GRANDE PARA AMAR, FORTE PARA LUTAR

Histórias de homens e mulheres que vivem na certeza da felicidade
Ana Gonçalves

O Meeting Lisboa acaba de abrir as portas para a sua 3ª edição, na tenda do Centro Cultural de Belém. A sala está completamente cheia e aguarda-se com expectativa o momento da inauguração. Bernardo Cardoso, presidente da Associação Meeting Lisboa dá as boas-vindas e introduz o tema que nos vai guiar por «histórias de homens e mulheres que vivem na certeza da felicidade», propostas «através de exposições, encontros, concertos e espaços de convívio. Porque, "Se a felicidade não existe, então o que é a vida?"»

«Grande para amar, forte para lutar» era o título do primeiro encontro, que tinha como convidados o Padre David Barbosa, missionário do Verbo Divino e presidente da Assembleia de Curadores da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), e o Dr. Paul Jacob Bhatti, ex-ministro das minorias do governo paquistanês e actual Presidente da All Pakistan Minorities Alliance (APMA) e do Shahbaz Bhatti Memorial Trust (SBMT).

A Fundação AIS foi criada em 1947 pelo sacerdote holandês Werenfried van Straaten e hoje em dia a sua presença estende-se um pouco por toda a parte porque, explica o P. David Barbosa, os cristãos são a comunidade mais perseguida no mundo. Apresentando a natureza e finalidade da missão da AIS através das acções concretas no terreno, descreveu na verdade uma «geografia do sofrimento» com factos que ultrapassam a mera lógica da eficiência. A situação que se vive na Síria, Líbano e Iraque é trágica, como infelizmente constatamos pelas notícias que todos os dias nos chegam, mas os cristãos «são gente que perdeu tudo, menos a fé e a confiança em Deus».

Foi com a intervenção do Padre David Barbosa como pano de fundo que tomou a palavra o médico paquistanês Paul Bhatti. Cristão num país onde 98% da população é muçulmana, renunciou a uma vida confortável e uma carreira bem sucedida na Europa para regressar ao Paquistão. É o irmão mais velho de Shahbaz Bhatti, o primeiro cristão a fazer parte de um governo no Paquistão que veio a ser assassinado em Março de 2011 por fundamentalistas islâmicos pelas suas posições contra a lei da blasfémia e em defesa das minorias perseguidas no seu país. No Paquistão todos os dias morre gente por causa do fundamentalismo religioso e os ataques aos cristãos não são uma realidade nova. Foi este clima de ameaça permanente que levou este médico a deixar o Paquistão, apesar dos apelos instantes do irmão para não «fugir». O risco que ele e a sua família corriam impedia-o de exercer a sua profissão, partindo então para Itália.

Paul Bhatti, discreto e sereno, fala pausadamente. O seu tom de voz e a expressão têm essa doçura tão especial dos orientais. Nada nos instantes iniciais deixa antever a força e a profundidade dum testemunho verdadeiramente espantoso que comoveu as largas centenas de pessoas que assistiam ao encontro. São conhecidas as suas intervenções em defesa da liberdade e dos direitos das minorias religiosas, na necessidade de promover a educação e combater a pobreza que estão na raiz das intolerância. Mas em Lisboa falou de si mesmo, do seu percurso de vida e da sua missão, de como foi entrando na política «por circunstâncias extraordinárias». Circunstâncias ligadas de forma inextirpável à vida – e morte – do seu irmão, à profunda amizade entre ambos, de tal maneira que não se pode falar de um sem falar no outro.

Shabhaz Bhatti era um homem muito activo, movido por uma certeza inabalável – «conduzido pelo Espírito Santo» para usar as palavras do irmão – e a sua morte causou uma onda de tristeza e consternação no país e no mundo. As manifestações de amor e de solidariedade por parte de líderes muçulmanos e hindus impressionaram profundamente Paul Bhatti. Nessa circunstância de dor e de revolta, vêm-lhe à memória as inúmeras conversas que ambos tinham regularmente pelo telefone. Shabhaz insistindo para que voltasse e Paul incapaz de aceitar o desafio. «Eu discutia de forma racional e humana com um homem que tinha os olhos postos no Céu. Disse-lhe: “Estás a pedir-me que troque o paraíso pelo inferno”, ao que Shabhaz me respondeu: “O caminho do paraíso passa pelo Paquistão”. Foi uma das últimas vezes que falei com o meu irmão». O dia 2 de Março de 2011 virou-lhe o mundo do avesso e abalou-o no mais íntimo do seu ser.

Regressado à pressa de Itália para participar no funeral, estava decidido a levar toda a sua família e a abandonar para sempre o Paquistão. Para ele, o Paquistão não merecia contar com a sua família. Mas no funeral há um mar de gente, de todas as religiões e comunidades, chorando e lamentando-se: «Quem irá prosseguir o seu chamamento ao amor?» Este momento foi decisivo. Para Paul Bhatti tornou-se claro que o amor de Shabhaz pelas pessoas era o amor de Deus. As pessoas voltavam-se para ele e perguntavam-lhe: «E agora?» Continuava furioso com o assassinato do irmão, mas qualquer coisa começou a mudar no seu coração. «Aquele mesmo amor de Deus foi-me fortalecendo e, pouco a pouco, comecei a olhar para os homicidas com olhos de perdão, mas ainda receava abraçar a causa que levara à morte de Shabhaz para não dar ainda mais sofrimento à minha mãe». Com surpresa descobriu que a mãe não estava zangada nem desejava qualquer tipo de retaliação contra os radicais e foi ela mesma que o encorajou, dizendo que era a pessoa certa para prosseguir aquela luta. Desde então, o Dr. Paul Bhatti dá a vida pela obra iniciada pelo irmão, movido pela certeza de que «o amor pode iluminar a opressão e a injustiça, unir as pessoas».

De facto, a vida de Shabhaz Bhatti estava ancorada no amor de Deus e na pertença a Jesus Cristo, e Paul sente-se honrado por poder dar continuidade ao legado do irmão. Quase a terminar, cita as palavras do Evangelho de S. Mateus «Entrai pela porta estreita porque é larga a porta que conduz à perdição» para sublinhar que temos de dar conta das nossas escolhas e das nossas acções. «Escolhamos a porta estreita. Esta é chave sagrada para livrar as nossas comunidades do ódio e da opressão».

Já em nota final, Aura Miguel, conhecida vaticanista da Rádio Renascença que moderou o encontro, exprime por palavras o que ia no coração dos participantes: a profunda comoção por ver como a fecundidade da vida de Shabhaz Bhatti se manifesta na vida do irmão e a gratidão pelo testemunho de amor, amor ao destino do seu povo e ao seu destino pessoal.