempre com um olhar sobre o problema humano. Ao longo da noite três temas foram recorrentes: o confronto com os próprios limites, a relação entre as pessoas e em perceber onde é que Deus entra no meio disto tudo.

1.“No meu trabalho – sou professor no secundário – tenho procurado encarar as dificuldades como um desafio, como uma oportunidade para crescer, para sair da minha zona de conforto. A minha pergunta é como é posso perceber até que ponto estas dificuldades são um desafio que se vai manter, e com o qual posso crescer, ou se são uma barreira que me mostra que não é este o meu caminho, que não é esta a minha vocação?
Bernhard: As dificuldades estão presentes por todo o lado. Na minha opinião são duas as coisas que ajudam: Em primeiro lugar ver quais são os frutos daquilo que fazes. Posso sentir-me cheio de limites, mas ver as coisas boas a acontecer. Segundo, pede ajuda aos mais velhos, mais experientes. Não porque eles obrigatoriamente tenham razão, mas porque já passaram por essa experiência. Frente a essa dúvida, se quiseres ainda há um terceiro ponto: se a uma certa altura tiveres um enfarte, não consegues dormir de noite, tens febre, e estás com um esgotamento nervoso isto pode ser um indicador importante. Mas vejo que estás com boa cara”.


Bernhard continuou dizendo-nos que “aceitarmo-nos a nós próprios é um desafio gigante”, mas lembrando que “o temperamento não pode ser um problema, porque este nos é dado”. E deu-nos um exemplo seu: “Eu sou uma pessoa bastante tímida, e para falar em público tenho de estar profundamente convencido daquilo que digo. Por isso seria um cretino se pedisse para ser menos tímido. Porque esta timidez, esta sensibilidade, é um contínuo desafio para verificar aquilo que digo.”

2. Mas obviamente que no trabalho não estamos sozinhos. Disse G.K. Chesterton: “A Bíblia ensina-nos a amar o próximo, e também a amar o nosso inimigo; provavelmente porque geralmente são a mesma pessoa”. Disse Bernhard Scholtz: “Não há relações fáceis. Mas esta dificuldade pode ser vivida ou suportada. Acrescentou, “na minha opinião o indicador de maior liberdade é, nesta situação, tomar a iniciativa e perguntar ao outro: Mas tu, porque vês as coisas dessa forma? Fazendo as coisas assim, o que é que queres alcançar? No trabalho o que é que te interessa? (…) [Ao meu colega] não digo: a tua visão está errada (mesmo que o pense), mas pergunto: porque vês as coisas dessa maneira? É muito mais fácil construir relações humanas a partir de perguntas do que afirmações. (…) A relação nasce no porquê, e não no quê.”

3. A um certo ponto Bernhard contou-nos que depois de, num congresso, ter apresentado os critérios para, de forma realista, manter uma obra ou fechá-la, no final uma senhora levanta-se e entre lágrimas pergunta-lhe: “E Nossa Senhora? Não ajuda?”. E o Bernhard reponde-lhe “A senhora como é que acha que chegou aqui? Não acha que foi Nossa Senhora que a trouxe e que a fez ouvir tudo isto?”.
Mais tarde, durante o encontro, voltou a este tema: “Por dentro vivemos uma dualidade profunda (…) Dizer Deus ajuda-me! é como pedir a um extraterrestre para entrar. Mas a Fé diz que Ele está presente. Não estou a falar de alguém que artificialmente deve entrar na realidade. Ele já está cá dentro (…) Esta é a prova da existência cristã: não precisar de safety zones. Estar diante daquilo que acontece sem estar dependente disso. (…) Estamos no mundo, mas não somos do mundo”. Como dizia Carrón na Jornada de Início de Ano em 2013: “O florescimento possível da alegria – que não é forçada a esquecer ou renegar nada para se afirmar”