O Cristianismo acontece

Voltei à escola comunidade. Percebi a presunção em que caira de que conseguia ser sozinha. Mas foi mais para além de perceber em mim uma fraqueza e uma necessidade... é que há um acontecimento na minha vida, um encontro que não posso planear, com Jesus.

Durante o primeiro semestre do ano lectivo de 2018/2019 foi-me dada a oportunidade de ir estudar através do programa Erasmus para a Universidade de Edimburgo, na Escócia. Entendi este tempo também como uma oportunidade para confirmar o caminho que já tinha vindo a fazer em Portugal. Fui para a Escócia só com uma amiga, que na altura nem era mesmo minha amiga, para um lugar onde não conhecia ninguém, para um país que não é católico. Isto para dizer que não estava lá ninguém, nenhum amigo, nem os pais, nem mesmo a presença discreta de uma igreja na rua, para ver o que eu fazia, para me ver a ir à missa, a rezar o terço, ou a ir à escola de comunidade. Não que eu sentisse que em Portugal era pressionada a fazer seja o que fosse, mas acabava sempre por haver o amigo a dar o empurrãozinho, os pais que vão à missa, e igrejas sempre ao virar da esquina a convidar para entrar. Em Edimburgo era eu, e só eu, que tinha de me querer levantar e segui-Lo.

Quando cheguei a Edimburgo já sabia que havia uma escola de comunidade. Decidi ir à primeira e levei a tal minha amiga. A verdade é que a escola de comunidade não correu nada como eu esperava. Em primeiro lugar, eram todos muito mais velhos, uns já em doutoramentos avançados, a maior parte já a trabalhar, com vida de casal, havia até uns pais que traziam os dois filhos. Em segundo lugar, chegaram muito atrasados, ficámos 20 minutos a olhar para o ar (já estávamos habituadas à pontualidade britânica). Quando finalmente começámos, e sem explicações, um rapaz sacou da viola e pôs-se a tocar sem mais nem menos as músicas para o começo da escola de comunidade, com o agravo acrescido de que não cantava muito bem e punha as músicas num tom de tal maneira alto que era impossível de acompanhar. E por fim, em vez de fazermos escola de comunidade no sistema habitual, vimos um vídeo, que nem era nada de especial, comprido, monótono e de má qualidade. A mim, que já conhecia o que a casa gastava, não me fazia impressão se uma escola de comunidade não corria lá muito bem. Mas a minha amiga, quando tudo acabou, perguntava “Porque é que andas mesmo com esta gente?”.
Decidi ir à segunda escola de comunidade. No entanto, não percebia porque é que ali estava. Aquelas pessoas eram demasiado diferentes de mim, a sua experiência de vida quotidiana não tinha nada a ver com a minha. Estava habituada a fazer escola de comunidade com universitários que, tal como eu, sofrem com exames, colegas, professores, saídas à noite, namorados e namoradas. E de repente estava numa sala, a uma hora que nem me dava jeito porque tinha de ir sozinha para casa já de noite, longe ainda para mais, a ouvir problemas de burocracia com o patrão de alguém. Não que não me preocupasse, mas não é para isso que vou para à escola de comunidade.
E fui deixando de aparecer. Não precisava daquilo. Faria escola de comunidade depois quando chegasse outra vez a Portugal, com os meus amigos. Agora, não precisava. Começou a parecer-me parvo precisar de ajuda para reconhecer a presença de Cristo na minha vida. Posso perfeitamente fazer isso sozinha. Não preciso de ninguém para me dizer como e onde é que posso reconhecer Cristo na minha vida. Isso é entre mim e Ele, para quê os outros? Chegava muitas vezes ao fim do dia, olhava para o que me tinha acontecido, pegava num evento particular, e dizia para mim “Isto foi bom, logo aqui está Ele”. O trabalho estava feito.
Houve então uma ocasião em que me provocaram, de uma forma mais violenta que daquela forma das habituais provocações, sobre a minha fé.
E quando dei por mim, estava mesmo sozinha, mas de uma solidão de um coração de pedra. Estava feita louca no meu reduto a lutar contra todo o resto do mundo. E perante a provocação, percebi que o meu reduto era feito de areia, que não há armas, e que a causa que eu criei era fruto dos meus cálculos. Tinha reduzido Deus a um esquema mental, reduzido Jesus à minha medida. Não era Jesus, mas um quadro que eu pintei para caber na parede do meu quarto.
Voltei à e.c. Percebi a presunção em que caira de que conseguia ser sozinha. Mas foi mais para além de perceber em mim uma fraqueza e uma necessidade, por estas razões podia ter ido a qualquer outro lado. A grande questão é que o Cristianismo acontece. Para além de um esquema, de uma fraqueza, de uma necessidade, é que há um acontecimento na minha vida, um encontro que não posso planear, com Jesus.
Com isto presente, e fazendo-se presente, os problemas de burocracia com o patrão de alguém tornam-se de relevância vital para mim. Eu nem falava nas escolas de comunidade (já costumo bloquear na minha língua materna, quanto mais noutra língua, por mais que eu a domine), mas ouvia o testemunho dado através daquelas conversas do encontro que outros tiveram com Aquele que eu também encontrei, e de como isso quebra com o esquema que todos tentamos montar para dominar a vida. A escola de comunidade é como que um grupo de vítimas do Grande Derrubador de Planos. É a escola em que testemunhamos, ajudamos, aprendemos e ensinamos em comunidade a viver o Novo Testamento, a Novidade que é Cristo.
Madalena, Monte da Caparica