
Fidelidade ao carisma e apelo à unidade
«No dia em que deixarmos de ajuizar, quer dizer que teremos perdido a fé». No Il Foglio de 11 de junho, a entrevista a Davide Prosperi, presidente da Fraternidade de CLRoma. No sábado passado, o Papa Leão XIV presidiu à Vigília de Pentecostes do Jubileu dos Movimentos, Associações e Novas Comunidades. No dia anterior, na Sala Clementina, o Pontífice tinha-se encontrado com os moderadores. Davide Prosperi é, desde 2021, o presidente de Comunhão e Libertação (CL), o movimento fundado por don Luigi Giussani, e nós fazemos-lhe imediatamente uma pergunta provocadora: faz ainda sentido, nos nossos dias, um movimento eclesial? Numa entrevista a Tempi em 1997, Giussani dizia: «Há quarenta anos nascemos para defender o valor e a bondade comprovada da tradição cristã como fator de desenvolvimento de um povo. Hoje trata-se antes de defender a possibilidade do futuro». E hoje? Segundo Prosperi, «também hoje a nossa tarefa é a mesma: “Viver intensamente a realidade”, para usar uma feliz expressão de don Giussani, de modo a defender a possibilidade da experiência cristã no futuro. Quando chega a inundação, o agricultor sabe que deve guardar a semente, e hoje é precisamente a semente, ou seja, a raiz da experiência cristã, que está em perigo: Cristo reconhecido como presente aqui e agora. Leão XIV, convidando-nos a “manter sempre o Senhor ao centro”, lançou-nos uma mensagem forte».
CL, tal como outras realidades, deparou-se com problemas internos, sobre os quais o dicastério competente interveio. O Papa Francisco pediu várias vezes a “unidade”, termo sobre o qual também o Papa Leão insistiu desde a sua primeira aparição na Varanda das Bênçãos, e que usou também na semana passada no encontro com vocês, moderadores. Como é que pretende fazer seu o “mandato” da Igreja e “unir” o movimento? Francisco, além disso, pediu também maturidade eclesial e valorização do carisma, tendo também bem presente o risco da autorreferencialidade.
O Papa Francisco confiou-me a tarefa de prosseguir e consolidar o trabalho levado a cabo nestes três anos de “redescoberta fiel” do carisma que o Espírito Santo concedeu à Igreja através do Servo de Deus don Luigi Giussani. Precisamente a propósito disso, numa carta que me enviou em fevereiro, o Papa Francisco falava da necessidade de uma maior “maturidade eclesial”. Estamos a trabalhar sobre isso, dirigindo agora o olhar para aquilo que o novo Pontífice nos está a indicar. Sobre o tema da unidade, diria o seguinte: se, por um lado, esta é sempre um dom de Deus e, portanto, não pode estar limitada ao esforço de um ou mais responsáveis, ao responder ao pedido de cuidar desta unidade surgem inevitavelmente opiniões e interpretações diferentes sobre a forma de viver a experiência de CL. As diferentes sensibilidades podem constituir um contributo precioso para responder às exigências dos tempos, mas uma verdadeira unidade não pode abdicar do reconhecimento dos fatores essenciais do carisma que Giussani nos transmitiu. Por isso, o primeiro passo para a continuidade e o desenvolvimento do movimento é reconhecer esses fatores essenciais. Depois, devemos ter em conta que a unidade entre nós não é um fim em si mesma, mas consiste numa comunhão maior com toda a realidade eclesial. O apelo à unidade, primeiro do Papa Francisco, e agora do Papa Leão, é também um apelo ao seguimento da autoridade, da Igreja e de quem a Igreja indica. Don Giussani foi sempre categórico sobre isto. Para viver verdadeiramente um carisma particular, não se pode prescindir de aderir totalmente à realidade associativa que a Igreja reconheceu como guardiã desse carisma.
Não é raro ouvirmos dizer que um movimento deveria dar testemunho, evitando intervir sobre questões do nosso tempo com “juízos” e deixando à consciência de cada um a tarefa da avaliar “as coisas” deste mundo. Já há um ano, disse que CL não renunciaria a dar juízos sobre a realidade. Continua ainda convencido disso, de correr o “risco” de ajuizar a realidade? Estou a pensar também (mas não só) no lançamento do manifesto da Companhia das Obras sobre os últimos referendos.
Um movimento eclesial de leigos que vivem na sociedade é chamado a dar testemunho de uma humanidade nova, transformada pelo encontro com Cristo. Este testemunho é já um juízo original, na medida em que nasce de uma experiência de fé: não se trata apenas de nos exprimirmos a nós mesmos, aos nossos pensamentos e opiniões, mas de afirmar a nossa pertença a algo maior do que nós mesmos. Para nós, é isso o movimento, e nele está a origem de um olhar novo sobre tudo: a mulher, o marido, os filhos, o trabalho, até ao referendo ou ao rearmamento da União Europeia. E somos chamados a testemunhá-lo diante de todos. Como sempre, Giussani fez a síntese perfeita ao falar de CL: «Uma comunhão visível e propositiva na sociedade». Não devido a um projeto de poder, mas para dar a conhecer a conveniência humana do cristianismo. Sempre me impressionou que ele, nos seus discursos públicos, utilizasse o “nós” e não o “eu” como sujeito das suas respostas: evidentemente, não como plural majestático, mas como identificação de si com a companhia que viu nascer à sua volta e sinal da presença de Cristo. No dia em que deixarmos de ajuizar, quer dizer que teremos perdido a fé.
Presidente, durante décadas CL teve fortes raízes nas universidades graças ao empenho de muitos jovens. Este ímpeto propulsor do passado parece ter enfraquecido. Porque o mundo mudou (e o contexto social), ou porque a proposta do movimento tem dificuldade em captar situações e desejos desta geração?
Penso que isso se deveu, em parte, ao facto de as associações de estudantes históricas da universidade terem perdido a sua vitalidade. Durante anos, a nossa presença cresceu sobretudo em contraste com outras realidades ideologicamente opostas. O seu quase desaparecimento levou ao enfraquecimento da nossa proposta. No entanto, nos últimos anos, isso permitiu-nos descobrir o valor de uma proposta que já não é de oposição, mas positiva em termos de experiência e, portanto, da capacidade de envolvimento de novas pessoas e de credibilidade de juízo. Estou a pensar, por exemplo, em alguns encontros sobre a paz realizados em várias universidades, ou no Mud (Distrito Universitário de Milão), dois dias de eventos e exposições organizados em frente ao Politécnico: iniciativas animadas por estudantes universitários de CL, cujo número, apesar do declínio demográfico geral, começou a aumentar novamente. Isto mostra que a proposta de Giussani continua a ser muito atrativa também para os jovens. Mas há um aspeto fundamental: só pode tornar-se uma verdadeira experiência para eles se encontrarem alguém que a viva sem preconceitos e a partilhe. O erro é diluir a proposta na convicção de que, se for demasiado radical, os jovens de hoje fugirão. É exatamente o contrário. Também aqui, Giussani foi um revolucionário: «Nós sufocamos os jovens se pretendermos deles um entusiasmo por coisas limitadas».
A propósito de radicalidade, Giussani escrevia a João Paulo II em 2004: «Considero que a genialidade do movimento que vi nascer é ter sentido a urgência de proclamar a necessidade de um retorno aos aspetos elementares do cristianismo, ou, por outras palavras, a paixão pelo facto cristão enquanto tal nos seus elementos originais, e basta». Vários bispos europeus estão a começar a verificar sinais (ainda frágeis) de um renascimento da fé. Na sua maioria, jovens em busca de um sentido para a sua existência. É a redescoberta do “facto cristão” num mundo que acreditávamos ser definitivamente pós cristão? É aqui que pode residir a atualidade de um movimento como CL?
«Muitos observadores comprovam que estamos num tempo não apenas pós cristão, mas pós secular. Neste contexto, a proposta de CL continuará a ser atual se conservar o seu caráter “totalizante”, o mesmo que no passado atraiu sobre nós acusações de integrismo. Na sua resposta a João Paulo II, Giussani evidenciava que se Cristo tem a ver com tudo, então incide também na forma de viver cada circunstância, pelo menos como tensão ideal. Claro, uma vida determinada por esta tensão seria insustentável com um esforço humano solitário. É um caminho que só é possível enquanto experiência comunitária. Exatamente como acontece aos apóstolos que, de resto, se encontravam a viver a fé num mundo, em muitos aspetos, semelhante ao de hoje.
Disse Leão XIV: «A vida cristão não é vivida isoladamente, come se fosse uma aventura intelectual o sentimental, confinada na nossa mente e no nosso coração. Vive-se com outros, em grupo, em comunidade, porque Cristo ressuscitado se faz presente entre os discípulos reunidos em seu nome». Com efeito, esteve um pouco na moda, durante alguns anos, um cristianismo “intelectualóide”, individualista. Detetou esta inclinação também no seu movimento?
As palavras do Santo Padre descrevem o conteúdo essencial do nosso carisma, como emerge do próprio nome do nosso movimento (da comunhão, a libertação, e não vice-versa) e como don Giussani explicou em várias ocasiões. Mas temos de reconhecer que também nós não estamos isentos dos riscos que todos correm, e a deriva intelectual de que fala existe. A tentação é reduzir a vida cristã à relação íntima com um Cristo desencarnado. É uma abordagem baseada na centralidade de um eu concebido de forma individualista. Giussani, pelo contrário, parte da evidência da dependência do eu em relação ao divino. E este divino escolheu intervir na história, primeiro na encarnação de Cristo e depois na Igreja. A grandeza de Giussani foi reagir de modo absolutamente original e convincente a este deslizamento para o subjetivismo. Por isso a valorização integral do carisma herdado dele é tão preciosa, para nós e para a Igreja sobretudo, mas eu diria para o mundo.
A entrevista foi publicada no Il Foglio de 11 de junho de 2025