S. Francisco

Saí de lá a arder

Testemunho da assembleia de responsáveis em Portugal

Era quarta feira de manhã quando me disseram que tinha teste no dia seguinte da cadeira mais difícil do meu curso. Entrei em pânico!… Como é que cheguei ao ponto de nem saber as datas dos exames? Tenho andado tão desorganizada e descentrada das minhas prioridades… Claro que mesmo assim tentei estudar, mas na véspera do teste era impossível eu conseguir, nada me entrava na cabeça. Começava por um exercício, mas na pergunta estava uma expressão que eu não sabia e na definição da expressão entravam mais três conceitos que eu não percebia e acava por fazer um ponto de interrogação no exercício e passar à frente. O problema era que não havia um único exercício que eu soubesse fazer e, depois de uma hora a estudar, não tinha conseguido aprender nada.
Que desespero!... E tudo o que eu fiz de mal neste semestre veio ao de cima: as aulas desperdiçadas a mexer no telefone, as noitadas a ver filmes, as tardes a lanchar… e mais duas horas de estudo a pensar nisto em vez de estudar.
Eram seis da tarde e telefona-me um dos meus amigos menos ajuizado:
“Tu és ridícula! Eu só vou prós copos porque estudo as horas certas durante o dia. Como é que tu deixaste isto acontecer? Que irresponsável. Ganha juízo e vai estudar!…”
Sempre fui eu a responsável e certinha, não ele! Como é que ele teve coragem de me atirar isto à cara… era suposto dizer “não faz mal, tu és óptima, é só um teste não vai contar para nada!”. Mas em vez disso disse-me a mais crua das verdades e eu levei-o a sério.
Cheguei a casa e fui estudar, mas agora com um método diferente. Pegava nos exercícios mais simples e aprendia, através das soluções, a resolve-los. Isto deu num estudo até às seis da manhã: o estudo mais eficiente que me lembro ter!
No dia seguinte estudei mais de manhã, mas em vez de fazer as “essenciais” revisões de ultima hora, fui à escola de comunidade na hora antes do exame.
Vimos o testemunho da irmã Guadalupe. Eu saí de lá a arder!
“(…) estas pessoas estão na Síria a morrer por Jesus, mas não é por elas que eu estou preocupada, são vocês, católicos europeus, quem me preocupam, porque vocês estão adormecidos e confortáveis. Um cristão deve sofrer por Cristo, se não é criticado ou humilhado por ser cristão então é porque alguma coisa está errada… deve viver com tal intensidade que as outras pessoas percebem que este só pode ser cristão!”
Com esta provocação eu percebi que, de facto, estava a viver de uma maneira morna, confortável: se custa estudar, não faz mal, amanhã estudo… Se sou ignorada por tentar subir o nível da conversa, fico calada e deixo que os outros falem das bebedeiras da noite… Se a escola de comunidade não está seriamente a fazer um trabalho, trata-se de avisos práticos para fingir que não estamos em silêncio...
Estou a fugir às coisas dolorosas e difíceis. Tenho sido cobarde dia após dia, sem ter coragem de sofrer e de morrer por Jesus.
Então fui fazer o teste com esta intensão: fazê-lo por amor a Jesus.
E tal como em todos os testes que só se estuda na véspera, o teste era muito difícil. Bloqueava e fazia milhares de erros, mas em vez de entrar em pânico, como seria a minha reacção natural, ria-me, respirava fundo e seguia para a próxima pergunta. Tinha uma calma ardente que me dava coragem e gozo a fazer aquele teste.
E o correu me muito bem. Tive 14 valores.
A partir desse dia passei os dias seguintes muito contente. Tentava fazer as coisas bem, dizer as coisas certas, e acabava o dia correspondida.
E agora conto um episódio um tanto ridículo, mas essencial para este meu caminho. Eu tenho andado a tentar emagrecer para um casamento que vou ter no Verão. (objectivos parvos de raparigas) e desde o testemunho da irmã de Guadalupe que tinha estado a perder peso. No entanto, na terça feira seguinte engordei. Por muito ridículo que pareça isto fez DESABAR toda a alegria que eu tinha gerado desde a escola de comunidade. Fiquei mesmo triste, desanimada, irritada até. E aqui comecei a pensar “donde vinha a alegria dos dias anteriores? Porque razão tenho andado tão contente? Será que tenho estado tão feliz porque me tenho sacrificado por Cristo, ou porque as coisas estão a correr bem e eu estou mais magrinha, mais sensata e mais social?”
Dei conta que já estava esquecida de Cristo e que procurava mais ser bem vista pelos outros em vez de procurar dar Glória a Quem dá significado à minha vida. O meu amigo e a irmã Guadalupe ajudaram-me a ter coragem para enfrentar as coisas da minha vida sem ser morna e cobarde, mas como posso morrer por Cristo e fazer as coisas bem, sem cair na constante ânsia do meu sucesso?
Mafalda, Lisboa