O TEMPO DA ESPERA

O Advento «remete para o fim da estrada e o objetivo do tempo». Antecipamos um excerto da nova edição das meditações de Luigi Giussani sobre a liturgia cristã, que acabou de ser publicada pela editora San Paolo (nt em italiano).

O tempo do Advento é o tempo da espera, é o tempo do primeiro sinal de unidade entre a nossa liberdade e a de Deus. É o tempo do Antigo Testamento, daquilo que deve ser cumprido, do caminho.
Nos profetas, a espera, que era a espera do Messias, - suscitada por Deus e aceite por eles - , era formulada de acordo com ideias, sensações e mentalidades próprias, quer seja da raça, do indivíduo ou do momento. A espera, inevitavelmente, formulava-se segundo o seus sentimentos, conceitos e aspirações. Eram pessoas do deserto e Deus, para eles, era «a terra que florescia»; eram escravos, e pensavam que o reino de Deus era uma potência, o seu predomínio sobre o mundo; estavam divididos e para eles o reino de Deus era a unidade do povo.
Identificavam o mistério de Deus com o seu conceito, ou seja, no fundo esqueciam-se de que Deus é mistério. Enquanto que a sua fantasia sobre o mistério era veículo para o mistério, o agarrar-se a essa fantasia tornava-se contraste com o reino de Deus.

Hoje o conceito de mistério é-nos continuamente relembrado pela vida da Igreja.
Não existe tempo do ano litúrgico que não invoque Deus como mistério. Isso começa a ficar claro na espera. Nós somos espera: a nossa vida é espera. Sabemos que esta espera é mistério enquanto início, uma vez que fomos feitos, e como fim.

Também para nós a espera se traduz nas nossas ideias, conceções, medos, na nossa imagem de bem, de mal, de virtude e de defeito. A espera encarna-se em todas estas coisas. Toda a vida é profecia de Deus para nós, ou seja, do reino de Deus.

Mas este reino é sempre diferente, imprevisível, porque aquilo que é de Deus é sempre imprevisível. Por isso ai de quem coloca objeções insuperáveis entre o acontecer do seu pecado e Deus, a quem recusa o perdão. Esta é a crise da espera: o perigo de que os nossos pensamentos, sentimentos, nos bloqueiem, nos apodreçam. Ao passo que tudo é bem e coopera para o bem, nada esgota o mistério, mas tudo é profecia dele, ponto do qual parte um desenvolvimento imprevisível.

O equívoco de fundo no entendimento da lei da espera consiste no perigo de esperar o reino de Deus sem querer verdadeiramente «aquele» reino, querer que ele venha sem amar verdadeiramente o reino de Deus. Os fariseus, por exemplo, desejavam verdadeiramente que viesse o reino de Deus, amavam as leis, mas não conseguiam amar verdadeiramente aquilo que iria acontecer. Pode fazer-se de tudo para que se concretize a vontade de Deus, sem amar com convicção e verdade as suas modalidades. É o último resíduo de um moralismo, o último bocado de nós que não cede nunca, que não é amor ao que acontece. É o não dissolver o próprio eu, o não aceitar que o eu desapareça, que se perca tudo em Seu nome. Assim uma pessoa pode ter uma grande atividade, mas não terá caridade. Mas é exatamente quando uma pessoa reconhece que erra deste modo, que Deus purifica até à medula: é precisamente nesta descoberta da nossa resistência que percebemos o que é o amor, o que é Deus para nós.

É preciso ter presente que Deus é fiel: despertou a espera para a cumprir. Qualquer justo será satisfeito.
«Tendo-Lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus, repondeu-Lhes: “O Reino de Deus não virá ostensivamente. Não se dirá: ei-lo aqui ou ei-lo acolá. Porque eis que o Reino de Deus está no meio de vós”. Depois disse aos Seus discípulos: “Virá tempo em que desejareis ver um só dos dias do Filho do Homem e não o vereis. E vos dirão: ei-lo aqui, ou ei-lo acolá. Não vades, nem os sigais. Porque assim como o clarão brilhante de um relâmpago ilumina o céu de uma extremidade à outra, assim será o Filho do Homem no Seu dia. Mas primeiro é necessário que Ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também quando vier o Filho do Homem. Comiam e bebiam, tomavam mulher e marido, até ao dia em que Noé entrou na arca; e veio o dilúvio, que exterminou a todos. Como sucedeu também no tempo de Lot; comiam e bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu que exterminou a todos. Assim será no dia em que Se manifestar o Filho do Homem.

Nesse dia quem estiver no terraço e tiver os seus móveis em casa, não desça a tomá-los; da mesma sorte, quem estiver no campo, não volte atrás. Lembrai-vos da mulher de Lot. Quem procurar salvar a sua ida perdê-la-á; quem a perder, salvá-la-á. Eu vos digo: nessa noite, de duas pessoas que estiverem num leito, uma será tomada e a outra deixada. Duas mulheres estarão a moer juntas, uma será tomada e a outra deixada!” ».(1)

Na nossa meditação sobre a espera faremos sobressair alguns factores fundamentais.
A nossa vida será julgada, porque nada se salva a não ser através do juízo. São Paulo compara este juízo a um fogo que, das coisas, só deixa ficar a verdade: se as coisas são ouro e prata, se são madeira ou se são palha, isso se verá através do fogo, através do juízo. Do juízo surgirá o desígnio de Deus, como se vê no texto do Evangelho citado, e, por isso, mais uma vez surgirá a verdade das coisas; através do juízo aparecerá o nosso reconhecimento do desígnio de Deus e, por isso, da verdade com que fazemos as coisas. Aparecerá a verdade com a qual nós olhamos para as coisas e aparecerá a verdade com a qual nós manipulamos as coisas, porque – como se diz no Evangelho – então tudo será claro, será claro no sentido em que virá à luz; como tinha referido Jesus, «nada há oculto que não acabe que não acabe por ser manifestado». (2)

«Logo depois da tribulação daqueles dias, o sol escurecer-se-á, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá o sinal do Filho do Homem no céu, e todos os povos da terra baterão no peito, e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade. E mandará os Seus anjos com poderosas trombetas, e juntarão os Seus escolhidos dos quatro ventos, de um extremo dos céus ao outro». (3)

«Quanto aquele dia e hora, ninguém sabe nada, nem os anjos do Céu, nem o Filho, mas só Pai. Assim como aconteceu nos dias de Noé, assim será também a segunda vinda do Filho do Homem. Nos dias que precederam o dilúvio, os homens comiam e bebiam, casavam-se e casavam os seus filhos, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não souberam nada até que veio o dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem. Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro será deixado, de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e a outra deixada. Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora virá o Vosso Senhor». (4)

É preciso sublinhar outra coisa, para além da palavra do juízo incumbente: o sentido da precariedade da vida, «Não é este o rosto verdadeiro das relações e das coisas».(5)
«Velai, pois, sobre vós, para que não suceda que os vossos corações se tornem pesados com o excesso do comer e do beber e com os cuidados desta vida, e para que aquele dia não vos apanhe de improviso; porque ele virá como um laço sobre todos os que habitam a superfície de toda a terra. Vigiai, pois, orando sem cessar, afim de que vos torneis dignos de evitar todos estes males que devem suceder, e de aparecer com confiança diante do Filho do Homem». (6)

«Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. Fazei como os homens que esperam o seu senhor quando volta das núpcias, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram. Bem-aventurados aqueles servos, a quem o Senhor, quando vier, achar vigiando. Na verdade vos digo que se cingirá, os fará pôr à sua mesa e, passando por entre eles, os servirá. Se vier na segunda vigília, ou na terceira, e assim os encontrar, bem-aventurados são aqueles servos.
Sabei que, se o pai de família soubesse a hora em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria arrombar a sua casa. Vós, pois, estais preparados porque, na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem».(7)

Mas paradoxalmente, existe para nós nas coisas um apelo à responsabilidade de que não é possível escapar, tal como não nos podemos subtrair ao olhar de Deus (Salmo 139). (8) Com efeito, o juízo final torna-se atual, literalmente, pelas provas da vida. As provas antecipam o juízo final: as provas de qualquer natureza, física e moral, mas sobretudo as provas como crise da nossa fidelidade a Deus. Elas são o exame da nossa verdade, são objeções para nós, não para Deus.

O juízo final, de resto, é a projeção destes juízos históricos que, na provação, Deus faz sobre nós. A provação obriga-nos a perceber que a categoria final traz à luz a verdade de todas as outras categorias da nossa vida.
A liturgia do Advento, no início do caminho dum novo ano, remete precisamente para o fim do próprio caminho, o término da estrada e o objetivo do tempo. O término da estrada e o objetivo do tempo são as finalidades com que Cristo regressará e as coisas serão, verdadeira e finalmente, aquilo que devem ser.

Tudo será verdadeiramente genuíno porque já nada travará a luz de Deus, e Cristo terá cumprido a sua obra, e assim tudo será verdadeiramente de Cristo, como Cristo é de Deus. (9) Nós não podemos aceder ao santuário de Deus, a não ser por um juízo, um juízo de valor sobre a existência e sobre a história, um juízo de reconhecimento da força que faz o nosso tempo e o tempo da história. Todos os nossos males, as incertezas, as relutâncias e todas as nossas fugas nascem da ausência, da fraqueza do juízo em nós. E é a palavra de Deus que estabelece o juízo em nós. Tal como a palavra de Deus irá estabelecer o juízo no final da vida, assim a palavra de Deus estabelece o juízo sobre aquilo que nos acontece: na palavra de Deus qualquer crise é vencida, a prova é superada, libertamo-nos do mal.

Quando, pois, vier o Filho do Homem na Sua majestade, e todos os anjos com Ele, então Se sentará sobre o trono de Sua majestade. Todas as nações serão congregadas diante d’Ele, e separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, e porá as ovelhas à sua direita, e os cabritos à esquerda.

Dirá então o Rei aos que estiverem à Sua direita: Vinde, benditos de Meu Pai, possuí o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome, e Me destes de comer; tive sede, e Me destes de beber; era peregrino, e Me recolhestes; nu, e Me vestistes; enfermo, e Me visitastes; estava na prisão, e fostes ver-Me. Então, os justos Lhe responderão: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto, e Te demos de comer; com sede, e Te demos de beber? Quando Te vimos peregrino, e Te recolhemos; nu, e Te vestimos? Ou quando Te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-Te? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos digo que todas as vezes que vós fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequenos, a Mim o fizestes. Em seguida, dirá aos que estiverem à esquerda: Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demónio e para os seus anjos; porque tive fome, e não Me destes de comer; tive sede, e não Me destes de beber; era peregrino, e não me recolhestes; estava nu, e não Me vestistes; enfermo e na prisão, e não Me visitastes. Então eles também responderão: Senhor, quando é que nós Te vimos faminto ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não Te assistimos? E lhes responderá: Em verdade vos digo: Todas as vezes que o não fizestes a um destes mais pequenos, foi a Mim que não o fizestes. E esses irão para o suplício eterno; e os justos para a vida eterna». (10)

«A caridade é paciente, é bondosa; a caridade não é invejosa, não é arrogante, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda ressentimento pelo mal sofrido, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta».(11)

O texto de São Paulo e o Evangelho de São Mateus, resumidamente, mas também de forma definitiva, descrevem o critério do juízo final, mas também o critério dos juízos que são as provações da vida. A provação esmaga quem não vive de acordo com a dimensão citada. Santa Teresa diz: «No final da vossa vida, é sobre o amor que sereis julgados» (12). O amor não é um discurso, mas é pôr a própria vida no Discurso. Em nome dele, mudam as formas de vida, que só mudam verdadeiramente se mudarem na sua raíz. Caso contrário, não fazem mais nada senão acentuar aquela máscara que já eram, e quando se usa uma máscara em nome do Espírito Santo, ela é infinitamente pior.

Não temos nenhum outro programa excepto o da caridade, e a caridade não é um sentimento ou uma inclinação particular para fazer o bem, ou uma compaixão, ou uma comiseração, ou uma onda de afeição, mas a concretização do juízo que se deu entre nós.
No Advento, o único tema é : «...Ele que vem»; e não existe nenhum emblema visível e sensível deste «Ele que vem» a não ser a promessa de novas relações entre nós.


A conversão trazida por Cristo é um facto concreto; o amor de Deus pelos homens é uma realidade no seio de uma mulher, um feto, um menino que nasce, um homem, por isso é uma realidade tangível, sensível, física. O reconhecer este facto entre nós traduz-se, da mesma forma, numa realidade física, experimentável, sensível, nova.

A consciência da iminência da Sua vinda, portanto, a vigília, a vida vivida na consciência de si como espera, faz surgir relações novas.
E isso acontece na proporção da memória de Cristo que vivemos, em proporção da oração que somos, em proporção ao silêncio que mantemos como pano de fundo de todas as nossas ações.
A Sua vinda é o Seu juízo, por isso as nossas ações devem converter-se, em caridade, em comunhão.

Mas para que as nossas ações se tornem juízo e antecipem a Sua vinda, para que a Igreja se construa, e o trabalho se torne casa de Deus e lugar para os oprimidos, os cegos, os estrangeiros, as viúvas, os órfãos, é preciso a paciência.
«Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor».(13)

«Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência até às chuvas temporãs e tardias. Sede pacientes também vós e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima». (14) É uma iminência, ainda que tenha de nos fazer caminhar por dois mil anos.
«Tomai, irmãos, por modelo de sofrimento e de paciência os profetas que falaram em nome do Senhor».(15)

E quando a nossa paciência, que é uma pobre coisa, está prestes a ceder, como em Acaz no Livro de Isaías, então o Senhor virá: «O Senhor mandou dizer de novo a Acaz: “Pede ao Senhor teu Deus um sinal, quer no fundo dos abismos, quer lá no alto dos céus.” Acaz respondeu: “Não pedirei tal coisa, não tentarei o Senhor.” Isaías respondeu: “Escuta, pois, casa de David: Não vos basta já ser molestos para os homens, senão que também ousais sê-lo para o meu Deus? Por isso, o Senhor, por sua conta e risco, vos dará um sinal. Olhai: a jovem está grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel. Ele será alimentado com requeijão e mel até que saiba rejeitar o mal e escolher o bem. Porque antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra cujos dois reis tu temes, será devastada».(16)

Nos limites extremos da nossa paciência, o Seu sinal surgirá entre nós.
E assim a história de Israel avançou sem lógica aparente, sempre com algo de novo e, muitas vezes, de contraditório, com o ímpeto inicial, até ao ídolo, até ao exílio e à corrupção – durante a qual veio o Emanuel, o Deus entre nós. Por isso diante de cada um de nós está a liberdade de Deus.

A iminência da Sua vinda, a caridade na ação que anticipa o juízo final, significa construir relações novas. E isto é da nossa responsabilidade e iniciativa, pessoal: que os outros o reconheçam é tarefa de de Deus - «ainda não chegou a Minha hora» (17), disse Jesus a Nossa Senhora nas Bodas de Caná.
A paciência e a dignidade tornam-nos em cada ação livres de tudo e, ao mesmo tempo, presentes em tudo.

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1 Lc 17, 20-36.
2 Cf. Lc 8, 17
3 Mt 24, 29-31; Mc 13, 24 – 27; Lc 21, 25-28
4 Mt 24, 36-42; Mc, 13, 32
5 1, Cor.7
6 Lc 21, 34-36
7 Lc 12, 35-40
8 Aqui Dom Giussani usa a numeração litúrgica. A referência é ao Salmo 138 de acordo com a Bíblia da Conferência Episcopal Italiana.
9 Cf. 1 Cor 3, 23.
10 Mt 25, 31-46
11 1 Cor 13, 4-8
12 A citação é de São João da Cruz, colega de Santa Teresa de Ávila na reforma do carmelo, e foi retirada de: Avisos y sentencias, 57 (=Biblioteca Mística Carmelitana, vol. 13), Burgos 1931, p. 238.
13 Cf Tia 5, 7ª
14 Cf Tia 5, 7b-8
15 Cf Tia 5, 10
16 Is 7, 10-14
17 Cf Jo, 2-4