O despertar do humano em Angola
Como a COVID19 nos tem ajudado a voltar ao essencial, a pôr perguntas, a ver o bem e nos remete para algo maior, que nos transcende...Caro Padre Carrón, espero que a presente carta o encontre bem de saúde.
Nós, por cá, estamos bem e a tentar adaptar-nos ao “novo normal”. Uma nova realidade, que veio mudar radicalmente a nossa forma de estar face ao isolamento social e agora, mais recentemente, o distanciamento social.
A Covid-19 veio ensinar-nos a cingirmo-nos, (ou melhor, reavivar as nossas memórias para), àquilo que realmente importa.
Neste últimos três meses, temos vivido momentos de pânico, angústia, medo, o que nos leva a pensar e a fazer as mesmas perguntas de sempre, quando nos encontramos ou estamos em momentos, situações difíceis: Porquê isso agora? Porquê comigo? Claramente que algumas respostas não vamos obter no momento, mas por conseguinte leva-nos a olhar para dentro de nós , leva-nos a ver e a dar a importância às pequenas coisas, coisas essas que, na verdade, são de enorme significado.
A Covid-19 em Angola tem sido encarada com uma certa resistência. Veja-se que, ainda nos dias de hoje, convivemos com diversas epidemias (Malaria, Cólera, Febre Amarela, entre outras…), sem esquecer os trinta anos de guerra civil, que foram e continuam a ser mais letais do que actual pandemia.
Esta triste realidade, (arrisco-me até a dizer “certa familiaridade” com a calamidade e com a morte) leva a que a população acabe, de certa forma, por ignorar as regras de distanciamento social e biossegurança.
Estima-se que, aproximadamente 70%, da população angolana dependa dos mercados informais para a sua subsistência, o que dificulta o cumprimento das regras e restrições no âmbito do combate a esta pandemia.
A sociedade assume este risco, em detrimento do ganho do seu pão de cada dia, expondo-se a ambientes precários, sem condições sanitárias, situação que potencializa os níveis de propagação do vírus, dada as enchentes típicas destes locais.
Nos últimos dias, tem sido comum ouvir-se dizer: «Entre morrer de fome e morrer de coronavírus, preferimos morrer de coronavírus!». Esta exclamação é o espelho do enorme desespero que assola a população, designadamente a mais carenciada.
Por outro lado, diante de tanta aflição e de desespero, ainda conseguimos encontrar o melhor do ser humano.
Por cá, temos visto uma onda de solidariedade (distribuição de cestas básicas e material de biossegurança), sobretudo com os mais necessitados, repleta de demonstrações de amor ao próximo e que se tem multiplicado por todo o país.
Tudo isto leva-nos a pensar que, o ser humano, na realidade, só necessita de ser mais humano, voltar a sua essência, voltar a acreditar em algo maior do que bens materiais. Do que nos vale tanta vaidade e soberba. Nestes últimos meses, nada se assemelha a um abraço amigo, ou a um encontro com a família.
Pensar naquilo que realmente importa nos dias de hoje, remete-nos para algo maior, que nos transcende, do que nos vale ter tantas coisas, se no fundo o que mais nos frusta é a necessidade de um abraço, de momentos simples de lazer, a impossibilidade de estarmos junto daqueles que amamos.
O que fazer diante desta frustração?
Esta situação fez despertar a necessidade de entendermos o propósito da nossa Fé e a proximidade a Deus, obrigando-nos a pensar naquilo que devemos retirar desta experiência.
Sentimentos como amor, perdão, amizade, amor ao próximo e caridade que, no decorrer do dia-dia, são tantas vezes colocados de lado, ou até mesmo esquecidos, face à dinâmica de cada um, hoje urgem e são vividos com mais intensidade.
«Viver a vida como vocação significa tender para o Mistério através das circunstâncias através das quais o destino te faz passar (1)». Para mim, esta frase explana o verdadeiro sentimento, o voltar ao início, o que enche de Fé e de esperança.
Evando, Luanda
(1) L. Giussani , O sentido de Deus e o Homem moderno. Diel,199