Peregrinação a Czestochowa 2019. A mensagem de Julián Carrón
«Acolham a exigência de plenitude que têm - que temos - no coração e levem-na até Nossa Senhora também por mim.» As palavras do Presidente da fraternidade por ocasião da peregrinação dos finalistas de liceu e universidade do CL (3-14 Agosto)Caros amigos,
por quê ir em peregrinação a Czestochowa? Só quem se dá conta da natureza do gesto é que pode ter razões adequadas para aderir.
Já é significativo que dure há tantos anos - da facto, não é nada óbvio -, quer dizer que a proposta encontrou, e encontra ainda hoje, uma necessidade, num momento de viragem decisivo para a vida: o fim do ensino secundário ou da universidade.
É difícil haver outros gestos que possam chamar-nos mais a atenção para a nossa verdadeira necessidade do que uma longa peregrinação a pé, devido ao empenho e ao cansaço que exige. Lembro-me sempre de uma frase de don Giussani: «Alguém que tivesse vivido pouco o impacto com a realidade, porque, por exemplo, tivesse tido muito poucas obrigações, teria um débil sentido da consciência pessoal, pouco perceberia da energia e vibração da sua razão» (O sentido religioso, Verbo, Lisboa 2002, p. 141).
Pode aderir à proposta quem intuiu que ela pode ser adequada à própria necessidade. Mas esta intuição só pode ser verificada caminhando. A Igreja sempre viu a peregrinação como um paradigma da existência: a vida é uma estrada, um caminho. Os medievais falavam do homo viator, o homem em caminho. Então, ir até Czestochowa serve para nos darmos conta da natureza da vida, como lembrou o Papa no seu telefonema no início da Peregrinação Macerata-Loreto: «Peregrinar é caminhar. É fazer numa noite aquilo que se faz toda a vida: seguir em frente». Toda a vida! Mas o que quer dizer seguir em frente? O Papa Francisco foi muito preciso: significa ir ao «encontro da plenitude. A plenitude de Jesus» (8 de junho de 2019).
Uma pessoa poderia pensar: «Eu já tenho razões claras sobre o meu intento, tenho um caminho delineado, uma namorada, a minha vida está em ordem». Mas então, para quê ir? Para descobrir que nunca se está em ordem, porque a necessidade é tão profunda, que nenhuma imagem feita por nós é suficiente para a satisfazer completamente. Como sabemos, a necessidade do coração nunca é extinta pelas nossas tentativas solitárias.
A peregrinação recorda-vos que não estão sozinhos, que não estão abandonados a vocês mesmos com as vossas tentativas, pois há alguém que vos diz: «Vamos, vamos juntos descobrir como é que se faz para viver». Se derem crédito ao clarão de consciência que há em vocês, permitirão que Cristo e Nossa Senhora respondam ao vosso desejo de vida e de futuro.
Irão assim descobrir que só Cristo pode responder à necessidade ilimitada do coração. Como sempre disse don Giussani: «De facto, Cristo coloca-se como resposta àquilo que “eu” sou», ou seja, à nossa necessidade humana, «e só uma tomada de consciência atenta e também terna e apaixonada de mim mesmo me pode abrir de par em par e dispor-me a reconhecer, a admirar, a agradecer, a viver Cristo. Sem esta consciência, até o nome de Jesus Cristo se torna um puro nome» (Na origem da pretensão cristã, Verbo, Lisboa 2002, p. 9).
Por isso, olhem com seriedade para a vossa necessidade, e isso irá enchê-los de razões para ir. A peregrinação será para cada um de vocês um grande gesto de pedido: poder viver à altura daquela plenitude que todos desejamos e que Cristo trouxe ao mundo. Para partir, vocês não precisam de já estar em ordem, não precisam de estar prontos. Vocês vão ao encontro da plenitude justamente porque não se sentem prontos.
Recentemente, deparei-me com uma carta pública a Bernard-Henry Lévy, escrita pelo romancista francês Michel Houellebecq: «É para mim penoso admitir que tenho vindo a sentir cada vez mais o desejo de ser amado. Um mínimo de reflexão convencia-me naturalmente, de todas as vezes, do absurdo de tal sonho [...]. Mas a reflexão não podia fazer nada», porque «o desejo persistia e tenho que confessar que persiste até hoje». O autor é o emblema do niilismo, de modo que tudo pareceria acabar no nada; seu pensamento lhe diz que é um absurdo o mero pensar nisso, «mas a reflexão não podia fazer nada», porque «o desejo persistia e tenho que confessar que persiste até hoje» (F. Sinisi, “La vita è rara”, Tracce, n. 6/2019, p. 65). O tempo evidencia que o desejo de plenitude que nos constitui persiste até mesmo num homem que acha que tudo acaba no nada. O tempo torna mais evidente a irredutibilidade das nossas exigências.
Cada um tem de decidir se dá crédito aos próprios pensamentos ou ao que permanece, apesar de todos os nossos limites e das nossas fragilidades: uma irredutível exigência de vida. No meio do colapso de tudo, há algo que não colapsa. Vocês vão a Czestochowa para responder a este “irredutível” que há em vocês.
Reflitamos um pouco sobre a nossa experiência: às vezes ficamos surpreendidos com o facto de que determinados dinamismos, que não nos pertenciam, começam a tornar-se nossos, ficamos impressionados ao ver determinados frutos na nossa vida. São dinamismos e frutos que não nos foram dados por nós mesmos, pois amadureceram em nós ao participarmos de um lugar, da comunidade cristã, dentro da vida da Igreja.
Caminhando até à Virgem Negra, lembrem-se de que, para nos ajudarmos a perceber aquilo a que o Mistério nos chama - quais os frutos que quer gerar em nós -, Ele não nos deixa sem sinais. Às vezes é muito discreto nas sugestões, e depende muito da nossa disponibilidade seguir os sinais que Ele põe à nossa frente. Por isso, prestem atenção para se deixarem surpreender com o que virem, com os encontros que tiverem.
Agradeço-vos o testemunho que me dão com a vossa decisão de concluir o ensino secundário e universitário com uma peregrinação tão desafiadora.
Acolham a exigência de plenitude que têm - que temos - no coração e levem-na até Nossa Senhora também por mim. Obrigado.
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