A única coisa que temos

A descoberta de ter uma família em Porto Rico. A única coisa que funciona tem um nome: encontro.
Paola Bergamini

Silvia deixa-se cair na cadeira. Apesar de já estar escuro, o calor tropical é opressivo. Normal em Maio em Porto Rico, mas a casa deles é um forno. «Miguel, recordas-te de Daniel, o psicólogo que eu conheci no trabalho? Convidou-me para um encontro na paróquia de São João da Cruz na próxima sexta-feira. Gostaria de ir, mas é do outro lado da cidade. Acompanhas-me?». O marido, de pé diante da janela escancarada, volta-se. «Está bem». Nem mais uma palavra. Silvia sabe que não pedirá explicações. De facto é assim. O trabalho nos campos de cana-de-açúcar desde quando era rapazinho e depois nos locais de construção como pedreiro conservou-lhe um físico enxuto, mas tornou-o silencioso. Ainda agora que está reformado e muitas vezes os dois sózinhos. «Ou então é mesmo ele que é assim», pensa para consigo sorrindo Silvia.

Estamos em 2010, o encontro é a Escola de comunidade que Daniel, memor Domini, tem em San Juan com um grupinho de trabalhadores. Desde aquela primeira noite, Silvia e Miguel não faltam uma sexta-feira. Ela fala, intervém sempre cada vez mais fascinada por esta companhia e pelo trabalho sobre o texto que a faz descobrir uma fé viva; ele sempre silencioso, o cigarro permanentemente aceso. «Silvia confidenciara-nos que era praticamente analfabeto, por essa razão ela lia-lhe a Escola de comunidade. Mas eu via que com o olhar seguia cada palavra. Não deixava escapar nada», recorda José Francisco. Só uma vez, depois de mais de um ano, respondendo à mulher, Miguel atira a frase: «Devemos estar gratos porque o Senhor dá-nos tudo».

Em 2015, depois de alguns exames, é-lhe descoberto um tumor já em estado avançado. Em pouco tempo a doença torna-o acamado. Numa sexta-feira à noite chove fortemente. Silvia aproxima-se de Miguel, estendido com os olhos fechados: «Não me sinto bem a ir sozinha. Fico em casa contigo». O marido prende-lhe a mão e diz-lhe: «Tu deves ir. Promete-me que não nunca deixarás a Escola de comunidade. É a única coisa que temos». Silvia parece estar a “vê-lo” pela primeira vez, ter diante de si um homem novo.

«Quando o contou», recorda Pinuccio, italiano que desde o início segue esta escola de comunidade, «intuí o que é a pobreza, verdadeira. Tudo te é tirado e tudo te é restituído». Para Silvia aquelas palavras mudam o modo de viver aquela hora de sexta-feira à noite. De estar com aqueles amigos que todos os dias passam lá por casa para estar com o Miguel e fazem uma coleta para comprar um ar condicionado. «Não somente a Silvia, mas cada um de nós mudou», explica o Pedro. «O Miguel, tão humilde e com uma fé tão certa, fez-me ver a obra da graça precisamente através da Escola de comunidade».

A doença progride rapidamente. O Miguel sabe-o bem. Uma tarde diz a José Francisco: «Parto tranquilo». Depois, retomando o fôlego: «Porque deixo a Silvia a ti, ao Pinuccio, ao Daniel, à Aimée, à Alisa, ao Alejandro, à Karen, à Aura, ao Wadi, ao Pedro, a vós que sois a sua família». Não esqueceu ninguém. Poucos dias depois o Senhor levou-o consigo.

Em Julho deste ano, pra festejar os aniversários da Silvia e do Daniel, O Pinuccio organizou um grande jantar com todos os amigos da comunidade. Quando chega enfim a hora de ir embora, Silvia, olhando a “sua família”, diz a Daniel: «Não sabia que se podia ser feliz também na dor».