Jantar com o António
«Somos assim porque somos amados por Cristo». É a única resposta que lhe ocorre. A única que tem. A mais concreta.Filippo desliga o motor, do banco de trás apanha a carteira e um pequeno cartão de trabalho. Faz cada coisa com calma, esta noite não tem de correr para casa para preparar o jantar aos filhos. Nada de pizza ultracongelada e coisas afins: a sua mulher, Ida, regressou, depois de uma semana, do Veneto, onde esteve a cuidar do pai num hospital. Em pensamento goza já o belo serão. Única preocupação: os seus pais, que desde há alguns dias sofrem com a gripe. É também verdade que há tarde a mãe lhe dissera que a situação parecia ter melhorado. Não, seria verdadeiramente um serão tranquilo.
Quando sai do carro, um arrepio de frio corre-lhe pela espinha. Na televisão tinham dito que as temperaturas desceriam abaixo de zero. Poucos passos e está diante de casa. Um homem está apoiado no portão. Os olhares cruzam-se durante alguns segundos. Filippo tem já as chaves no buraco da fechadura quando o homem se aproxima e sussurra: «Desculpe-me, não terá um cobertor? Durmo ali, debaixo dos pórticos, ao pé do multibanco. O meu já está gasto…». Numa fracção de segundo, ocorre a Filippo que no Natal lhes foi dado um belo edredão que porém não serve a ninguém. «Se esperares, subo para arranjar-te qualquer coisa». O sem-abrigo esboça um meio sorriso: «Percebi. Não importa». «Não, não percebeste. Não estou a brincar. Volto mesmo».
Em casa cheira a massa e brócolos. O seu prato predilecto. Filippo entra na cozinha, onde Ida está a terminar os preparativos. «Olá. Preciso rapidamente do edredão que nos ofereceram». A mulher olha-o com ar interrogador: «Está no quarto das raparigas. Mas para que precisas dele assim com tanta pressa?». «É para um pobre que encontrei lá em baixo». Antes de sair, volta a passar pela cozinha. Tudo está pronto: os filhos estão já sentados e a massa fumega na panela. «Terá fome também… Quem sabe se comeu». Ida não diz nada.
Desce à pressa e entrega-lhe o edredão ainda empacotado. «Aqui está, para ti. Como te chamas?». «Antonio». E agarrando no embrulho: «Mas é novo!». «Sim, nunca foi usado. Então, boa noite». «Obrigado mais uma vez».
O homem, com o pacote debaixo do braço, está para se ir embora quando Filippo o detém: «Queres vir comer um pouco connosco?». Antonio olha-se e depois: «É melhor não. Vê como estou vestido. Há algum tempo que não consigo tomar um banho, deixa». Fillipo não desiste: «Vá, vem. A minha mulher é uma boa cozinheira e os meus filhos… vais conhecê-los». No fim, o homem deixa-se convencer.
À mesa, os rapazes apresentam-se. Depois é a vez do Antonio: «Tenho 42 anos. Até há alguns anos trabalhava numa firma de expedições. Depois perdi o trabalho». Giacomo, o mais pequeno, pergunta: «De que forma?». «É uma história longa». «E agora onde vives?». «Não tenho uma casa, não tenho nada. Mas procuro da maneira que me é possível andar asseado, em ordem». De seguida passa-se ao relato do dia, daquilo que sucedeu nos dias em que a mãe não estava. Estranhamente não existem discussões ou litígios. Num momento de silêncio, Antonio exclama: «Como fazem para ser assim? Parecem uma família… da publicidade!». Filippo olha para Ida antes de responder: «Somos assim porque amados por Cristo». É a única resposta que lhe ocorre. A única que tem. A mais concreta.
Depois do café, Antonio pega no seu embrulho e prepara-se para ir embora. Toda a família o acompanha até à rua. Fillippo aperta-lhe a mão: «Boa noite. Voltaremos a ver-nos». Antonio sorri: «Com certeza. Eu estou sempre nesta zona. Boa noite e mais uma vez obrigado».
Voltando a subir para casa, Filippo pensa a quem pedir para lhe dar uma ajuda, quando o telemóvel se ilumina. É uma sms da mãe: «Veio junta médica. Para o papá suspeita-se de pneumonia». Entra à pressa em casa para buscar as chaves do carro e parte para o hospital, sabendo que toda a noite quase de certeza a terá de passar nas urgências. A noite tranquila terminou definitivamente. Enquanto atravessa a cidade vem-lhe à memória uma frase da carta do Papa: «Vamos até junto do pobre não porque saibamos já que aquele pobre é Jesus, mas para voltar a descobrir que aquele pobre é Jesus».