Ajuda ao estudo em Milão (©Portofranco)

Portofranco: O que é que os faz levantar a cabeça?

Todas as tardes, ajudam alunos, dos 10 aos 18 anos, a estudar. De graça e para aprender enquanto ensinam. Os testemunhos e as histórias de voluntários de toda a Itália, no encontro nacional da associação.
Paola Ronconi

Em Milão, na avenida onde, aos sábados, há o mercado de Papiniamo, o mais frequentado da cidade, destaca-se se um cartaz, na parede de um edifício municipal devoluto. Por baixo do desenho de um farol, está escrito Portofranco. A palavra indica uma zona (não apenas portuária) que “goza de liberdade aduaneira”, as mercadorias entram sem taxas e impostos. Como os jovens que vêm pedir uma ajuda no estudo e a recebem, de graça, de voluntários, professores e outros. Mal se entra, percebe-se que aquele cartaz quer dizer muito mais do que isso.

Como não podia deixar de ser, a pandemia fez disparar as dificuldades, as necessidades e as fragilidades de uma geração à qual, como escreveu recentemente Umberto Galimberti, «tirámos a solidez da tradição e partimos as tábuas onde estavam gravadas as leis da moral, perdendo-se o sentido da existência e tornando-se incerta a direção a tomar». Os sintomas de perturbação psicológica juvenil aumentaram exponencialmente. Trata-se de jovens que, de acordo com os dados e relatórios, estão em sofrimento, fecham-se e fogem, da escola e da vida, com medo. O rapper italiano Marracash retrata-o bem numa das suas canções: «Talvez não haja caixa para guardar a tua dor / Talvez não haja fuga para levar à evasão… Que paradoxo este? Que para ser eu próprio / Seja obrigado a ir onde não me reconhecem». O que é que nos contam, então, os que se dedicam todas as tardes aos estudantes dos 10 aos 18 anos? O nosso observatório são os testemunhos e as histórias de toda a Itália, na assembleia nacional de 22 de janeiro, com o Davide Prosperi, presidente da Fraternidade do CL.

Na associação de Desio, Fronte del Porto, já se percebem as conjunções – as coordenativas e as subordinativas. O Francesco ensina História e Filosofia. O seu forte não é a sintaxe, mas estuda-a com o Bruno (os nomes dos estudantes são todos fictícios), que, para se livrar do problema, decorou tudo. «Eu disse-lhe: “És inteligente, consegues perceber. Tentamos juntos”». E, pouco a pouco, as malfadadas conjunções vão revelando o seu mistério. À noite, a mãe do Bruno escreve a Francesco: «O meu filho chegou a casa todo contente!». Por ter, finalmente, percebido aquela parte da gramática, tão difícil, mas não só. «O que estava em jogo era muito mais», diz o Francesco. «Era o seu valor, descobrir que tem valor». O Bruno ficou contente porque «houve alguém que o levou a sério», sublinha o Prosperi. «Um estudante chega ali para ver se percebe as conjunções, mas, no fundo, no fundo, muitas vezes, perdeu a confiança em si próprio e, mesmo sem o saber, tem esperança de que o encontro com uma pessoa grande, com um adulto, o ajude a recuperá-la.» E, nessa descoberta, até a sintaxe se torna clara. O Gianni, que, antes de se reformar, ensinava Filosofia, um dia, em Milão, viu-se diante da Bahira, que é egípcia e precisava de estudar química. Tinha que aprender os compostos iónicos. «Podia ter-lhe dito que não era a minha disciplina, mas, em vez disso, saiu-me: “Pega no manual e estudamos os dois”. A necessidade que estes miúdos exprimem desmancha as minhas regras e dou comigo disponível para fazer uma coisa diferente da que tinha planeado.» Nestes dois anos, os estudantes que chegam ao Portofranco, quando o covid o permite, não vêm, sequer, com a necessidade de aprender equações. «O que descobrimos é a sua exigência de estar ligados a nós, seja de que maneira for.»

A Paola é de Monza: «Mesmo nos períodos de confinamento, os miúdos nunca deixaram de pedir ajuda, de convidar, online, colegas ou irmãos e de pedir a um professor concreto, com quem tivessem mais sintonia, para rever a matéria em cima da hora, porque “marcaram-me um teste para amanhã”». Pedem e voltam a pedir, com toda a liberdade, o que, na escola, muitas vezes, é mais difícil. E porque é que é mais fácil no Portofranco? «Aqui há qualquer coisa que vai para além das explicações. E eu pergunto-me: porque é que estes miúdos não têm medo das suas necessidades? Quando e como é que isso acontece?». «Vocês vêm cá para aprender enquanto ensinam. Que paradoxo!», destaca Prosperi. «Dizes que desejas para ti esta lealdade, pois bem, tens a possibilidade de aprendê-la, estando diante da necessidade de cada um, não para orientá-la (que é a grande tentação com os filhos e com os alunos), ou seja, para levá-la ao ponto em que tu estás. Pelo contrário, estar com o outro na sua necessidade quer dizer entrar no ponto em que ele está. O ganho está em descobrir a frescura e a simplicidade de um coração jovem».

«O Luca está no 9.º ano. Veio ter connosco em julho passado, com três disciplinas para recuperar», conta a Gabriella, de Rimini, onde o Portofranco esteve aberto todo o verão, a pedido dos estudantes. «O tempo em que esteve com aulas à distância foi devastador para ele. Connosco, está de cabeça baixa, responde com acenos, lá se percebe uma palavra ou outra. Em setembro, fica a saber que chumbou. Os pais, furiosos com a escola, ameaçam com denúncias. Diante desta agitação, propomo-nos compreender, juntos, “o que é que tem” este seu filho. Aceitam. Começa um trabalho e, graças à amizade com três dos Liceus (estudantes do CL), o Luca hoje está a ir melhor na escola e vem todas as tardes ao Portofranco. Acima de tudo, resolveu levantar a cabeça e olhar as pessoas nos olhos. Como outro aluno da Gabriella: «Uma situação familiar muito pesada. Convido-o a vir ao Portofranco. Ele aceita, mas nem pensar em voltar à escola». Uma tarde, conta-lhe o que está a viver em casa, mas ela insiste com ele para ir à escola: «Experimentamos juntos». No dia seguinte, aparece na aula. «Não sei se vai continuar a vir, mas a minha comoção, por ele e pelos outros que tenho diante de mim cada manhã, diz-me que basta estar disponível e acontece alguma coisa boa, a eles e a mim».

Assim foi com a Patrizia, de Reggio Emilia, e a Maria, uma estudante que não vai à escola há um mês. Um dia, enquanto se cumprimentam, a miúda diz: «Estou quase, quase, a experimentar. Amanhã, vou».
O que é que os faz levantar a cabeça e abrir a porta da casa e do coração? O que é que os resgata da vergonha e da falta de auto-estima? Não basta um lugar que se mantenha aberto na pandemia, explicações gratuitas e não ser avaliado por notas. «Pedem-nos uma companhia para a vida. É só manter aberto este pedido», sugere Patrizia. «O seu desejo de bem, seja como for que se exprima, cresce e somos chamados a enfrentá-lo», diz, ainda, o Gianni. Queríamos estancar essa necessidade ou, talvez, canalizá-la para portos mais conhecidos e seguros, «mas não pára de nos bater à porta. Às vezes, não sabemos responder, mas estamos ali. E isso é decisivo». «Para nós, adultos, é a mesma coisa» acentua o Prosperi. «Só que nós, se calhar, pensamos que conseguimos passar ao lado». E deixamos cair no esquecimento.
«Não tem nada a ver com uma questão de capacidade», como escreve o Julián Carrón em “Educação, comunicação de si próprio”: «A única resposta autêntica aos seus pedidos é que eles, de facto, vejam em ti uma pessoa em que o medo é vencido. O problema é a tua experiência. Só quem foi salvo pode comunicar a salvação». E, para quem fez nascer e leva por diante Portofranco, o que derrota o medo é o encontro com Cristo.
Há dez anos que o Giovanni recebe os pais que inscrevem os filhos no Portofranco. Conta a história de uma mãe indiana: «“A minha filha”, diz-me a senhora,” desde que lhe morreu uma tia a quem era muito chegada, tem medo e quase não vai à escola”. Dois olhos encovados, duas cavernas de dor. Falo-lhe de tantos estudantes que aqui vêm com dificuldades parecidas com as que está a viver a sua filha, digo-lhe que a podemos ajudar. O seu rosto não se pacifica, há uma dor antiga naqueles olhos, mas aquela dor é acolhida. Agradece-me, despedimo-nos». O Giovanni fala do caso com outros amigos, reza por ela e depois «pode ser que nunca mais a veja. No Portofranco há, quase diariamente, encontros que me marcam, que dilatam o meu coração. Fazem-me mais sensível, mais atento. Curam a minha falta de cuidado. Estas mães impedem-me de reduzir a nada o que acontece, porque naquele momento, na dor, sou obrigado a não fechar os olhos e a não desperdiçar as graças que caem do céu. Portofranco é a surpresa do inesperado».
Em Sondrio, há a associação A Aldeia, onde crianças e jovens podem sentir-se escutados e olhados. Numa palavra, amados, a partir dos trabalhos de casa. Como aquele rapazinho abandonado pela mãe. O pai faz trabalho de segurança e o miúdo anda de uma família para outra. «Um dia, diz-te: “Que bom, aqui tenho um sítio onde posso voltar para casa”».