Como podemos ver alguém que amamos sofrer?
Nas últimas semanas muito se tem falado da Eutanásia, por causa da votação da Assembleia da República.Assim voltei atrás no tempo 12 anos, e mais uma vez revivi aqueles 5 meses de 2006.
No dia 1 de Julho de 2006, a minha mãe partiu para o céu.
No dia 1 de Julho de 2006 casei-me.
Não, não há enganos nas datas, aconteceu tudo no mesmo dia.
Ouvindo durante toda estas semanas as entrevistas, as declarações acerca da eutanásia, fiquei muitas vezes perplexa, em especial com os apoiantes do Sim á despenalização, porque se arrogavam a dizer que ver alguém sofrer e ser contra o fim desse sofrimento, era algo impensável, especialmente quando se falava de católicos.
Eu vi a minha mãe sofrer, e sofri com ela.
Ver alguém que amamos sofrer e ser impotentes perante esse sofrimento, causa uma dor indescritível, e foi isso que senti durante aqueles 5 meses, em particular as últimas 3 semanas.
Armada de uma fé inabalável que me dizia que aquela era mais uma crise, acreditava que a mãe iria recuperar e estaria comigo na igreja no dia do meu casamento, vivi aqueles meses fazendo esse pedido a Deus.
Com o passar do tempo e o agudizar-se da situação, comecei a consciêncializar-me que ela não estaria na igreja, mas não me passava pela cabeça que não estivesse mais comigo fisicamente.
Um mês antes do casamento veio para casa do hospital, e voltei a ficar animada – a minha mãe vai estar comigo.
As últimas semanas de vida da minha mãe foram de um grande sofrimento, acamada há quase 5 meses, tinha escaras pelo corpo e perdia muitas vezes a noção do espaço e do tempo; não reconhecia as pessoas, mas eram momentos episódicos. Um dia não me reconheceu a mim, falou comigo, enquanto tratava dela , como se eu fosse uma enfermeira, e dizia “ a menina é muito parecida com a minha filha, ela também é assim bonita e meiga”, claro que ouvi isto e só me apeteceu chorar, acabei de tratar dela e fui-me enfiar noutro quarto a chorar.
Três dias antes do casamento ela voltou a ser internada com uma pneumonia, derivada do tempo em que esteve acamada, foi o desabar do sonho. Ela não iria mesmo estar comigo…
Na véspera do dia do casamento, fui visitá-la, estava com a máscara de oxigénio, não conseguia quase respirar, olhou muito para mim, e eu só pedia que ela me estivesse a reconhecer. Tenho a certeza que sim!! Também se estava a despedir e eu não percebi.
No dia do casamento acordei de um sonho, onde era ela a interveniente principal, estava num sítio, com um pórtico de entrada ladeado por torreões e do outro lado tudo era verde, só vi árvores…
Depois de acordar, liguei para o hospital, fiquei depois a saber, ela já tinha partido!!!
Perante este sofrimento, muitos me perguntaram como podia eu continuar a acreditar em Deus. E essa era a pergunta que eu fazia a mim própria todos os dias…
Foi preciso tempo, foi preciso encontrar esta Companhia e descobrir esta “Bella Strada”, para perceber que a minha “não revolta” residia em muito coisa, mas principalmente no facto que Deus me deu o que sempre lhe pedi: que lhe tirasse o sofrimento e que ela estivesse comigo na igreja quando desse o meu sim, e foi isso que aconteceu!!!
Perguntam-me pois como posso ser contra a eutanásia se vi tanto sofrimento? Se eu queria que ela não sofresse como posso não ser a favor??
Muito simples, ela sofreu, mas amou até ao fim, e foi amada até ao último minuto, amada por nós filhos e pelo marido, mas acima de tudo amada por Deus, a quem ela também amava.
Ela não teve uma vida menos digna naqueles dias por causa do sofrimento, pelo contrário, vejo agora que muita da minha força vinha dela e do seu Amor.
Por isso sou e serei sempre contra a Eutanásia!!
Alexandra, Porto