Uma certeza cantada
Contamos como a Maria Durão e o Luís Roquette - os Simplus - convidaram amigos e encheram o auditório de Santa Joana Princesa, no dia 27 de novembro..."Não sei dizer os campos, gloriosos e mansos, reflexo dum bem que não previ. Quando olho os campos, floresce cá dentro a certeza de alguém que os fez p'ra mim" - arrancou com ritmo e energia o concerto dos Simplus em Santa Joana Princesa, no dia 27 de novembro. Começou, sobretudo, com a medida alta de uma certeza, cantada com desassombro e alegria. E, a partir daí, cada momento foi uma provocação.
Entramos embalados ou estimulados pelas músicas, sempre giras, com arranjos fantásticos e nada banais, muito bem interpretadas pelas vozes e pelos instrumentos - desta vez havia a novidade do saxofone do Kajó - e somos atingidos por uma palavra, por uma ideia, por uma história cheia de vida, que não nos deixa ficar sossegados. E é como se, ouvindo aqueles amigos, que estão em cima do palco com a naturalidade despretensiosa de quem está em casa, disséssemos com uma das letras: "Quem és tu que acordas o que estava escondido?", porque é isso que nos acontece a cada passo.
A Maria e o Luís testemunham uma unidade e uma harmonia que se tornam num desafio. De onde vem esta arte sem vaidade, este desejo de comunicar, esta abertura? Como é possível que juntem uma retaguarda de produção voluntária, tão competente, tão generosa e tão discreta? "Contem-nos outra vez o que aconteceu para haver na vossa amizade esse brilho diferente"?
Sim, os concertos dos Simplus são sempre encontros de amigos, na plateia e no palco. Quem vem cantar com eles aceita muito mais do que entrar em cena, arrisca dar voz a uma proposta séria e fascinante. Foi assim desta vez. A Diana Castro interpretou "Barco", com uma originalidade e uma garra incríveis. "Vou-te mostrar" foi cantado a dois pelo Gonçalo Castelbranco e pelo Luís, num registo tranquilo e uníssono. Até aí, convidados de família... Mas houve também uma estreia feliz: os Trigo, com uma presença amiga e cheia de força. A música escolhida foi a "Pergunta". "Quando foi que deixaste entrar essa pergunta em ti?" cantou a Carmo com a voz e com a alma.
Uma das coisas mais impressionantes com os Simplus é o seu amadurecer ao longo dos anos. Ouvindo os discos, do mais antigo para o mais recente, vê-se como as letras são cada vez mais fundas e as músicas cada vez mais fortes. A Maria e o Luís cantam o que vivem e crescem por dentro das suas músicas. À medida que o tempo passa, a vida corre e a experiência alarga, os Simplus "cavam mais fundo" - como diz o nome do blog da Maria.
Uma nota comum em tudo o que os Simplus trazem? A espera. Sempre presente nas letras. Mesmo as músicas terminam de uma maneira que nos deixa suspensos, são como uma porta que se abre. Também este ritmo imprevisível dos discos e dos concertos, sem pressa, sem pretensão, ao correr da vida e da experiência, fazem-nos a todos parte dessa espera.
"Buscamos por ti, buscamos, como quem foge, procuramos"; "Podes vir, há sempre sol aqui... a mesa posta e o lume a arder dizem o que te queria dizer"; "Em tua casa os dias curam lentamente as mais fundas feridas dum coração"; " Tudo em mim se inclina, tudo em mim espreita à janela, calo as ideias p'ra dar espaço à tua vinda"; "Atingiu-te esse certeiro olhar que te faz desejar e ser cada vez mais tu".
Voltamos a ouvir os Simplus, seguimos o que fazem, vamos aos concertos, oferecemos os discos aos amigos, como um presente precioso, porque os Simplus cantam a vida verdadeira e isso não se pode calar. Foi uma noite belíssima, com a sala a abarrotar! Vem-se para casa a pensar quem pode escrever assim, com esta beleza doce e crua. Talvez só "a rapariga que espera"!
Obrigada, Maria e Luís! Estamos à espera!