CARO COLEGA, A MINHA FILHA DEFICIENTE É FELIZ

A felicidade não é proporcional a uma "performance" ou a uma capacidade de fazer algumas coisas de forma autónoma

Numa discussão sobre a lei da eutanásia na Bélgica, a certa altura um colega meu interveio dizendo que, no fundo, é justa a eutanásia dos recém-nascidos com deficiências graves, nos casos em que é evidente, logo à nascença, que não terão possibilidade de andar, falar ou ter qualquer actividade autónoma, porque certamente não irão ser felizes. Então eu intervim, contando que tenho uma filha deficiente que se encontra nas condições por ele descritas, mas que apesar disso, acima de tudo ela é feliz e isto demonstra que a felicidade não é proporcional a uma "performance" ou a uma capacidade de fazer algumas coisas de forma autónoma. A felicidade não é dada por nós. Digo-lhe que apesar das dificuldades, para mim foi e continua a ser um grande dom, porque a sua evidente dependência é um chamamento contínuo ao facto de que estamos nas mãos de um Outro. Depois contei-lhe alguns factos que aconteceram nestes anos em que foi evidente que a sua presença foi mesmo uma riqueza para quem a encontrou. Uma semana depois, este meu colega voltou ao assunto. Inicialmente, contou-me algumas experiências pessoais, como que para justificar as ideias que tinha expressado, mas depois concluiu: «Não é que o que tu disseste possa fazer-me mudar as ideias que eu tenho há quarenta anos, mas devo dizer-te uma coisa: não consigo afastar a pergunta de como é possível que tu me tenhas falado da tua filha daquela maneira e também, sobretudo, como é possível que tenhas tido a coragem de ter mais filhos (eu, aliás, nem sequer lhe tinha falado dos outros filhos, porque para mim não era interessante para a discussão). E isto continua a vir-me à cabeça e não me deixa em paz». Todas as outras vezes em que tinha acontecido eu participar de discussões daquelas, tinha-me sempre afastado irritada, sem ter coragem de dizer nada e pensando apenas, com raiva, como era possível que algumas pessoas pensassem daquela maneira. Desta vez, para mim, foi possível encarar a circunstância com toda a verdade sobre mim, graças ao caminho que estou a fazer e seguindo o trabalho da Escola de Comunidade, porque começo a estar diante da realidade sem censurar nada. O resultado é que estou mais contente.
Anna