
Carlo Acutis, um santo “normal”
Em 7 de setembro, ocorreu a canonização em Roma – junto com a de Pier Giorgio Frassati – do rapaz morto em 2006 por causa de uma leucemia. Um professor de 3.º ciclo conta o seu “encontro” com ele através dos testemunhos de quem o conheceu na escolaQuem procura conhecer melhor a história de Carlo Acutis (1991-2006), o estudante italiano que morreu de repente no início do liceu, não pode deixar de enfrentar uma série de questões, que aos poucos vão se tornando provocações e, de certa forma, requerem de nós uma reação, de fascínio ou de recusa; porque de facto não é fácil olhar para essa existência sem cair em preconceitos, por exemplo quanto à ideia mesma de santidade que a Igreja Católica sempre apresenta como via possível para aderir plenamente a uma fé recebida; ou quanto à sua pouca idade, que a muitos parece uma barreira intransponível para identificar nesta história algo de significativo.
Como é possível – perguntavam-me – que alguém com catorze ou quinze anos tenha feito algo de relevante? O que fez ele que não possa ser explicado por paixões momentâneas de um jovem? E, afinal, será que hoje precisamos mesmo de figuras assim?
Perante estas perguntas tão recorrentes, o único caminho que conhecia era aprofundar-me mais, partindo do facto de ter vivido no mesmo ambiente escolar que ele – o Instituto Leão XIII, dirigido pelos padres jesuítas –, de ter ouvido muitos relatos sobre ele, de conhecer e estimar os professores que o tiveram como aluno, e de ter sido professor (no ensino básico) dos seus colegas de turma.
Comecei, primeiro por iniciativa própria e depois a pedido da escola, a recolher dados, notícias, acontecimentos, e a compará-los com a narrativa “oficial”, para chegar a uma conclusão que desde já partilho: Carlo Acutis foi realmente um jovem como tantos outros, como todos os que correram pelas ruas do bairro onde vivia, que subiram as escadas de um colégio e percorreram os seus corredores, que frequentaram a paróquia de Santa Maria Segreta… Mas, à medida que traçava este perfil comum, surgiam também elementos fascinantes, que não podia ignorar. Imagino que estar diante de uma vida santa seja precisamente isto: à primeira vista, é difícil captar o dom que representa, mas também é impossível esquecer certos elementos, como uma música que soa de forma totalmente nova.
Neste sentido, é difícil saber por onde começar o relato: pela normalidade ou pela excecionalidade? Penso, por exemplo, na forma como Carlo viveu um dos valores fundamentais da adolescência (e não só): a amizade. Para alguns podia parecer um pouco estranho, mas todos reconheciam a sua extraordinária capacidade de atenção: para com quem tinha dificuldades em integrar-se numa nova turma, para com quem tinha dificuldades nos estudos, para com as raparigas… A sua forma de se relacionar criava laços genuínos, baseados em valores autênticos; era a tradução de um modo de estar com os outros que, instintivamente, se tornava um estar para os outros. Assim, impôs a si mesmo olhar para além da sua condição privilegiada – cresceu numa família abastada que nunca lhe deixou faltar nada. Muito do que tinha, incluindo o tempo, era dedicado a ouvir e cuidar dos mais pobres, daqueles que via nos bancos dos jardins ou às portas das igrejas, dos que não tinham trabalho ou comida: Carlo parava, conversava com eles, pressionava os pais para encontrar soluções para esses problemas de sobrevivência. Assim faziam os santos, dizia ele, assim fez São Francisco, que era o seu modelo desde que começou a visitar Assis com a família. Esta amizade para com todos, próximos e distantes, interpela-nos profundamente.
Depois tentei responder a outra pergunta: que tipo de aluno foi ele, pelo menos no breve período em que frequentou a turma Quarta B do liceu clássico? Para começar, não era o melhor aluno, tinha dificuldades em acompanhar o ritmo dos estudos – por exemplo, em matemática. Mas não era um aluno invisível, muito pelo contrário: os professores descrevem-no como um aluno sempre ativo, sempre a fazer muitas perguntas, tanto sobre as disciplinas como sobre a vida. Perguntas que colocava com insistência, no início ou no fim das aulas, diretamente aos professores, reduzindo a distância natural com o mundo adulto; porque queria compreender temas sensíveis, do aborto à inseminação artificial, queria enriquecer-se.
E não só. Foi capaz de aplicar na escola competências que tinha adquirido por iniciativa própria, como a informática (que poucos dominavam na altura), o cinema (sabia filmar e usar uma câmara), a música (tocava saxofone)… Isto ficou particularmente evidente quando se ofereceu para realizar dois projetos que lhe tomaram muito tempo: a criação de um spot para promover o voluntariado como forma de vida, para um concurso nacional, e a criação de um site também sobre voluntariado, neste caso com um colega mais velho. Quanta paixão e quantas horas dedicadas!
Mas não chegou a ver os resultados desses projetos, pois a vida colocou-o perante a maior prova, totalmente inesperada. No início do segundo ano, em outubro de 2006, teve de ficar em casa. Parecia apenas febre, suspeitava-se de papeira, mas acabou por ser internado de urgência e diagnosticado com leucemia tipo 3, sem esperança de cura. Internado numa ala específica, dizia: «O Senhor deu-me um sinal de alerta!» Passou por momentos muito difíceis enquanto os médicos tentavam tratá-lo. Mesmo assim, entregou-se totalmente, enfrentando a dor até que o seu coração parou a 12 de outubro. Uma vida interrompida? Uma juventude desperdiçada? Sem dúvida, esta é a última provocação que nos deixa. E, nos dias da sua canonização, cabe a nós dar resposta.