EU E A MARGARIDA, DIANTE DAQUELE CORAÇÃO QUE GRITAVA

Professora, preciso dum adulto a quem possa dizer coisas que não posso dizer à minha mãe...

Há algum tempo a Margarida, uma aluna minha, pediu-me: «Professora, preciso dum adulto a quem possa dizer coisas que não posso dizer à minha mãe». A Margarida encontrou os liceus há pouco tempo e vem duma família afastada da experiência da fé. A chorar, mas lúcida e às vezes friamente, contou-me a história do seu pai. Freak Antoni, a voz dos Skiantos, aquele que é definido como "o rebelde", devido às suas canções e aos seus escritos provocadores. «O meu pai é um depressivo, tomou drogas, nunca me ligou nenhuma. Agora está a morrer. Tenho medo. Medo da morte, medo da sua morte». Eu olhava para ela e pensava no peso que uma rapariguinha de 14 anos devia sentir sobre as suas costas. A certa altura, disse-lhe: «Margarida, deves perdoar o teu pai», «Impossível, nem sequer quero vê-lo». «Então vou contigo ao hospital». Não se pode mentir a uma rapariguinha de 14 anos cujo pai está a morrer, ainda por cima um pai tão ausente e ao mesmo tempo tão "incómodo". Diante dela, do seu pai no hospital, dos seus avós e da sua mãe, não basta ser uma professora, uma adulta, uma "responsável dos liceus" para ter esperança. Onde está a minha esperança? Eu, tão cheia de dúvidas e receios, que certezas tenho eu? E ali, diante do seu pai, que chorou ao ver a filha, e da Margarida, que começou com ternura a acariciar as mãos do seu pai, pedi a Deus para me ajudar. Freak Antoni foi para o céu. Estou na câmara ardente preparada pela Câmara no Palácio d'Accursio. A Margarida esteve ali o dia todo. Mal entrei, ouvi uma barulheira: uma sala cheia de pessoas de todos os géneros, dos mais desesperados com a vida a vip's e amigos; um vídeo gigante que passava fotos, frases e concertos de Freak, muita saudade, afecto e palavras que celebravam um homem que o mundo não percebeu. Beijos e abraços, no meio da confusão de palavras e música em alto som e os poucos que cumprimentavam a Margarida. A certa altura, disse-me: «Professora, daqui a pouco vem o presidente da câmara e vai fazer um discurso, eu também quero falar». O presidente falou, comovido, numa sala cheia. A Margarida agarrou decidida o microfone e começou, sob o olhar de todos, a ler o que tinha escrito durante a noite: «Olá. Chamo-me Margarida. Como muitos de vocês sabem, sou a filha do Freak. Acima de tudo, quero agradecer-lhes por terem vindo, porque estão a prestar homenagem ao meu pai e agradeço-vos por todas as mensagens que lhe escreveram no facebook. Vocês foram a sua vida. Ele vivia no palco, vivia para o seu trabalho. Houve muitos Natais que ele não passou com a família porque tinha um concerto, uma entrevista. Eu odiei-o um bocadinho por causa disso. Pensava que não me ligava nenhuma, que não se interessava por mim, porque não passava o Natal com a família, comigo. Agora talvez tenha percebido. Não sei se já vos aconteceu sentirem-se tristes, mas tão tristes a ponto de se perguntarem o sentido da vida, o porquê das coisas. A mim acontece-me às vezes. Ao meu pai estava sempre a acontecer. Estão tristes porque vos falta alguma coisa. Não é? Caso contrário, estariam satisfeitos. Mas o que é que falta? Talvez seja porque não tenho o novo iPhone. Ou porque não tenho namorado e hoje é São Valentim... E cada um tenta, à sua maneira, preencher o vazio que sente. O meu pai enchia esse vazio com a droga, com os concertos, com histórias de amor impossíveis. O meu pai era um triste, um sem "esperança" (no bom sentido), um infeliz, um inquieto. Encontrei no outro dia no seu caderno uma frase que escreveu, sabe-se lá em que circunstâncias. Dizia: "Por isso não vou calar a boca, vou falar da angústia do meu espírito, vou lamentar-me da amargura do meu coração". O meu pai era uma pessoa grande, porque gritava. Porque não se contentava. Porque o seu desejo de felicidade era maior do que qualquer concerto, droga ou história de amor. Cito uma frase sua: "Deus deve-nos explicações". Esperemos que agora Ele lhas dê! Obrigada a todos». Aplausos e o embaraço de muitos que, indo cumprimentá-la no fim, balbuciavam palavras confusas. Eu, comovida pela forma como Deus a agarrou, olhei-a e quase sem acreditar disse-lhe: «Sabes, Margarida, o que tens que fazer agora? Dizer uma oração pelo teu pai». Ela olhou-me e, de forma decidida disse: «Sim, mas não sei bem como é que se faz». Volta a pegar no microfone: «Desculpem, queria dizer outra coisa. Eu agora vou dizer uma oração pelo meu pai. Quem quiser pode rezar comigo. Avé Maria...»
Sabina, Bolonha