Olhar até ao fundo o meu desejo
A carta de um amigo alemão ao P. Carrón depois de ter participado na peregrinação de Lisboa a Fátima.Caro Julian,
Estou a regressar da peregrinação a Fátima, organizada pelo movimento em Portugal. Permito-me partilhar contigo o quão bela foi esta experiência. Sou alemão, tenho 48 anos, vivo na Alemanha e soube desta iniciativa por uma amiga, Ursula, de Colónia, que foi a Fátima há dois anos. O ano passado fui lá com ela e com uma queridíssima amiga minha. Este ano quando vi o convite não resisti um instante e regressei, desta vez sozinho como estrangeiro entre 65 peregrinos portugueses.
Desta vez vim com uma pergunta precisa, uma daquelas perguntas importantes para a minha estrada agora, para seguir como vocação, onde se colocam concretamente duas opções. Percebi subitamente no primeiro dia, quando revi uma certa pessoa, que não posso reduzir a questão a um conceito ideal. Devo olhar até ao fundo o meu desejo, devo abrir ainda mais o meu coração. Graças também a um olhar do Vítor sobre mim, um amigo português, estou mais seguro de como olhar em frente.
Mas a coisa mais bonita que gostaria de partilhar contigo é a beleza do gesto e o espanto da experiência de comunidade fraterna. Cinco dias a pé de Lisboa a Fátima, 150 km, feitos em grande parte sobre o asfalto e o pernoitar no chão em ginásios são fisicamente um sacrifício e comportam uma experiência de dor e de desconforto. Com efeito, por causa de uma bolha, doeu-me um pé desde a primeira noite. Mas poucas vezes como nesta peregrinação intui o amor fraterno. Houve inúmeros sinais disto, cito alguns. Encontrei rapidamente uma pessoa, o Pedro, que me fez a tradução do português para o italiano (no fim conheci também toda a sua família numerosa, e tornámo-nos amigos e parece que nos conhecemos profundamente há muito tempo), encontrei alojamento e tanta assistência da parte do Ricardo, que não obstante o seu empenho como responsável pela peregrinação encontrou espaço para me ir buscar ao aeroporto e para tomar conta de mim desde a chegada a Fátima até à minha partida. Recordo a beleza de tantos peregrinos que se serviram do seu inglês ou de duas palavras de alemão e partilhámos a nossa vida, a nossa história. “Pedi e ser-vos-á dado” – tive numerosíssimas confirmações no pouco desta promessa de Jesus. Algumas vezes, foi-me até dado aquilo que não tinha pedido – recordo a Maria João que me oferece um típico doce português no momento em que tinha mesmo vontade de provar algo de novo.
A maneira como nos olhámos, demos um testemunho belíssimo da unidade entre cristãos, da beleza que é a Igreja como corpo vivente de Jesus. Todas as circunstâncias ajudaram a isto: As laudes pela manhã, o rosário, o silêncio, a escola de comunidade, o encontro ao serão como gestos quotidianos, mas também o modo como caminhámos, compacto e seguros ao longo das estradas (frequentemente estradas principais, com tantos camiões que nos vinham ao encontro). Depois o sacrifício dos amigos que se ofereceram como voluntários para nos assistir com as viaturas para dar-nos de beber e de comer e para oferecer uma boleia para quem não conseguia prosseguir a pé.
Para mim nestes dias, a presença de um Outro na nossa vida não era uma coisa abstracta, mas totalmente concreta. Regresso à Alemanha ao meu trabalho com o coração cheio de alegria e de gratidão por tudo o que recebi.
Ralf, Alemanha