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O desejo infinito que não se consegue ver

Uma sociedade mergulhada no sono, amedrontada e paralisada: é o que as estatísticas revelam. Mas a realidade não é bem assim, como testemunha Silvio Cattarina, que há mais de trinta anos acompanha os jovens a tornarem-se adultos
Maria Acqua Simi

Sonâmbulos afetados por “hipertrofia emocional". Um povo inerte e embasbacado, aturdido. Energias vitais, zero. Medos, mil. O Censis (Centro de Estudos de Investimentos Sociais, um instituto de pesquisa social italiano, NdT.), no último relatório apresentado em dezembro passado, descreve assim os italianos. Não parece haver espaço – nesta descrição – para as famílias que ainda apostam nos filhos (em 2040, diz o instituto de pesquisa, apenas um casal em quatro o fará), para os jovens que estudam com paixão na universidade, para quem se dedica à pesquisa ou a startups inovadoras, para quem se empenha no cuidado dos mais frágeis ou na área educativa.
Diante de uma realidade complicada e cheia de problemas, o homem de hoje prefere um sono profundo. Não há espaço para um olhar diferente? Foi o que perguntámos a Silvio Cattarina, psicólogo e sociólogo italiano que há mais de trinta anos lidera a cooperativa social O Imprevisto e as comunidades terapêuticas para jovens em dificuldades a ela ligadas.

Para o Censis, somos todos uns zombies, vivemos como avestruzes com a cabeça enterrada na areia, não desejamos nada, somos apáticos. O que vês na tua experiência e com os teus jovens? É assim?
Não, de todo. Pelo contrário! O desejo é cada vez mais explosivo, especialmente entre os jovens. Só que é muito camuflado, encoberto, temido. O desejo causa medo. Falo dos jovens, mas é assim também para os adultos. Então vagueiam no escuro, atiram-se para mil distrações para não pensar (como a droga), porque a perceção é a de viverem cada vez mais dentro de um mundo mau. Os jovens explodem de vida, mas são martelados pela sociedade, que lhes diz que o mundo é mau, que o mal é avassalador. Mas não! O bem é maior do que qualquer grande mal, mas eles não são ajudados a vê-lo. Pensam – já que é um mundo perturbado – que não são amados, esperados e desejados por algo verdadeiramente grande. Este é o ponto. Somos sonâmbulos porque já ninguém nos diz que existe Alguém verdadeiramente grande que sempre esperou e amou a vinda da minha pessoa, mesmo quando tudo corria mal. Já não existe esta coragem dos adultos, da escola, de gritar bem alto que existe este amor. No entanto, eu posso dizer por experiência própria que cada pessoa vem ao mundo por força de uma grande promessa. Mas se tu não encontras alguém que te ajuda a perceber isso, a dar um nome a essa promessa que te chama a uma aventura juntos, e a verificar isso, tu ficas perdido e disperso. Não somos sonâmbulos, mas estamos perdidos e dispersos diante da vida.


De onde nasce esse medo diante da realidade? O que paralisa?
Não é verdade o que muitas vezes se ouve dizer: “Os jovens têm medo da fragilidade”. Não é verdade, até porque o jovem, desde que o mundo é mundo, é o omnipotente por excelência. Antes, ele receia todo o bem e todo o amor que tem dentro de si. Por isso digo que o desejo é cada vez maior e mais explosivo. Os jovens que encontro, e são muitos, acham que não são dignos de ser amados, apesar de desejarem muito isso. O bem causa medo, mas ainda assim existe. E eu dou-lhes o nome de Deus, um pai que nos quis desde o nosso primeiro vagido. Impressiona-me, por exemplo, quando os jovens acolhidos na comunidade repetem que só são queridos ali. Eu respondo-lhes que são amados desde sempre, desde o início de suas vidas. «A mim não me bastava ser amado apenas aqui, se fosse vocês», digo-lhes. A Benedetta – uma das nossas raparigas d’O Imprevisto – um dia sai-se com esta: «Que idiota que eu fui até agora, sempre pensei e disse que era uma rapariga vazia, que dentro de mim vivia um grande vazio. Mas eu sempre estive cheia de mil e uma coisas, desejos, projetos, sonhos... O vazio existe, mas não está em mim, está fora de mim». Vejam este olhar!

O que pode vencer esse vazio, como é que se faz para redescobrir uma audácia da vida?
Desculpa-me por voltar sempre aqui, a falar dos jovens que passam pela comunidade, mas afinal é a história da minha vida. Para responder, só posso partir deles. Nunca me detenho em dissecar os erros, os equívocos, o passado turbulento. Em vez disso, desafio-os sobre três coisas. A primeira é o valor da pessoa. Acontece-me frequentemente parar um rapaz ou uma rapariga que anda por ali pela comunidade e perguntar-lhe assim, um tanto à queima-roupa: “Qual é para ti a coisa mais bonita, maior e mais admirável do mundo?”. Nunca ninguém diz “eu”. No entanto, cada um deveria responder assim! Então partimos daí, de redescobrir este “eu”. Como? Aprendendo juntos que a realidade não é para deitar fora. Eles acham que a realidade é inútil, dizem que a vida é uma droga. E eu fico irritado, porque é verdade que na realidade há também o mal, mas o bem é maior. A realidade está cheia de oportunidades, de apoios, de chamamentos. Na realidade há um chamamento. Aliás, como diziam os padres quando eu era pequeno: na realidade, há um rosto.

Então, desafia-os sobre o valor da pessoa e o sentido da realidade. E qual é o terceiro ponto a que te referias?
É descobrir o motivo pelo qual estão no mundo. Vamos descobri-lo juntos! Há um grande propósito pelo qual estamos no mundo, não pode ser que não exista. Às vezes eles temem descobri-lo. Mas eu vi-o e, passados tantos anos, ninguém pode arrancar de mim esta certeza: no fundo do coração de cada um destes jovens está Deus, existe Deus, vive Deus. E eles, ainda que estejam assustados, veem Deus no fundo do coração muito melhor do que tu e eu. Sobre estas três coisas, é importante fazer um trabalho de compreensão, de juízo, de análise. Nos jovens não falta o desejo, a vontade de viver, falta o pensamento, a capacidade de refletir, de aprofundar. É por isso que todo o santo dia, inclusive sábado e domingo, Natal e Páscoa, todo o verão, fazemos um encontro de manhã e outro à tarde, para saber. Sim, saber para perceber, perceber para amar, amar para perdoar, perdoar para abraçar.

Estás muito seguro daquilo que dizes. Nunca tens dúvidas?

Parto simplesmente do que vi até agora. Tenho quase setenta anos e posso dizer que, sim, o Censis pode fotografar e analisar o quanto quiser as misérias e o cinzento da existência, mas a vida nunca será derrotada. Se vocês pudessem olhar nos olhos de quem passou pel’O Imprevisto, veriam os rostos de quem se empenhou em mudar, começou a gostar de si próprio, a redescobrir um gosto pela vida. Se vocês pudessem ver os olhos deles, não teriam dúvidas: Deus nunca se trai a si mesmo. Então, o que aparece é uma grande esperança. O que sustenta é uma grande esperança, mesmo quando as guerras ou as pandemias aparecem. Diante de nós há uma grande luz. Vou contar uma coisa que aprendi há pouco tempo. Uma das frases mais recorrentes entre quem passa pela comunidade é: “mudei quando toquei no fundo”. Eu sempre pensei que o fundo, portanto, fosse uma coisa má e escura. Mas agora, precisamente agora, apercebi-me de que o fundo é luminosíssimo e foi por isso que eles saíram de lá. No fundo, aparece alguém (a frase da mãe, do pai, do padre, de um amigo) que te chama pelo nome. O fundo é uma abertura. Isso é extraordinário e eu nunca o tinha percebido.

Dizes isso porque um jovem escolhe entrar na comunidade quando chegou ao ponto mais baixo da existência?
Muitos jornalistas, ao longo dos anos, me perguntaram como se dá o acesso à comunidade. Sempre respondi que uma pessoa entrava por causa dos seus problemas: a droga, a automutilação, a incapacidade dos pais em lidar com ela, a depressão, o jogo e assim por diante. Só há três anos, quando ouvia mais uma vez esta pergunta, dei por mim a responder de chofre: “Por amor!”. Gritei isso. A pessoa entra aqui por amor. Entra por causa da mãe, do pai, de uma assistente social, de um psicólogo que lhe quis bem. Uma pessoa não dá um passo por causa do mal, mas do amor. Vê, esta obra chama-se O Imprevisto, como dizia um belíssimo poema de Eugenio Montale que muitos aprenderam a amar graças a don Giussani (muitos dos meus jovens acham que o poema é do Gius!). Temos duas comunidades (masculina e feminina) e depois uma experiência de pós-comunidade, uma marcenaria que se chama “Mais além”, também de Montale… Talvez seja esse desejo infinito, esse “mais além”, que o Censis não consegue ver.