Carrón: «A surpresa do Natal, vitória contra os medos»
«A iniciativa audaz que Deus tomou com Maria alcança-nos também neste Natal, renovando o anúncio de uma novidade radical.»O artigo do presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação no "Corriere della Sera" de 23 de dezembro.
Caro Diretor, a insegurança existencial com que muitas vezes o homem de hoje deve acertar as contas faz com que ele se precipite no medo. Quantas situações ele não consegue controlar com as suas forças! Isso já tinha acontecido na época do profeta Isaías: na iminência de uma guerra, a casa de Judá tenta garantir a aliança de uma potência estrangeira, os assírios. Perante o medo, a tentação é sempre a mesma: entregar-se ao poder, ao mais forte, para que nos liberte do estado de insegurança em que nos encontramos. Mas as contas não batem, e o medo não diminui. A esta altura, Deus toma a iniciativa e dirige-se a Acaz, rei de Judá, através do profeta Isaías, para indicar-lhe que aquele não era o único caminho, que há outro mais seguro: entregar-se ao único «poder» em condições de ir até a raiz do medo e de derrotá-lo (cf. Is 7,10-14). Esse caminho, que consideraríamos uma abstração, torna-se o mais realista. O povo de Israel verificou-o repetidas vezes em sua história.
Deus não proclama simplesmente que tem uma paixão pelo destino do homem: Ele intervém na história. E fá-lo tomando iniciativas que podem até revolucionar situações que pareciam já definidas. Como no caso de uma jovem mulher, Maria, noiva de um homem da casa de Davi, José (cf. Lc 1,26-38). Poderia ser percebido como uma interferência indevida de Deus, que passa por cima de um casal de noivos: na realidade é a iniciativa que todo homem, conscientemente ou não, espera, a começar por Maria: «Alegra-te, cheia de graça: o Senhor é contigo!» Quem não desejaria ser investido por esse olhar cheio de ternura? É como se, ao anúncio do Anjo, Deus lhe tivesse dito: «Só uma presença pode responder a todo o medo do mundo e a toda a insegurança dos homens; eu faço-te perceber antes de mais a ti, faço acontecer em ti esta presença, faço-a vibrar dentro de ti para que possa chegar a todos! Conceberás e darás à luz um filho e lhe chamarás Jesus».
Quem não desejaria ser investido por esse olhar cheio de ternura? É como se, ao anúncio do Anjo, Deus lhe tivesse dito: «Só uma presença pode responder a todo o medo do mundo»
Com essa iniciativa absolutamente única, Deus garante-lhe a ela e a todos os homens que já não estarão sozinhos, nem serão vítimas do medo, que sempre poderão apoiar-se naquela Presença, em qualquer situação que venham a encontrar-se; diante de qualquer desafio, poderão não temer, pois poderão vivê-lo na companhia com Ele: encontraram graça junto a Deus.
Mas essa iniciativa deve ser acolhida. A resposta não é óbvia de forma alguma. Tampouco o é a de Maria. Ao ouvir aquelas palavras, poderia ter-se assustado ou sentir-se tão dominada a ponto de querer fugir. Estavam envolvidas a razão e a liberdade daquela jovem mulher. Maria faz-se disponível aceitando aquele anúncio imprevisto e imprevisível: «Faça-se em mim segundo a tua palavra».
O momento mais dramático, contudo, ainda está por vir: é quando o Anjo se afasta dela. Porquê aquele afastamento de Deus? O Mistério não quer impor-se prepotentemente, quase se retira de cena para deixar espaço à liberdade dela. “Porque não a poupa disso?”, perguntamo-nos às vezes desconcertados. Porque aquele anúncio não pode ser recebido passivamente, muito menos imposto desde fora. É só na liberdade que pode tornar-se dela. E como se tornou dela? «Maria conservava todas estas coisas, meditando-as em seu coração.» Desde então Nossa Senhora ditou o método da vida, para encarar todas as circunstâncias. Por essa via aparece um eu novo: um eu com uma autoconsciência nova, já não esmagado pelo medo, pois tudo está dominado por aquela Presença. É uma possibilidade ao alcance da liberdade de Maria, assim como é acessível a cada um de nós, que somos alcançados hoje – por meio de encontros concretos, determinados – pelo anúncio do «Deus conosco».
O Mistério não quer impor-se prepotentemente, quase se retira de cena para deixar espaço à liberdade dela. “Por que não a poupa disso?”, perguntamo-nos às vezes desconcertados.
A intervenção do Mistério na nossa existência não derrota o medo como que por magia, mas investe a vida com Sua presença, provocando nossa razão e nossa liberdade a reconhecê-la. Só quem a reconhece e se confia a ela é que poderá verificar até que ponto esse medo é vencido pela presença d’Ele. «Feliz daquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido» (Lc 1,45).
Deus não nos poupa o caminho da verificação, assim como não o poupou a Nossa Senhora. A vitória sobre a insegurança existencial e sobre o medo dá-se conforme um desígnio que não é o nosso, mas acontece. A iniciativa audaz que Deus tomou com Maria alcança-nos também neste Natal, renovando o anúncio de uma novidade radical: «O cristianismo é uma presença dentro da tua existência, uma presença que garante uma mudança inimaginável, inimaginável» (don Giussani). Vimo-lo testemunhado na história: não há obstáculo que resista perante a iniciativa d’Ele: ceticismo, incapacidades, doenças, circunstâncias.
A vitória sobre a insegurança existencial e sobre o medo dá-se conforme um desígnio que não é o nosso, mas acontece.
Se acolhermos a Sua Presença, que nos alcança hoje com um sinal humano, introduz-se em nós aquela mudança. Já não estamos sozinhos perante os imprevistos da vida. Como disse o Papa Francisco recentemente, «o Natal traz mudanças de vida inesperadas: o Altíssimo é um menino. Quem o teria imaginado? Natal é celebrar um Deus inédito, que inverte as nossas lógicas e as nossas expectativas, uma surpresa, não uma coisa já vista» (Audiência geral, 19 de dezembro de 2018).
Encontrará também hoje um coração disposto a acolhê-lo?