Do reconhecimento de um bem, uma unidade de juízo: é necessária uma educação do povo
Artigo do presidente da fraternidade de CL depois do resultado das eleições em Itália do dia 25 de setembroO resultado que apareceu nas eleições políticas evidencia diversos aspetos sobre os quais vale a pena refletir. O primeiro dado é a confiança que uma clara maioria de eleitores quis dar a uma determinada proposta política, confiança sobre a qual se poderá fundar a estabilidade do governo que está para nascer, na esperança de que os interesses particulares não prevaleçam sobre a urgência das respostas que o país aguarda. Giorgia Meloni, no dia seguinte à vitória eleitoral da coligação de centro-direita, disse que «é o tempo da responsabilidade». É uma declaração política, que, no entanto, dado o momento delicadíssimo que o país está a atravessar, não podemos deixar de partilhar e de sentir como um apelo dirigido a todos: ao governo, à maioria teoricamente sólida que o sustentará, a uma oposição que desejamos que seja construtiva, às instituições e, sobretudo, à sociedade civil. Esperamos, com efeito, que o novo governo esteja aberto a considerar e a valorizar as suas propostas, conservando a sua fé no programa eleitoral premiado pelo voto.
Qual é a responsabilidade específica que o Movimento sente como sua nesta nova etapa da política italiana? Como foi sublinhado no documento A caminho do bem comum, discutido em numerosos encontros públicos em toda a Itália antes das eleições, CL levou logo a sério o apelo da Igreja a todos os católicos para se implicarem de forma concreta na construção do bem comum. O tema da presença dos católicos na política foi, além disso, muito debatido nos meios de comunicação social, sinal de que a pergunta sobre o contributo que podemos dar está viva, e sugere novas responsabilidades que é necessário assumir. O presidente da CEI, Zuppi, renovou recentemente o convite «a “sermos
protagonistas do futuro”, na consciência de que é necessário reconstruir um tecido de relações humanas, sem o qual também a política não pode passar» («Aos eleitos, pedimos alta responsabilidade», Avvenire, 27 de setembro de 2022).
O primeiro passo nesta direção é estarmos presentes com um juízo. Diz don Giussani numa conversa com os monges da Cascinazza, em 1982: «Por que é necessário um juízo? É necessário um juízo porque o juízo marca o caminho, conduz. Mas então, há algo que vem antes do juízo, e é o amor e a vontade de caminhar. Não é uma coisa banal, porque, na medida em que não amássemos em primeiro lugar o caminho, então o juízo tornava-se ou uma coisa para a qual uma pessoa se “está nas tintas”, ou uma expressão do amor próprio, uma busca do amor próprio. […] Como sem juízo, sem um juízo, não há decisão e construção, o demónio tem interesse em enfraquecer o juízo. O juízo é aquilo que julga (condena) o diabo, é aquilo que expulsa o diabo: expulsa o diabo porque faz construir. Um juízo sobre ti combate o diabo que está em ti, porque te pede para mudares» (L. Giussani, «Sobre o juízo comunional», Tracce, n. 6/2001, pp. 102, 105).
E não só: numa comunidade cristã como a nossa, o juízo é necessariamente juízo comum. Prossegue don Giussani: «“Juízo comum” significa “juízo comunional”; e isto, então, o que é que indica? Indica um juízo que surge da comunhão vivida entre nós; o juízo comunional exprime uma vida de comunhão vivida. O que quer dizer uma vida de comunhão vivida? Uma vida em conjunto para viver a memória de Cristo. Porque é na fraternidade, é na companhia fraterna que a presença de Cristo é mais pedagógica, se comunica duma forma pedagogicamente maior, e é assimilada de forma mais viva e segura» (L. Giussani, «Sobre o juízo comunional», op. cit., p. 103). Parece evidente que a pertença à comunidade cristã é o fator fundamental para o juízo: é no lugar onde Cristo está presente que cada um de nós faz experiência daquilo que verdadeiramente salva o humano e é ajudado a ver mais claramente tudo o resto, política incluída, indo além do seu ponto de vista pessoal. Como diz o starets do Anticristo de Soloviev, «aquilo que temos de mais caro no cristianismo é o próprio Cristo. Ele e tudo o que vem d’Ele» (cfr. V. Soloviev, I tre dialoghi e Il racconto dell’Anticristo, Marietti, Génova-Milão 1975, p. 190).
Uma tal dinâmica de juízo liberta-nos da lógica do choque entre opiniões e ajuda-nos a identificar a verdadeira natureza da unidade entre nós, enquanto chamados por Cristo, no seguimento da Igreja, a um testemunho no mundo. A nossa unidade, como católicos, não é definida pelo ponto de chegada – ou seja, pelo facto de necessariamente concordarmos em quem votar, ou em identificarmos o resultado eleitoral mais satisfatório –, mas do ponto de partida: ou seja, interessa-nos que quem quer que governe e quem quer que se encontre na maioria ou na oposição possa sempre confrontar-se com as prioridades que sentimos serem decisivas para o bem comum. E o bem comum, seguindo a Doutrina Social da Igreja, coincide para nós com um ideal de sociedade que tem o seu ponto inicial no reconhecimento de um bem possível para cada pessoa no aspeto concreto da sua vida e, logo, para toda a humanidade, certos de uma Presença que torna possível olhar o outro pelo seu destino. Daqui se percebe por que é que o nosso interesse pela política nasce duma paixão pelo homem e por que é que a circunstância das eleições se pôde tornar, para quem se empenhou, uma ocasião de encontro.
Considerando tudo isto no contexto contingente, são dois os fatores que eu desejo que definam a partir de agora a nossa iniciativa. O primeiro é voltarmos a compreender que a preocupação que está na origem de qualquer ação nossa na realidade é exclusivamente uma preocupação educativa. Pode parecer pouco, mas é tudo. Depois do atentado de Nassíria, no Iraque, em 2003, don Giussani comentou: «Se houvesse uma educação do povo, todos estariam melhor» (A. Savorana, Luigi Giussani. A sua vida, Tenacitas, Coimbra 2017, p. 1161). Hoje quero sublinhar a mesma coisa. Precisamos duma educação para a liberdade, condição irrenunciável para uma real edificação da pessoa e da sociedade. É por isso que, antes de qualquer outra questão que, num primeiro olhar, talvez possa parecer mais urgente para o país, são-nos caros a defesa da vida, o apoio às famílias, uma verdadeira paridade escolar, o trabalho como âmbito de crescimento humano e não apenas profissional: estamos convencidos de que a educação para o bem comum assim entendido é o que verdadeiramente pode determinar uma sociedade mais humana, construir uma Itália e um mundo mais livres, realizar uma verdadeira paz.
Este é o ponto sobre o qual nos reconhecemos num juízo comum. E nisto interessa-nos uma presença que tenha na unidade entre nós o seu primeiro caráter de testemunho e que esteja disposta a arriscar o seu juízo onde quer que seja: nas relações e nos lugares da vida quotidiana; colaborando para encontrar soluções concretas através das diversas expressões da nossa presença social e civil (e é por isso que tendemos a defendê-las da ingerência excessiva do Estado); apoiando, numa relação de amizade, aqueles que têm responsabilidades políticas e institucionais e que demonstram defender o mesmo ideal que nós, tal como procurando sempre um diálogo leal e construtivo com quem pensa de maneira diferente ou até se opõe a este ideal.
Por outro lado, algumas reações críticas ao resultado do voto italiano por parte dos políticos, das elites intelectuais e dos organismos internacionais revelaram que a questão educativa e antropológica continua a ser a mais inflamada. Tem-se, de facto, a impressão de que a ameaça mais grave a uma certa imagem de estado de direito que se pretende dominante no Ocidente não tenha tanto a ver com os aspetos económicos ou militares, mas antes com uma certa conceção da vida humana e da pessoa.
Por todas as razões referidas, o segundo fator importante, num momento histórico tão dramático como o atual, realiza-se num compromisso sem reservas pela paz. A ameaça que nos chega dum confronto que já assumiu proporções fora de controle, como continua a repetir, sem que o oiçam, o Papa Francisco, torna urgente, a qualquer nível, uma ação de apoio total ao juízo sobre a guerra em curso expresso pelo Santo Padre, focado na absoluta necessidade de encetar um diálogo entre as partes para não ceder à perigosa espiral alimentada por «imperialismos em conflito» (Francisco, «Liberare i cuori dall’odio», La Civiltà Cattolica, Quaderno 4135/1 outubro de 2022, pp. 3-9). Convido-vos, portanto, a continuar a promover iniciativas de oração e a sensibilizar a opinião pública, começando pelas pessoas que vos são próximas, sobre a importância de uma ação e de uma estratégia comum na direção indicada pela Igreja, para que acabe o mais depressa possível aquela que parece já ser uma louca e irrefreável corrida da humanidade para o abismo.
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