Sermos nós mesmos sempre

A conversa que me pôs perante um dilema

Caro Carrón, estive umas semanas na Bélgica num curso de Verão ligado à universidade, onde pude conhecer jovens provenientes de toda a Europa. Uma das primeiras coisas que me espantaram é a inexplicável curiosidade que tinha em relação a eles. Geralmente sou muito tímida, espero sempre que sejam os outros a virem ter comigo e, em vez disso, com eles estava toda decidida a ver o que tinham a dizer à minha vida. Para a minha maneira de ser isto é já uma primeira mudança, induzida talvez pela chamada constante à abertura ao mundo em que o Papa e tu insistem.
A outra coisa é o diálogo que tive com um rapaz. Este espanhol, que eu tinha conhecido dois dias antes, diz-me que é homossexual; e passados dois dias, conversando, acrescenta: «Eu no futuro gostava de ter um filho com o meu companheiro». Aquele momento para mim foi mesmo decisivo. Vi-me perante um dilema: não responder e deixar seguir o discurso, ou tomá-lo a sério e responder. Mas ignorar este desafio era demasiado pouco. Como posso ver o que a realidade tem para me oferecer se depois, à primeira provocação, dou um passo atrás? Por isso, disse-lhe: «Olha, eu acho que isso não é justo». Dali nasceu um diálogo belíssimo, duríssimo, porque discutir um tema como este, não entre nós ou entre colegas, que apesar de tudo só se interessam de uma forma abstracta e distante, mas com alguém que tem realmente esta urgência é uma história totalmente diferente.
Tive de me descobrir e explicar claramente sem rodeios quem sou, o que é que me constitui e a novidade que encontrei. Foi incrível porque ele depois começou a criar uma série de “situações-tipo” e eu tinha de dizer como me comportaria nos vários casos (do género: e se agora ficasses grávida? E se te nascesse um bebé doente?). Quanto mais o diálogo prosseguia mais me dava conta, com uma nitidez que nunca antes tive, que o critério sobre o qual se baseiam todas as minhas decisões é o mesmo: a consciência de que me está prometida a felicidade, mesmo se a realidade me oferece coisas que eu não me posso dar, ou não me permite ter o que gostava, mesmo se na minha cabeça as coisas não devessem ter corrido assim. E então a pessoa está curiosa e livre para enfrentar tudo. Nada disto podia ter acontecido se eu de início tivesse decidido fingir que não era nada. É mesmo verdade que, como nos dizia um amigo há pouco tempo, «a verdadeira missão é sermos nós mesmos, sempre».
Veronica

AGORA SOMOS MAIS IRMÃOS QUE OS IRMÃOS

Conheci o movimento há três anos e todos os anos há qualquer coisa que me surpreende. Desta vez descobri o “grupinho de Fraternidade”. Certo dia a Barbara diz-me: «Vens no sábado à casa da Vivian? Ela quer formar um grupo de Fraternidade e perguntou se queres participar, vão também a Nyemeka e o Steve». «Claro que vou!», respondo, apesar de não conseguir perceber muito bem de que tipo de grupo está a falar.
Chegamos pontualmente às três a casa da Vivian e sentamo-nos à roda da mesa. Noto imediatamente que é uma coisa muito séria. A Barbara pega no livro da Fraternidade e começa a ler, a Vivian explica o que a levou a pedir-nos para formar este grupinho. Todos nós tínhamos manifestado, em diversas ocasiões, o desejo de nos comprometermos mais no movimento. Fala-se do prior, da regra, de quando nos vamos encontrar. Não estava à espera de uma coisa tão importante e, por instantes, penso se não devia talvez ter escolhido com calma as pessoas com quem formar o grupo, mas Jesus tinha-me atraído para ali. Não iria recuar nem por todo o ouro do mundo! Nem mesmo a visão momentânea do meu marido, a quem teria de falar de mais um compromisso, me ia impedir. A Vivian é nomeada prioresa por unanimidade, decidimos qual a oração a recitar juntamente com o Angelus, três vezes ao dia, e quando fazer silêncio.
Moramos longe uns dos outros. Vamos fazê-lo juntos na mesma, cada qual na sua casa, mas quando? De manhã, das cinco e meia às seis, antes de cada um de nós ir trabalhar. Quando estava a voltar para casa sorria para comigo, pensando: «Está bem, Jesus, queres mesmo ficar com tudo». A união que se criou entre nós quatro é realmente uma coisa do outro mundo. Somos muito diferentes, temos vidas e proveniências diferentes e, além disso, eu sou avó, a Vivian é mãe, Nyemeka e Steve podiam ser meus filhos. Ora, nada disto tem importância. Agora somos mais irmãos que os irmãos. Ajudamo-nos a reconhecer Cristo na vida caótica de Lagos e os exemplos contados por um tornam-se sustento para os outros; as fadigas, uma vez partilhadas, tornam-se ocasião de crescimento; as alegrias, mais alegrias. Quando de manhã acordo às cinco e meia fico admirada. Se não sentisse que Cristo está connosco, quem me faria levantar da cama? Disse o meu sim naquele sábado e Jesus deu-me uma companhia que é cem vezes mais do que aquilo que eu alguma vez podia imaginar.
Paola, Lagos (Nigéria)


UMA FESTA POPULAR PELA VIDA DE DON GIUSSANI

Olá Julián, que surpresa reler as palavras do Editorial da Tracce, no dia a seguir a um gesto simples que aconteceu a 12 de Agosto em Santa Maria Navarrese, na Sardenha. Vimos desde há uns anos com algumas famílias da Fraternidade passar as nossas férias nesta zona. Estamos afeiçoados a este lugar, certamente pela beleza natural, mas também pela amizade com o pároco. Gestos simples, como participar na missa diária, cantar alguns cânticos na missa dominical, ajudar a comunidade da aldeia com todos os nossos filhos nas mudanças da igreja de um local para outro, criaram no tempo uma familiaridade inesperada. Este ano, a ocasião para fazer crescer esta familiaridade nasceu do facto de muitos de nós estarmos a ler a Vida de don Giussani e, página atrás de página, aumentava a sensação de gratidão por sermos parte daquela história. Um verdadeiro contributo para responder àquela pergunta com que nos provocaste nestas férias: que buscais? Surge uma ideia. Porque não oferecer a todos aquilo que nos estava a ser revelado naquelas páginas? Fomos ter com o pároco para lhe propor a possibilidade de apresentar o livro na paróquia. Com surpresa, aceita e quer que vamos avisar também a Câmara Municipal. Preparamos um cartaz com uma frase tirada do livro: «Eu não quero viver inutilmente, é a minha obsessão», e começamos a ir às vilas vizinhas convidando toda a gente. Oferecemos o texto ao padre Pietro, que aceita introduzir o serão propondo-o ele mesmo a toda a sua paróquia: «Convido-vos para a apresentação de um livro que conta a vida de um homem, que eu conheci pessoalmente, que contribuiu imenso para a vida eclesial. Este convite nasce da amizade com algumas pessoas de CL que há anos vêm fazer férias entre nós». Lucio, que assumiu o encargo de apresentar o livro, fala do seu encontro com aquelas páginas e revela a toda a gente a originalidade daquele homem, que conheceu aos seus 18 anos. Criam-se momentos de silêncio, carregados de uma Presença que atinge de forma imprevista aquela centena de pessoas reunidas no salão paroquial, e também na exibição das imagens do vídeo cada um de nós sente-se penetrado por aquele olhar.
No fim do encontro, o Presidente da Câmara cumprimenta-nos comovido: «Temos de imaginar, para o ano que vem, outra coisa em conjunto». Presenteamos com bolos, canções e danças sardas todos os que tínhamos convidado, uma autêntica festa popular, mais certos de que, após o encontro renovado com aquele homem, aquilo que buscamos, que desejamos, existe e acontece de novo entre nós.
Cristina