Recomeçar com Um

Mais que fazer uma análise quero falar da minha experiência...

No dia a seguir à vitória do “sim” no referendo à introdução do casamento gay, os títulos dos meios de comunicação irlandeses não podiam ser mais bombásticos: “Início de uma nova era”, “A nova Irlanda farol de civilização para o mundo”. A estes contrapunham-se as reacções dos derrotados: «O fim de uma era», «O fim da presença da Igreja na sociedade». A total intolerância demonstrada a respeito de qualquer argumento de natureza jurídica, social ou outra, apresentados pelos defensores do “não”, apelidados de fanáticos e idiotas, deixa poucas dúvidas de que, na realidade, «nem sequer fomos a jogo». Dali surgiu uma muitíssimo compreensível raiva dos derrotados, não tanto pelo resultado, mas pelo modo como ele foi atingido.

No entanto, mais do que fazer uma análise, queria falar da minha experiência. Dei-me conta de que não estava zangado nem tão pouco me sentia derrotado. Por isso, queria contar um episódio que me aconteceu logo no dia seguinte ao da votação. Sendo Pentecostes, participei na celebração que o Arcebispo de Dublin faz coincidir com esta festa litúrgica. Comovi-me ao ver gente proveniente de todo o mundo encher a igreja. Vieram-me à cabeça as palavras do Carrón nos Exercícios da Fraternidade, comentando o que aconteceu no Pentecostes: «Só Cristo ressuscitado, pela força do seu Espírito, pode ser a explicação adequada do povo nascido da Páscoa. Pedro está totalmente dominado pela presença de Cristo ressuscitado e pode olhar a realidade sem ficar pela aparência, vencendo qualquer tipo de interpretação redutora». Aquele povo estava diante dos meus olhos. Fora da Catedral festejava-se a libertação da terra de São Patrício da Igreja; lá dentro, os rostos de gente de cores e proveniências diferentes eram o sinal tangível da vitória da ressurreição.

Não nos cabe a nós decidir a modalidade que o Mistério escolhe para nos alcançar agora. Não somos nós que decidimos como é que de tempos a tempos se manifesta a vitória de Cristo ressuscitado. E o rosto sorridente de uma família chinesa durante a celebração do Pentecostes era um facto mais convincente e mais forte do que qualquer raiva ou desilusão por causa do referendo. Claro que sobra a amargura pelo modo como a campanha foi feita, sobra a dor pelos milhares de jovens que votaram “sim” numa onda de emoções sem razões, vítimas fáceis da moda e do poder. Mas nada me pode tirar o olhar capaz de valorizar toda a humanidade que recebi quando encontrei Cristo. Ao falar com um amigo meu que estava desolado com o que está a acontecer, ocorreu-me dizer-lhe que esta “crise”, de qualquer maneira, ajuda-nos a identificar-nos com João, as mulheres e os outros discípulos que estavam à volta de Maria depois da crucifixão. Quem sabe quantas perguntas, quanto medo pelo futuro tinham, depois do que tinham visto acontecer. Mas a consternação ou mesmo a decepção pela pobre performance dos seus chefes, basta pensar em Pedro, não lhes podia tirar a consciência do que tinham visto e experimentado. E isto tornou-os aptos para reconhecer Cristo depois da Ressurreição, mesmo numa modalidade que não esperavam.

Com humilde certeza, diria que para mim não é diferente. Redescubro-me, precisamente, não derrotado, mas desejoso de ver a modalidade com a qual Cristo me alcança agora e aqui, na Irlanda. Isto, graças a Deus, não coincide com uma lei ou com a sua revogação. Um comentador perguntava-se sobre num dos maiores jornais irlandeses: «com o que é que preencheremos o vazio deixado pela Igreja agora que nos livrámos dela?». Eu estou agradecido porque encontrei alguém que me revelou a natureza daquele vazio, daquela necessidade. Isto está na origem de não nos sentirmos derrotados e também da simpatia humana por todos os que hoje brindam a um New Beginning. E, de facto, trata-se de um novo início. Vêem-me à cabeça as palavras de D. Giussani depois do referendo em Itália sobre o aborto. A quem dizia que se recomeçaria dos 32% que foram derrotados, ele respondia convidando a recomeçar com Um. Também aqui na Irlanda não se trata recomeçar dos 38% que se opuseram ao casamento gay, mas d’Aquele Um, Jesus de Nazaré, que primeiro olhou o homem por aquilo que ele é, revelando também a mim a verdadeira natureza da necessidade e do desejo, que é meu e de todos, estabelecendo assim as condições para um autêntico progresso e coexistência.

Recomeçar com Cristo, reconhecê-Lo presente aqui e agora através da Igreja e do carisma de D. Giussani que sigo, não coincide com um lamento por tudo o que se perdeu nem uma tentativa de reconquistá-lo lançando-se nesta ou naquela batalha. Quer dizer, ao invés, o reconhecimento simples da companhia de Cristo, o seu olhar cheio de misericórdia capaz de despertar o desejo mais verdadeiro de cada homem em qualquer tempo ou lugar. A campanha foi feita em nome da igualdade. Eu não me sinto derrotado porque me foi dada a graça de ir à fonte desta igualdade. E esta graça posso implorá-la continuamente.

Mauro, Dublin