D. Mauro Lepori: “A responsabilidade da esperança Cristã diante da crise global”

Publicamos um excerto da palestra de D. Mauro-Giuseppe Lepori, Abade Geral da Ordem Cisterciense (O.Cist) no Colégio São Bento de São Paulo, 28 de abril de 2019 do site O Caminho Cisterciense...
D. Mauro-Giuseppe Lepori

O colapso das certezas

Vivemos num clima social dominado pela insegurança, pela instabilidade e pela provisoriedade. E isso em todos os níveis do humano: no nível pessoal e social, no nível político e eclesial, no nível económico e cultural. As certezas sobre as quais o homem se assentava até poucas décadas atrás parecem todas em queda ou a ponto de entrar em colapso. Mas talvez o que está em queda, verdadeiramente, não são tanto esses âmbitos do humano, que se desintegraram e foram reconstruídos também em outras épocas, talvez até de um modo mais nocivo do que hoje. O que parece em colapso, hoje, é a própria tendência de se agarrar à certezas. É como se o homem de hoje acreditasse tão pouco na possibilidade de uma certeza que nem faz a tentativa, o gesto, de se apegar à certeza. É como se a humanidade de hoje fosse como um homem que caiu no meio de uma forte correnteza, e que por longo tempo tentou resistir à força das águas, agarrando-se a tudo o que era possível se agarrar, uma pedra, um galho de árvore, o mato que cresce na margem do rio. Mas parece que chegamos ao ponto em que o homem não tem mais força física e psíquica para se agarrar a algo, para fazer esse esforço, e sobretudo convenceu-se de que esse esforço é inútil, que não o salvará da correnteza do rio. Também porque para se opor à correnteza que o arrasta esse homem se agarrou a apoios cada vez mais frágeis – antes, a pedra, depois o galho, depois o mato ribeirinho – e por isso sentiu que a certeza que o sustentava se tornou objetivamente cada vez mais frágil. A força da correnteza que o arrasta, junto com a fragilidade do ponto de apoio no qual procurou salvação, enfraqueceram cada vez mais a convicção com que o homem se agarrava a qualquer coisa para se salvar. O resultado é que esse homem não tem mais outra escolha, ou crê que não tem mais outra escolha, a não ser aquela de entregar-se à correnteza, de se deixar arrastar não sabe para onde. A única realidade é a força irresistível da correnteza.

O homem flutuante

Gosto de aplicar a essa condição do homem atual a definição que São Bento, em sua Regra, atribui ao irmão que, por sua má conduta, é “excomungado” da vida comunitária e que, na sua rebelião, não se deixa ajudar (e corrigir) pela comunidade e pelo abade. Ele o denomina frater fluctuans, irmão flutuante (cf. RB 27,3). Essa palavra, em minha opinião, define bem o homem de hoje, entregue à correnteza que o arrasta, ou que flutua na superfície do mar, subindo e descendo com as ondas.

A correnteza, as ondas, são de todo tipo: são as modas, as ideologias, o poder político ou económico, as notícias da mídia, as várias formas, em geral híbridas, de religiosidade, ou os sentimentos e as impressões do momento, ou o grande oceano que hoje está submergindo tudo: a cultura internet. Em meio a tudo isso, o homem é um objeto flutuante, um flutuador que segue e é levado pela correnteza e pela onda, que desposa o movimento da onda. A flutuação é um modo instintivo de se salvar. O homem crê que se salva “flutuando”, isto é, permanecendo na superfície. Não percebe que uma bola que boia na superfície da correnteza é também ela arrastada, segue a correnteza, segue a onda, é dominada por ela. Mas a superficialidade dá a ilusão de que se está livre da correnteza, de que escapou das suas garras, de que não vai afundar nela, e, portanto, dá a ilusão de estar livre.

O verdadeiro problema do homem contemporâneo é, talvez, justamente a superficialidade, a superficialidade como cultura, a superficialidade como política, a superficialidade como religião, a superficialidade como moral de vida. Basta olhar em volta. Com que superficialidade se vive, se fazem escolhas que deveriam ser vitais! Com que superficialidade se casa ou se divorcia, se decide ter filhos ou abortar! Com que superficialidade se vota nas eleições políticas, escolhendo sempre flutuar sobre a correnteza mais forte!Já não se pensa muito em dar voto para criar uma corrente, para afirmar a força e o bem de um ideal político. Não, vota-se na corrente que arrasta mais neste momento.

Com que superficialidade se chega até a viver a experiência que, por sua própria natureza, deveria ser a mais profunda: a religiosidade. A proliferação das seitas, das comunidades evangélicas livres, da prática religiosa “à la carte”, é viver a dimensão religiosa do coração, o que temos de mais profundo e sublime em nós, na superfície dos sentimentos, das emoções, abandonando de fato tanto a profundidade de Deus quanto a profundidade do homem. A experiência religiosa não é mais um abismo que chama um abismo, como diz o salmo 41 (cf. Sal 41,8). Não é mais o abismo do coração miserável do homem que anseia e grita pelo abismo da misericórdia de Deus.
Continue a ler aqui