Ludwig van Beethoven

Beethoven e a morada do eu

Há 250 anos nascia o grande compositor, um dos autores mais queridos por don Giussani. Publicamos o comentário ao Concerto para violino e orquestra op. 61, do livro Spirto Gentil: «É o emblema da espera de Deus que o homem tem»
Luigi Giussani

Concretamente, a questão última da existência humana pode ser resumida assim: o homem nasce de, recebe tudo de. É impressionante o facto de que nada do que é próprio do nosso eu seja nosso. No entanto, a mais grave tentação do homem é a de conceber-se autónomo. E é tão grave esta tentação que coincide com a substância do pecado original.
O Concerto para violino e orquestra de Beethoven, que oiço há quase cinquenta anos, desde as primeiras vezes em que comecei a ensinar Religião no Liceu Berchet de Milão, tornou-se para mim o símbolo daquela tentação suprema, obstinada e contínua do homem de se fazer dono de si, senhor de si, medida de si, contra a evidência das coisas. Desde que o Diabo disse à mulher: «Não é verdade que se comeres do fruto morrerás; pelo contrário, se o comeres, ficarás livre, adulta, serás como Deus, conhecerás o bem e o mal»; desde então, multiplicaram-se os esforços do homem para se tornar autónomo como cultura e como dinâmica de amor.
Mas voltemos ao Beethoven de há quase cinquenta anos. Nessa altura, era possível ver, pelas ruas de Milão, um padre que circulava por ali com um enorme gramofone. E se alguém lhe tivesse perguntado: «Onde vai?», ele teria respondido: «Vou à escola». «E leva o gramofone para a escola?!» «Pois, a escola não me empresta o dela, e então levo o meu.»

Uma das primeiras coisas que eu dava a ouvir na escola era precisamente o Concerto para violino e orquestra, com aquele tema fundamental que percorre a peça toda: a vida do homem, da sociedade, é marcada pela melodia da orquestra, da qual por três vezes o violino foge para se afirmar a si mesmo e pela qual por três vezes é recuperado até descansar em paz, quase como se dissesse: «Finalmente!». O violino – o indivíduo –, para se afirmar a si mesmo, tem sempre a tentação de se isolar num impulso fugaz, e é precisamente nessa tentativa que o instrumento dá o melhor de si mesmo. Por isso, os temas mais fascinantes do concerto são os do violino, do indivíduo que tenta afirmar-se acima de todos. Mas o violino não consegue resistir muito tempo neste impulso; e ainda bem que há a orquestra – a realidade comunitária – que o recupera em si.

Vou sempre lembrar-me do arrepio que percorreu a sala quando lhes dei a ouvir pela primeira vez na escola esta peça de Beethoven: o violino expressava uma ânsia tão ardente que realmente nos fazia dobrar sobre nós mesmos. Essa ânsia era tão sensível na sua força que uma rapariga, sentada no segundo banco perto da janela que dava para o pátio, rompeu em soluços. A turma não se riu. Eu, então, disse apenas que o lugar da paz é aquele onde todos os ímpetos irracionais, ou pelo menos incompletos, da instintividade são recompostos: na comunidade. De facto, o que é que permite ao violino realizar os três impulsos já citados, solitários e geniais, os três momentos mais pacificadores do concerto? O apoio da comunidade, da orquestra, à qual ele pode retornar a todo momento, que o recupera, o acompanha e o retoma de cada vez que ele escapa.

O violino é o homem que tem mais esperança nas suas forças momentâneas, sempre concebidas como isoladas, do que na tentativa comum ditada por uma origem e por um destino partilhados. Como quer que ela seja concebida, a autonomia do indivíduo não é justa, precisamente porque enquanto tal não tem verdadeira origem nem destino, e portanto não pode criar história; pode suscitar um momento de emoção no tempo, mas, logo após ter agitado a superfície da água, não pode fazer nada, não consegue ter um fim.

A ânsia ardente que o tema fundamental do Concerto para violino e orquestra suscita – a mesma que provocou o pranto súbito da rapariguinha – é o emblema da espera de Deus que o homem tem.