Coisa singular
Na sequência da inauguração da estátua erigida a S. Nuno (Alvares Pereira), contamos um pouco da sua história, que chega até hoje...“…COISA SINGULAR … “ Assim se referiu o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa à vida de São Nuno Álvares Pereira, durante a inauguração, com honras de estado da emotiva estátua, erigida em sua memória, no passado domingo dia 6 de Novembro de 2016, que contou com a presença de Sua Eminência o Cardeal Patriarca Manuel Clemente (para a bênção da mesma), de D. Duarte Nuno (descendente directo do Santo Contestável), das mais altas patentes militares (não fosse ele patrono da infantaria do exército Português), de elementos da Comissão de São Nuno de Santa Maria e do presidente da Câmara de Lisboa.
A estátua da autoria de Augusto Cid reflecte a faceta militar e a faceta de grande fé do Santo Condestável, homem mais alto da nossa história, Canonizado por Bento XVI em 26 de Abril de 2009, reconhecido como santo pelo povo português há quase 6 séculos. De joelhos, a figura de bronze reza a uma cruz levantada pelas suas mão, que não é mais do que a sua espada invertida.
Coisa Singular, na verdade, a vida deste santo, que liderou as tropas Portuguesas, como Contestável do Reino, em inúmeras batalhas, pela manutenção da independência, contra os exércitos de Castela, e de que a luta em Aljubarrota foi pináculo. “Ditosa Pátria que tal filho teve” pintou-o Camões nos Lusíadas.
Coisa singular, na verdade, a vida deste Santo Contestável, que de militar maior do Reino (a dado ponto com uma fortuna superior à da coroa, segundo alguns), de tudo abdicou e se fez monge Carmelita, no convento do Carmo (por si mandado construir), votado à pobreza no outono da sua vida, assim cumprindo as ordens de Cristo nas escrituras. Aos poucos começou a doar a totalidade dos seus bens e dinheiro a antigos companheiros de armas necessitados, a familiares e aos pobres de Lisboa e do reino, chegando a decidir, a dada altura, viver apenas com que conseguisse obter mendigando (correu o Príncipe D. Duarte ao convento do Carmo a rogar-lhe que não o fizesse, concedendo-lhe uma pensão vitalícia para a sua sobrevivência e para manutenção das suas obras de caridade).
Coisa singular, na verdade, a sua devoção a Santa Maria, transmitida por sua mãe Iría Gonçalves de Carvalhal, sempre presente no seu espírito e forjada em forma dum símbolo Mariano no metal da sua espada, Excalibur do reino Português de Cristo, a defender.
“Que auréola te cerca?
É a espada que volteando
Faz com que o ar perca
Seu azul negro e brando.”
In: A Mensagem – Fernando Pessoa
Sete anos após a data da vitória em Aljubarrota a 14 de Agosto de 1385 (véspera do dia da festa da Assunção de Nossa Senhora), manda edificar uma capela em honra de Santa Maria (actual capela de São Jorge), em agradecimento pela vitória nessa batalha da independência, no local onde colocou o seu estandarte, e onde se pensa que de joelhos, orou durante a batalha, entregando a Cristo Nosso Senhor e a sua Mãe a decisão da mesma, confiando tudo a Deus, enquanto o exército dos cavaleiros de Cristo Portugueses, enfrentavam em grande inferioridade numérica os preparados cavaleiros de Santiago de Castela. Outras igrejas erigiu no reino em Honra de Nossa Senhora, honrando o seu voto à Mãe do Céu. Exemplo interessante disso é a Igreja de Vila Viçosa onde, após a restauração da independência de 1640, El rei Dom João IV entrega aos pés de Nossa Senhora Rainha de Portugal a sua coroa, para que do reino de Seu filho seja Rainha. Coincidências, ou demonstração de um plano divino de séculos, recebeu ainda como prémio da vitória, por parte do Mestre de Avis as terras de Ourém (territórios que provavelmente abrangem os locais das aparições em Fátima).
Coisa Singular, na verdade, a ínclita geração, ter tido que ir ter, com este monge, para pedir autorização, para ir combater os infiéis a Ceuta. Com o intuito de serem armados cavaleiros e por nada mais haver para conquistar em Portugal, encontraram em Filipa de Lencastre sua mãe uma apoiante, mas seu Pai Dom João I, mestre de Avis estava relutante. Diz a seus filhos, que tal só consentiria, se Nuno Álvares Pereira achasse que seria coisa boa e justa. O monge Nuno de Santa Maria orou, meditou e finalmente dizendo-lhes que sim, abriu as portas aos Descobrimentos. Coincidência, ou não Ceuta persiste a única cidade cristã de um país cristão no norte de África e quem conhece os brasões da mesma, reconhecerá neles o escudo português e neste, as cinco Chagas de Cristo, cruzadas nos trinta dinheiros, pelos quais Nosso Senhor foi vendido aos Judeus, para ser crucificado.
Como não reconhecer o plano divino no desenrolar da história da vida deste grande Português? Como não reconhecer a influência no presente dos factos da sua existência. Um exemplo de procura de estado de graça, desde a tenra idade, a dedicação e forma fiel como serviu o reino e a coroa, o exemplo de Cristianismo e caridade puríssimos no final da sua vida… Que presença para qualquer Cristão português, que almeje a santidade. Ele a quem Fernando Pessoa na “Mensagem” marcou como sendo “A COROA” do “BRASÃO”, em resumo ”São Portugal em Ser”.
Morreu com setenta anos, a 1 de Abril de 1431. Encheu-se o largo do Carmo com o povo de Lisboa à cunha, nunca tal coisa se vira. Há homenagens fúnebres com muitas presenças, tipicamente as de chefes de estados, reis, ou pessoas poderosas, mas as mais impressionantes são aquelas às quais as pessoas aderem em peso, por se sentirem de imediato reconhecidas à pessoa falecida. Talvez por durante a sua vida as ter tocado de forma simples, mas profunda, ou, simplesmente pelos exemplos de gratuidade na forma como existiu, distribuindo, tempo, generosidade e amor, como pediu Jesus.
Disse o Cardeal Patriarca sobre São Nuno de Santa Maria, nesta cerimónia inauguração da sua estátua: “…Soube ir por diante quando muitos recuaram…Ele fez da vitória uma realidade pessoal, indo até onde nenhum ser humano pode ir…” Apenas os Santos acrescento eu.
E nem só os heróis são santos. Muitas vezes privamos com a santidade no dia-a-dia sem nos darmos conta. Não tive o privilégio de privar com o Eng. Pedro Aguiar Pinto em vida do mesmo, por ser “caloiro” no movimento. Conheci-o informalmente no Colégio São Tomás de Sete Rios, ao cumprimenta-lo quando ia buscar os netos. Quando me dirigi à missa na Igreja da Encarnação no dia do seu falecimento a 11 de Outubro de 2016, para cumprimentar o seu genro e filha que muito prezo, abri uma das portas do fundo e não consegui entrar. Havia uma parede humana que me manteve de fora até à comunhão. Quando finalmente, se abriu uma brecha na parede humana e entrei deparei-me surpreso com um ambiente que nunca havia vivido e jamais havia assistido numa missa do género. Uma multidão de pessoas a querer homenageá-lo, uma música de coro celestial e até uma luz diferente. Lembro-me de imaginar na altura, que as exéquias de São Nuno de Santa Maria, poderão ter tido algo de comum, com o ambiente que aí se vivia. Não conhecendo o Eng. Pedro Aguiar Pinto, sentia-se esse perfume a Santidade, que dizem ter envolvido a morte do Santo Contestável.