A cara de Tiago
Milão, Cemitério Monumental. Domingo à tarde.Diante da sepultura de Don Giussani, Aurora aproxima-se de Tiago e sussurra-lhe: «É tarde, temos de ir». Ele dá uma olhadela ao relógio: «Tens razão, só mais uns segundos. Sabes, não podia regressar sem agradecer-lhe. Estes dias foram belíssimos. E devemos-lhe tudo. Devo-lhe tudo a ele». O “regresso” de Tiago é à cadeia, onde cumpre pena de prisão. Chegam lá à tardinha. Despedem-se ao portão. «Obrigado, Aurora, até amanhã». «Até amanhã».
A ladainha do costume à entrada, logo depois o controlo no bloco, onde o guarda prisional de serviço o espera para o levar à cela. «Olá, Tiago, que cara feliz! Aonde foste de precária?». «A Rimini». «E lá é divertido nesta época do ano? Pensava que era só de verão». Tiago ri-se. «Não, não, estive na Feira [Parque de Exposições/Centro de Congressos], nos exercícios da fraternidade de CL». O guarda interrompe-o de súbito: «Caramba, deve ter sido mesmo uma coisa especial. Tens os olhos a brilhar».
Mais uns metros e chegam à cela. Lá de dentro ouve-se uma voz: «Já chegaste, estava à tua espera». Tiago entra e dá um abraço ao companheiro. «Olá, André». O outro diz-lhe logo: «Vá, então, conta lá». «Sim, sim, deixa-me só tirar o caderno de apontamentos». O amigo observa-o. «Estás diferente, alguma coisa te aconteceu. Vê-se. Quem sabe se também a mim me darão uma precária para lá ir no ano que vem». Tiago volta a abraçá-lo com força, depois senta-se e começa a relatar-lhe o sucedido, sem sequer se dar conta da saudação do guarda, que deu alguns passos mas volta atrás. Pára a um metro da cela, encostando-se à parede para passar despercebido e põe-se a ouvir Tiago. A misericórdia do Papa Francisco, o “sim” de Pedro, e depois Deus, que quis ser amado por homens livres… Não consegue sequer arredar pé. São palavras que vão direitas ao coração. Até às dez da noite, quando tem de apagar as luzes e fechar as celas. Lá dentro, Tiago não pára de contar o que aconteceu.
No dia seguinte, às oito e meia em ponto, Aurora chega à cadeia. Antes de começar o trabalho como responsável por um projecto com os reclusos, vai ver Tiago. Ainda mal passara pela portaria quando alguém chama por ela. «Aurora, tem um minuto? Gostava de falar consigo». É o guarda que na tarde anterior levara o Tiago à cela. Esquisito. O turno dele acaba às seis. Porque se encontrará ainda ali? «Diga». «É por causa do Tiago». «Oxalá não tenha acontecido nada», pensa ela numa fracção de segundo. O guarda parece ler-lhe o pensamento e sorri: «Não se preocupe, não aconteceu nada de grave. Pelo contrário… Mas alguma coisa deve ter-lhe acontecido a ele, ontem à noite estava radiante. Não pude deixar de ouvir o relato que ontem ele fez ao seu companheiro de cela. Não consegui sequer sair dali. Estive à sua espera para lhe dizer isso». «Obrigada, as suas palavras tocaram-me».
Aurora dá meia volta, mas o guarda retém-na: «Não queria só ficar pelo relato. Sabe…é que… Também eu gostava de ter uma cara assim. Posso ir consigo no próximo ano?»