Foto Unsplash/Mehmet Turgut Kirkgoz

Cecília e os pontos de luz

Cecília começou a tratar doentes Covid sem ter tempo sequer para comemorar a licenciatura. E no meio de tantas dificuldades e sofrimento deu por si «agarrada pela mão». A história de uma jovem enfermeira
Paola Bergamini

Por causa da pandemia, Cecília formou-se em Enfermagem mais cedo, em março, e ao fim de dez dias já estava na enfermaria de um hospital de Milão. Os primeiros três meses foram traumatizantes. Certa manhã, aproximou-se de um doente para o limpar.  Sofria tanto que não queria sequer ser tocado. A jovem ficou parada, sem saber o que fazer, ao pé da cama. A enfermeira que estava com ela agarrou-lhe na mão e disse: «Ceci, nós podemos ajudá-lo. Vamos pedir a um médico que mude o tratamento para aliviar a dor». «Ela mostrou-me que havia outra possibilidade. E principalmente que eu não estava sozinha



Ao almoço, um colega tinha-lhe levado salmão com abacate, o seu prato preferido. «Só mais tarde, ao olhar para aquele período, percebi que os meus colegas foram presenças, pontos de luz que, sem que na altura eu me desse conta, fizeram com que eu pudesse continuar. Mudaram o meu olhar, petrificado pelo sofrimento.»



Depois das férias de verão, Cecilia retomou o trabalho noutro hospital, também com doentes covid. Tendo em mente aqueles rostos e a consciência que cresceu ao longo do tempo, é agora mais simples enfrentar a nova situação, embora permaneça dramática. Os pontos de luz voltaram a aparecer, e agora é mais fácil vê-los.



«Quer que lhe lavemos a cabeça?», perguntou uma enfermeira ao doente cujo suor escorre para dentro da máscara de oxigénio. Cecília olhou perplexa para a colega. Era um dia complicadíssimo e ela queria “perder tempo” lavando-lhe a cabeça? É a última coisa a fazer, normalmente. O homem consente com a cabeça. À noite, saindo do hospital, Cecilia sente menos o peso daquele dia. Aquele simples gesto tinha sido o indício de que há algo maior do que o sofrimento.


Uma noite, um doente já delirante tentava arrancar os fios que o ligam aos equipamentos médicos. Os procedimentos aplicáveis determinam que deve ser impedido a qualquer custo. Mas a enfermeira que tinha acorrido com Cecília disse-lhe: «Não está a morrer, estou aqui consigo, por favor deixe-nos arranjar as coisas. Nós não vamos embora», e apertou-lhe a mão. «A esperança, que há seis meses me parecia impossível, passa por factos destes», diz Cecília: «O Senhor leva-me pela mão através destas presenças de humanidade».