Ainda acreditamos na beleza desarmada da fé?
Publicamos alguns excertos das respostas do responsável do CL ao vaticanista John Allen por ocasião da publicação em inglês do livro A beleza desarmada (da publicação Crux)(...)
As pessoas não podem viver sem um significado, e se o vazio permanecer acabaremos por gerar pessoas que, mais cedo ou mais tarde, sofrerão a tentação da violência... em casa, no trabalho, e de algum modo acabarão no terrorismo. O problema é como responder à falta de significado que muitas vezes vemos na sociedade hoje. Só podemos sair disso numa sociedade livre, num espaço livre, no qual as pessoas possam encontrar-se e confrontar-se a respeito das formas com que cada um escolhe viver, e sobre como é possível fazer escolhas diferentes.
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As mudanças que estamos a atravessar são tão radicais, tão sem precedentes, que entendo por que tantas pessoas não compreendem ainda o que está a acontecer, ou os gestos do Papa Francisco.
Mas, se não compreendermos estes gestos agora, vamos compreendê-los no dia em que virmos as consequências que estão a produzir.
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A nossa capacidade de entender [o Papa] depende da nossa capacidade de compreender a natureza do desafio que temos à frente. Às vezes não entendemos certos gestos do Papa porque não entendemos a fundo as implicações do que ele define como uma “mudança de época”. É como pensar num tumor como um simples caso de gripe, e assim a ideia de tratá-lo com quimioterapia poderia parecer drástica demais. Mas, uma vez que tivermos entendido a natureza da doença, percebemos que não vamos conseguir vencê-la com aspirina.
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João Paulo II surpreendeu todo o mundo com sua capacidade de comunicação. Parecia difícil encontrar outro como ele, e depois
chegou Bento, que impressionou todo o mundo com a sua inteligência, a sua capacidade de discernimento e de esclarecer certos temas de um modo que mais ninguém teria conseguido fazer.
Depois de Bento, mais uma vez parecia que não poderia haver mais ninguém como ele. Porém chegou um papa que, a meu ver, é a radicalização de Bento. Diz as mesmas coisas, mas de uma forma que se transmite a qualquer um, simplesmente através dos gestos, sem com isso reduzir de modo algum a profundidade do que disse Bento. Parece-me que os três foram à raiz das coisas, não ficaram na superfície, mas foram ao coração do que estava a acontecer concretamente na sua época.
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Vejo que muitas pessoas estão perturbadas e embaraçadas com o Papa, assim como as pessoas estavam com Jesus na sua época – e em particular, recordemos, as pessoas mais “religiosas”. Por exemplo os Fariseus, que não viam todo o drama da situação dos homens que tinham à sua frente, queriam um pregador que simplesmente dissesse aos homens o que deviam fazer, impondo-lhes pesados fardos. Tudo isto não era suficiente para fazer a humanidade recomeçar, depois veio Jesus, que entrou na casa de Zaqueu sem chamá-lo ladrão ou pecador; isso poderia ter parecido uma fraqueza. Pelo contrário, ninguém desafiou Zaqueu como Jesus fez, apenas entrando na casa dele.
Todos os que tinham condenado a sua conduta de vida não moveram um único milímetro a sua posição. Foi aquele gesto totalmente gratuito de Jesus que teve sucesso onde os outros tinham falhado.
O que é necessário para mudar uma sociedade como aquela em que vivemos? O método usado por Jesus com Zaqueu. [Com o Papa Francisco] temos de nos lembrar do modo com que muitas pessoas de bem, sinceramente religiosas, reagiram a Jesus. Para elas, a forma como Jesus agia era uma espécie de escândalo, no sentido mais forte do termo, um obstáculo ao acreditar.
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No cristianismo, a verdade fez-se carne. A única maneira que temos para compreender a fundo esta verdade feita carne é encontrando e olhando para uma testemunha. Toda a liturgia do Natal diz respeito à plenitude de Deus que se torna visível. Se não se tivesse tornado visível, nunca o teríamos compreendido... este é o grande desafio.
É inútil perguntar aos outros se eles são tudo o que deveriam ser. A verdadeira questão é: nós somos testemunhas convictas da fé? Ainda acreditamos na beleza desarmada da fé? Uma pessoa apaixonada sabe o que fazer, e uma pessoa apaixona-se encontrando alguém. Isto é o que faz da experiência de Jesus uma “revolução copernicana” para a humanidade.
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Abraão foi escolhido por Deus para começar a introduzir na história uma nova forma de viver, que com o tempo pudesse gerar uma realidade visível em condições de tornar a vida digna, plena.
Se Abraão estivesse aqui hoje, na nossa situação de minoria, e fosse falar com Deus para dizer:
“Ninguém me deu ouvidos”, o que é que Deus lhe diria? Sabemos muito bem o que lhe diria: “Foi por isso que te escolhi, para começar a pôr na realidade uma presença capaz de mostrar – ainda que ninguém acredite – que eu farei de ti um povo tão numeroso que a tua descendência será numerosa como as estrelas do céu”.
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Sou totalmente otimista, por causa da própria natureza da fé. O meu otimismo baseia-se na natureza da experiência cristã. Não depende da minha capacidade de leitura da realidade, do meu diagnóstico da situação sociológica. O problema é que, para sermos capazes de recomeçar deste ponto de partida absolutamente original, temos de voltar às origens da fé em si, ao que Jesus disse e fez.
Se há um motivo de pessimismo, está no facto de que muitas vezes reduzimos o cristianismo ou a uma série de valores, a uma ética, ou simplesmente a um discurso filosófico. Isto não é atraente, não tem o poder de fascinar ninguém. As pessoas não sentem a força de atração do cristianismo. Mas, justamente porque a situação que estamos a viver hoje é tão dramática, de qualquer ponto de vista, paradoxalmente é mais fácil propor a novidade do cristianismo.
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Como disse o Papa Bento XVI há alguns anos, ainda existe uma oportunidade para o cristianismo hoje, neste mundo? Respondeu que sim, porque o coração do homem precisa de algo que só Cristo pode dar. A capacidade de corresponder ao verdadeiro desejo último do homem é o que tornará o cristianismo atraente.
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Aquilo com que não podemos nos contentar é um cristianismo reduzido, um tanto ambíguo, achando que esse seja o caminho para encontrar a todos. Não, temos de vivê-lo de forma corajosa, plenamente, devemos estar convencidos, com a mesma audácia com que Jesus entrou na casa de Zaqueu, sem de modo algum censurar as coisas que ele tinha feito, mas desarmado, respondendo ao que ele tinha no coração. Historicamente, este é um método absolutamente novo. Jesus impressiona São Paulo da mesma forma com que impressiona a nós.
Não há nada que desafie mais o coração de um homem do que um gesto como este, um gesto absolutamente surpreendente.
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Às vezes achamos que, se uma pessoa não tem fé, devemos reduzir as coisas para que as entenda.
Mas o contrário é que é verdade – quanto mais um gesto é gratuito, como perdoar alguém por uma ofensa em vez de lhe responder do mesmo modo, tanto mais surpreenderá radicalmente aquela pessoa. Não é que tenhamos de reduzir, para evitar o escândalo... ninguém nunca se escandalizou por ser perdoado.
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A fé introduz na vida uma atração que, ao mesmo tempo em que nos atrai para si, não nos deixa sozinhos. Nada desafia mais uma pessoa do que algo que responde em total plenitude a todas as suas expectativas. Nada transforma radicalmente a vida como a realização de todas as suas promessas! Eis por que a fé é como o cacto... é lindíssimo e nos atrai, mas ao mesmo tempo espeta.
Podemos aceitá-la ou recusá-la, mas nada transforma e perturba a vida com a mesma força.
Leia o texto integral abaixo.
- Entrevista de Julián Carrón à revista Crux 203KBEntrevista de Julián Carrón à revista Crux