Francisco aos japoneses: «A liberdade é sentir-se filho amado»
A mensagem de esperança às vítimas de Fukushima. O abraço a quem sofre de solidão e alienação. E as palavras ditas ao jovem imigrante filipino, que parecem dirigidas a todos: «O Senhor precisa de ti!» O relato da enviada da Tracce«Só aquilo que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça pode ser transformado». Estas palavras, retomadas pelo Papa assim que chegou ao Japão, podem explicar como Francisco se coloca em cada encontro. «É crucial poder contar com líderes que estejam à altura das circunstâncias», disse durante a visita, e nestes dias viu-se a força de resposta e de esperança que o Papa tem perante os problemas de hoje, perante a humanidade e o seu drama: seja a vida depois da bomba atómica, ou depois do desastre de Fukushima há oito anos, ou a ferida infligida por outra “guerra”, que faz vítimas principalmente entre os jovens. Fala-se de mais de 20 mil suicídios por ano neste país, onde a pessoa é esmagada pela pressão do sistema. Uma sociedade que vive alguns «flagelos», principalmente entre os jovens: a solidão e as muitas formas de alienação, como o fenómeno dos hikikomori, os jovens que vivem em total isolamento do mundo e passam os dias na internet. Assim pode-se perceber o que significa para o rapaz filipino – imigrante e vítima de descriminação e bullying (ijime), ridicularizado a ponto de «querer desaparecer» – ouvir o Papa dizer: «Leonardo, o mundo precisa de ti, o Senhor tem necessidade de ti, nunca te esqueças disto!».
O Papa deu muito espaço ao diálogo com os jovens na Catedral de Tóquio. Ouviu os testemunhos de Leonardo, Miki e Masako, envolveu os novecentos jovens presentes, estimulou-os, entusiasmou-os, fê-los rir, pediu-lhes que se perguntassem: «Para quem vivo? Para quem sou eu?». No primeiro dia, quando no aeroporto havia jovens a esperá-lo e um deles lhe pediu que lhes dissesse alguma coisa, o Papa olhou para ele e disse-lhe: «Caminha, caminha sempre, e talvez caias, mas assim aprenderás a levantar-te e a progredir na vida». Depois comentou que o inconsciente o tinha traído, pois as palavras que lhe saíram eram «uma mensagem contra o perfeccionismo e o desânimo», num país onde há «tanta depressão».
O Papa pediu – em primeiro lugar à Igreja e aos seus pastores, num diálogo à porta fechada com os bispos, mas também aos próprios jovens – que prestem atenção a todo o humano e às suas necessidades, dando espaço ao amor gratuito e combatendo a «pobreza mais terrível», que é a espiritual: «Uma pessoa, uma comunidade ou mesmo uma sociedade inteira podem ser altamente desenvolvidas no seu exterior, mas com uma vida interior pobre e tolhida, com a alma e a vitalidade amortecidas». Com o coração que «deixou de bater», como «zombies».
O título da viagem apostólica foi “Protege toda a vida”: «Ter um olhar contemplativo, pôr-nos diante de toda a vida como um dom gratuito, acima de todas as outras considerações», explicou pensando nos jovens, nos pobres, nos imigrantes, nos idosos, nos presos (no Japão vigora a pena de morte).
Francisco insiste, com decisão, na necessidade das relações, na medida em que é urgente sermos conscientes de que pertencemos uns aos outros, tanto na vida pessoal quanto para responder aos problemas globais: «Ninguém se reconstrói sozinho, ninguém pode começar de novo sozinho», disse no tocante encontro com as vítimas de Fukushima. Foram 18 mil mortos por causa do tríplice desastre de 2011: terramoto, tsunami e explosão da central nuclear. «Deixemos que a nossa primeira palavra seja rezar»: começou assim a sua intervenção, pedindo um momento de recolhimento em silêncio total, depois de ter cumprimentado algumas das vítimas e escutado o canto escrito após a tragédia (As flores florescerão). Nos testemunhos dos sobreviventes do desastre, Toshiko, Tokuun e Matsuki, esteve presente a gratidão pela grande ajuda recebida na emergência, mas também a dor viva, feita de perdas, doenças, famílias divididas, laços sociais quebrados, o grave problema ambiental. Tudo contado com grande dignidade, mesmo pela testemunha mais nova, Matsuki, que tem só 16 anos e fala da sua vida após a evacuação, do desejo de morrer, da doença do pai. Ao fim, entre inclinações reverentes e mãos unidas, comoveu-se abraçado pelo Papa.
No público, muitos enxugam as lágrimas, rapidamente, em silêncio. Toshiko era a diretora da creche católica da cidade de Miyako, atingida pelo desastre, e naquele dia teve muitas perdas. «Recebi mais do que perdi». Tokuun, sacerdote budista, falou em nome dos muitos que pedem mudanças e uma compreensão profunda das decisões a tomar. O Papa lembrou que os bispos japoneses pediram o encerramento das centrais nucleares: «É importante fazer uma pausa, parar e refletir sobre quem somos e quem queremos ser. É-nos pedida a opção por um estilo de vida humilde e austera. Que a compaixão seja o caminho». O seu apelo é de que não se enfrentem os problemas isoladamente: as guerras, a economia, o ambiente, a justiça social. «É um erro grave olhar para eles como se estivessem separados». E é o mesmo destaque que fará no encontro privado com o imperador Nahurito, falando da preocupação de que a próxima guerra global se desencadeie por causa da água.
No estádio Tóquio Dome, 50 mil pessoas esperavam para a missa, detendo-o continuamente no seu trajeto pela multidão, entregando-lhe as crianças para as abençoar Também estava presente Iwao Hakamada, o ex-pugilista que passou 48 anos no corredor da morte antes de ser libertado por ser inocente. «A liberdade é sentirmo-nos filhos amados», disse o Papa na homilia, «mas esta liberdade filial pode ver-se sufocada e enfraquecida», quando a ansiedade pela produtividade se torna o «único critério para medir e avaliar as nossas opções ou definir quem somos e quanto valemos. Como oprime e enreda a alma a ânsia gerada por pensar que tudo pode ser produzido, conquistado e controlado!». E não se cansa de olhar para as situações concretas deste país: «Aqui no Japão não são poucas as pessoas socialmente isoladas, incapazes de entender o significado da vida e da sua própria existência, sobrecarregadas pelas demasiadas exigências e preocupações».
A vida japonesa «corre em trilhos muito rígidos», disse o padre Andrea Lembo, missionário do Pime há dez anos em Tóquio: aqui onde as pessoas são levadas a «realizar a sociedade mais do que a si mesmas», é necessária «a proximidade de uma relação humana, em que as pessoas possam descobrir que há sempre um espaço de liberdade, mesmo neste sistema. É o espaço do coração». O seu amor por este povo, principalmente pelos jovens, torna-o consciente de ser chamado a uma evangelização “scramble”, que mistura continuamente, como os cruzamentos imensos desta cidade. A atravessar a vida, a alcançar os homens onde estão e como são.
Aqui os católicos são menos de 0,5% da população, «uma minoria, mas sente-se a sua presença», segundo as palavras de Francisco, que veio para «confirmá-los na fé e no empenho caritativo», como disse diante do Primeiro Ministro, Shinzo Abe. Porque «a palavra mais forte e mais clara» que a Igreja pode oferecer a esta sociedade é «o testemunho humilde, diário», e uma Igreja mártir «pode falar com mais liberdade».
Está no DNA da fé no Japão a experiência extraordinária de leigos que, por sete gerações, se batizaram e viveram «como Igrejas domésticas, tornando-se espelho, talvez sem sabê-lo, da família de Nazaré» A sua existência só foi descoberta em 1865, quando os primeiros missionários voltaram ao país depois de dois séculos em que o cristianismo tinha sido banido. Assim que souberam que alguns padres em comunhão com Roma tinham voltado, vieram de Urakami e aproximaram-se do padre francês Petitjean com uma frase que pode ser repetida hoje, identicamente: «O nosso coração é igual ao vosso».