O obrigado de Tina
Sessenta anos depois do princípio da caritativa na Baixa de Milão, a história de Tina Tuzzi. É ainda uma rapariguinha quando encontra os alunos da GS [Juventude Estudantil]. De repente, a sua vida alarga-se. E torna-se uma estrada que já não acabaNo meio do quarto, de vassoura na mão, Tina tem um arrepio de frio. Com um golpe seco, fecha a janela. Lá fora, um nevoeiro denso, mal se distinguem os traços da casa, do outro lado do pátio. Os campos, em volta do pequeno lugarejo de Buccinasco Castello, na Baixa de Milão, são um mar branco de geada. Só de pensar que, quando o ar está límpido, se entrevê Nossa Senhora no alto da Catedral de Milão...
Com raiva, a rapariga varre o chão, depois tem de fazer as camas, fazer o almoço... Tudo coisas que não gosta de fazer. Tem dezoito anos, gosta de ler, na escola até era boa aluna, mas no fim do quinto ano, quando a mãe tinha morrido, o pai tinha sido categórico: «É preciso uma mulher, ficas em casa». E tinha chegado a passar o exame de admissão ao segundo ciclo... Nada a fazer. Os três irmãos mais velhos trabalhavam, o Piero, o último, era pequeno e alguém tinha de tomar conta dele, o que lhe tinha calhado a ela. Faz o sinal da cruz, como a mãe lhe tinha ensinado, começa, ao mesmo tempo que resmunga: «Mas é só isto, a minha vida? Será que ainda consigo dar um salto à paróquia, para ver o Pe Stefano...».
Em vez disso, quase à noite, é o Pe Stefano Bianchi que vem bater à porta dos Tuzzi. O jovem pároco sabe muito bem que o pai de Tina é um comunista ferrenho, e até terão tido algumas discussões “políticas”, mas traz uma proposta importante para fazer à rapariga. Vai directo ao assunto: «Ouve, no próximo Domingo há um encontro com um grupinho de jovens de Milão, que virão todas as semanas para se encontrarem connosco. Também disse aos teus amigos da paróquia. Vens?». Tina não tem dúvidas, tem confiança nele, é como um pai. «Padre, eu vou. Mas que idade têm?». «São alunos da universidade e do secundário. Chamam-lhe caritativa. Conheci o padre que os segue, don Giussani. Tenho a certeza de que isto é bom para nós. É o caminho certo».
Entre fins de 1957 e princípios de 1958, os alunos da GS de Milão tinham começado a ir à “Baixa”, os campos a sul da capital da Lombardia. Com o beneplácito dos párocos, alternavam momentos de jogos com cursos de alfabetização e catecismo. Trata-se da “caritativa”, precisamente, um dos gestos educativos à fé mais importantes na vida do movimento. Como Giussani explicou: «É preciso conviver com toda a gente, partilhar a vida com toda a gente, pôrmo-nos em comum com quem quer que seja. É uma lei sem limites, universal: é a lei da catolicidade».
Santina encontrou estes jovens pouco depois, em 1966, e aquele “caminho certo” foi a possibilidade de uma mudança que ainda dura até agora. E assim, continuamos a contá-la.
CADA DOMINGO. O encontro é na paróquia de Romano Banco, no centro de Buccinasco. Depois, separam-se: um grupo encaminha-se para a rua Marsala, para onde, nos grandes prédios do boom da construção civil, vieram morar muitas jovens famílias de imigrantes; outro, de carro, dirige-se para o pequeno lugarejo de Gudo Gambaredo, no meio do campo. Oração, jogos que envolvem as crianças e oração final.
Lembra Santina: «Eu, depois das tarefas domésticas, decidia para onde ir. E espairecia a brincar, a jogar. Estávamos juntos, rapazes e raparigas, o que já era uma novidade». Todos os Domingos, o número de crianças aumenta. Mas não são as brincadeiras que fascinam Tina e os seus amigos da paróquia: «Eu sentia que tinham consideração por mim, pelo que eu era». A voz hoje, à distância de cinquenta anos, ao lembrar-se daqueles momentos, embarga-se-lhe um pouco. «Nunca ninguém me tinha tratado assim, e pensava: “Quero ser como eles”. Aquilo era bom para mim».
OS PRATOS E O PARAÍSO. Aqueles rostos tornam-se cada vez mais familiares, alguns mais particularmente, como Sarina. Os “jovens de Milão” começam também a ir a sua casa e então o pai Tuzzi manda-a «pôr a mesa também para os que vêm cá». Um dia, Sarina, a vê-la a limpar o chão, exclama: «O don Gius diz para olhar para a irmãzinha que ganha o Paraíso a descascar cebolas». Para Tina, aquelas “malditas” tarefas mudam de feição: «Disse comigo: posso ganhar o Paraíso a lavar pratos! Comecei a fazer cada tarefa com amor. Aprendi com eles, que nem sequer sabiam lavar pratos, a fazer bem o trabalho de dona de casa».
O Pe Stefano está sempre com eles. Fala-lhes de don Giussani, com quem às vezes almoça no “Cecchino”, o restaurante no centro da terra. «Tem uma maneira nova de fazer cristianismo. É o que quero para vocês», repete ele. E os jovens de Buccinasco vêem-no nos amigos de Milão. «Antes, para nós que participávamos nos encontros na paróquia, rapazes e raparigas separados, tudo se reduzia ao que não devíamos fazer. Isto era completamente diferente! Uma explosão de vida».
No Verão seguinte, chega outra proposta: umas férias na montanha, em Germasino. O pai de Tina dá imediatamente o seu consentimento. «Apesar de continuar nas suas posições “vermelhas”, via que eu estava mudada e tinha confiança em mim». E ela até leva o irmão, Piero. Vão uns cinquenta, acompanhados pelo Pe Stefano, pelo Pe AntonioVilla e por Franca, Sarina, Vincenzo, Adriano, os de Milão. Têm de levar tudo: desde as panelas às tarimbas para dormir. A meio da semana, Sarina pede a Santina: «Tenho de passar a camisa ao Adriano, que tem de voltar para Milão. Ensina-me». «Dá-ma, que é mais rápido». «Não, ensina-me». Lembra-se Santina: «Eu, a ensinar uma professora! Pois bem, nunca me senti julgada por eles, talvez corrigida, mas sempre com consideração pelo que eu era».
Aqueles dias, em Germasino, são um mais, «o máximo. A confirmação de que era uma coisa para mim».
SEM RAIVA. Santina não é a única a não ter continuado a estudar. Assim, organiza-se uma espécie de aulas de apoio para preparação para os exames de ciclo. Três tardes por semana, os universitários ajudam os jovens a estudar. «A princípio, tinha posto à disposição a minha casa, mas havia o meu irmão, que fazia turnos na construção da autoestrada A50 de Milão, e muitas vezes vinha dormir, e portanto decidiu-se ir para casa da Mariuccia. Chegavam, enchiam o carro e lá iam. Havia quem ensinasse francês, outros italiano, outros matemática».
Daquele grupinho, só Santina consegue passar para o ciclo. Os outros conseguem passar para a primeira ou para a segunda classe. Mas é uma conquista para todos. «O Pe Villa, o Pe Stefano, a Sarina e a Cesi estavam orgulhosos de mim. Queria inscrever-me na Escola Superior de Educação para educadores de infância, mas o meu irmão foi atropelado por um carro e, mais uma vez, o meu pai me disse: “Tens de ficar em casa”. Mas, naquela altura, era outra coisa. Sem raiva. Tinha aqueles amigos. Aquela estrada».
Uma estrada que continuou com o casamento, os filhos, os netos. Mas aqueles amigos foram companheiros de caminho. «Com alguns, como a Sarina, tenho um grupinho de Escola de Comunidade, alguns já estão no Paraíso. Quando nos revemos e nos lembramos daquelas férias em Germasino, do Pe Stefano, do Pe Villa, daquele período tão cheio... Pronto, só dá vontade de agradecer e de ir avante. Porque eu continuo a ser dona de casa».