Um momento fantástico

Porque a Igreja, nesta mudança de época, é chamada a oferecer mais fortemente os sinais da presença e da proximidade de Deus

Foi assim que o Papa Francisco, na Páscoa do ano passado, explicou a razão de um Ano Santo dedicado à Misericórdia. Depois, na Bula de Proclamação, anunciou: «Na Quaresma tenho a intenção de enviar os Missionários da Misericórdia. Serão um sinal da solicitude materna da Igreja para o povo de Deus, para que se entre em profundidade na riqueza deste mistério tão fundamental para a fé».
O Frei Emiliano Antenucci é um dos mais de mil Missionários que o Papa desejou. Frei capuchinho, ordenado sacerdote em 2011 em Manoppello, naquele santuário da Santa Face onde em rapaz tinha sido incumbido durante o Verão de ser guia dos peregrinos. Trinta e seis anos, vulcânico, nasceu em Vasto, mas a sua vocação levou-o a Assis, a Foligno, a Aquila (antes e depois do terremoto), a Penne e agora a Chieti, ao convento da Mater Domini.
Durante um ano inteiro viveu em ermitérios e mosteiros espalhados por toda a Itália, para fazer pesquisas sobre o silêncio. Deste modo fundou o Curso do Silêncio, que hoje acompanha tantos jovens em Itália, no Equador, no México e noutros países onde está a ter início. «O que é tem a ver um frade com o silêncio?», ri: «É que o silêncio é o maior mestre. Quando falo com os jovens sinto muita infelicidade. Isto significa que não se consegue escutar bem aquilo que Deus nos quer dizer ». São Boaventura dizia que os frades são «operários da segunda barca». Referia-se concretamente à sua tarefa de pregar e de confessar, sustentar a vida espiritual também dos párocos. «E chamava a atenção para o facto de não se perder no administrar, organizar, manter de pé as estruturas», diz Frei Emiliano: «A coisa mais importante é curar as almas».

O que é vos pediu o Papa, ao enviar-vos?
Primeiro que tudo ser «o sinal vivo do amor do Pai». Mas isto é válido para todos os sacerdotes, todos são Missionários da Misericórdia. Ou melhor, são-no todos os cristãos, chamados a levar aquele que é “o segundo nome do amor”. É isto a misericórdia. Eu penso numa imagem precisa: no grito de Cristo na cruz. A misericórdia é uma posição do coração, em relação a si mesmo e em relação a todos. Todos. Mas só podemos ser misericordiosos porque Deus tem misericórdia de nós.

A vossa tarefa é a de «celebrar o sacramento da Reconciliação para o povo, para que o tempo de graça dado no Ano Santo permita a muitos filhos distantes reencontrarem o caminho para a casa paterna». Mas também a de ser «anunciadores da alegria do perdão».
Sim, somos chamados a confessar, com a possibilidade de absolver alguns dos pecados reservados à Santa Sé: a profanação das espécies eucarísticas, a violência física contra o Pontífice, a violação do sigilo sacramental por parte do confessor e a cumplicidade no pecado contra o sexto mandamento. Enquanto a absolvição do aborto, neste Ano Santo, é concedida a todos os sacerdotes. Para além da confissão, nós, Missionários, somos chamados também a catequizar, a pregar a misericórdia por meio das “missões ao povo” organizadas pela Diocese. Eu sinto-me particularmente ajudado nesta tarefa, porque nós, capuchinhos, podemos olhar para os nossos santos “especializados”, de São Leopoldo Mandic ao Santo Padre Pio.

O que é que lhe ensinam?
Primeiro que confessar-se não é fazer a black list. Não é sequer um bilhete para se poder aproximar da Eucaristia. Mas é um caminho de conversão. Eu prefiro chamar-lhe Reconciliação: mais ainda que Penitência ou Confissão, é o nome que evidencia o carácter fundamental deste Sacramento, que não consiste apenas na acusação dos pecados, mas no aumento da Graça. A confissão é o lugar onde se recebe a Graça. O Papa diz, de facto, que o simples facto de se ir confessar já é uma graça. Chama-se: graça do reconhecimento.

E «a própria vergonha é uma graça», diz Francisco.
Como é verdade. O véu da vergonha transforma-se em lágrimas de arrependimento e de alegria. Devemos reconhecer ser pecadores, para conhecer a misericórdia. Mas isto não quer dizer que Jesus encarnou por causa do pecado: Jesus encarnou porque nos quer bem. É muito importante. Creio que com uma certa catequese do pecado mortificámos muita gente, criámos uma espécie de “ascética da tristeza”. Pelo contrário, no princípio era a alegria, a luz, a graça. Não o pecado e as trevas.

Na Audiência com o CL, há um ano, Francisco disse: «O lugar privilegiado do encontro é a carícia da misericórdia de Jesus Cristo em relação ao meu pecado».
Sim! E isto pede-nos uma resposta livre. Pensemos naquilo que disse Léon Bloy, escritor francês: «Uma santa pode cair na lama e uma prostituta pode subir à luz». Esta é a experiência que fazemos todos nós, diante do dom da misericórdia. A parábola do Filho pródigo não tem um happy end, porque é-nos deixada a escolha: continuar um caminho de santidade ou de trevas. É uma questão de liberdade. Não se sabe como termina a história, não se sabe para onde vai o filho mais velho ou que faz o filho mais novo. Cabe a nós o final. «E o anjo retirou-se de junto Dela»: como foi o caso para a Virgem Maria depois da Anunciação. O Senhor dá-nos a Graça, os dons, faz-nos ver o bem e o mal: «Eu pus-te sobre o Monte», depois escolhe tu. E isto permite-nos também recordar que a confissão não é uma sessão de psicanálise: o sacerdote dá-te a Graça de Deus, o psicólogo não.

O que é que ajuda a viver a confissão com consciência?
A mim ajudam-me muito as três passagens que formulou o Cardeal Carlo Maria Martini: a confessio laudis, a confessio vitae, a confessio fidei. Primeiro que tudo, a confessio laudis: antes de confessar-me, devo agradecer ao Senhor por todos os dons que recebi. Por ter vida, a vocação, casa – tantos não a têm –, saúde, estudo ou trabalho, amigos… Por tudo. Tudo é dom. Por conseguinte: ter este coração grato. De resto, o pecado fundamental é propriamente estarmos «esquecidos». Estarmos esquecidos do amor de Deus. O pecado não é transgredir uma lei, mas trair o Amado e o amor que me quer bem. Depois existe a confessio vitae. O acto de confessar a um sacerdote – que é um homem como eu, pecador e frágil como eu – todas as minhas contradições, a minha miséria: miséria minha, misericórdia Tua, dizia santo Agostinho. Aquilo que me espanta é que frequentemente confessamos pecados já confessados. Não quero dizer aqueles em que caímos sempre, mas aqueles cometidos e já perdoados, que porém voltamos a trazer. Isto é porque nós não nos perdoamos a nós próprios. O drama é interior. Mas sobretudo não acreditámos no perdão de Deus. Mas este perdão não é um sentimento!

Pode explicar melhor?
Para Deus, perdoar é esquecer: aquela coisa, para Ele, tu nunca a fizeste. Mas, para nós, esta Misericórdia é um escândalo.

A confessio fidei tem a ver com isto?
Sim, estar certo, pela fé, que a misericórdia de Deus é maior que a minha miséria. Eu não sei se amanhã o sol despontará, mas sei que a misericórdia despontará primeiro que o sol. O ponto é crescer nesta certeza: Deus cobre-nos com o seu manto infinito de misericórdia, maior do que todas as nossas misérias. Ele lançou-as para o fundo do oceano.

O que está a aprender com este Ano da Misericórdia e com a missão que lhe foi confiada?
Aprendo com o Papa uma prioridade: «Sejam acolhedores. Digam ao outro: tu és amado por Deus. E se não podem dar a absolvição, deem uma bênção». Muitas pessoas afastam-se da Igreja por causa da falta de acolhimento. Então, também para mim, a primeira coisa é pôr-me à escuta. E em relação ao outro, ajudá-lo não é “dar-lhe alguma coisa”, não é dar coisas. Recordo agora um ensinamento formidável do Padre Oreste Benzi: «O pobre não é quem nada tem, mas é quem não é nada». Por isto todos somos pobres. A coisa mais verdadeira é comunicar ao outro: «Tu és importante para Deus, tu és importante para mim. Tu vales o sangue de Jesus. És uma obra de arte, preciosa aos olhos de Deus». A primeira virtude de um confessor não é olhar os pecados, mas os olhos do pecador. Escreve-o também São Francisco na Carta aos fiéis: «Não pretendais que os outros sejam cristãos melhores». E, depois, numa carta a um ministro diz: «Ainda que um irmão peque mil vezes, tu mil vezes o voltas a acolher».

Para si que experiência é a confissão? Em particular, a objectividade da qual é instrumento: o agir in persona Christi?
Para mim acolher as obras-primas que Deus fez, cada pessoa, é uma experiência fantástica. E dou-me mesmo conta que quando confesso não sou eu a falar. É um Outro que fala em mim. Tenho a memória fotográfica dos rostos, mas as coisas que digo não as recordo. Naquele momento, é o Espírito Santo. É uma experiência que faço também do outro lado: por exemplo, estava a ir confessar-me a um monge beneditino, com uma forte pergunta sobre o que é verdadeiramente a oração; começámos e ele põe-se a falar da oração. Sem que lhe tivesse dito nada. Ali, fazes experiência que é Deus a falar-te. Mas precisamente por causa disto é importante uma pessoa preparar-se para a confissão, não ir “a frio” como se faz tantas vezes, mas “a quente”. E é importante primeiro invocar o Espírito Santo: seja sobre nós mesmos, para que nos dê a graça de reconhecer os nossos pecados, seja sobre o confessor, para que lhe dê a graça e as palavras para nós.

O Papa diz que o mistério da misericórdia de Jesus é que ele “vai para além da lei e perdoa acariciando as feridas do pecado, como um confessor”.
Jesus não ajuíza com a lei, porque a lei maior é o amor. Ao contrário nós trazemos sempre connosco o medo de Deus, que Deus nos condene, nos castigue. E isto é uma responsabilidade também de como “comunicamos” Deus na Igreja. Deus não está a olhar as nossas loucuras de pecado: Deus é louco por nós. Encarnou prescindindo dos nossos pecados, Deus ama-nos prescindindo daquilo que nós fazemos. Porque nos ama como filhos. Depois, isto torna-se também um método de catequese. Falar do cristianismo como mortificação, como diminuição da vida… Pelo contrário! É um aumento de vida. Foi o que don Giussani nos ensinou, não foi?

O que é que significa para um confessor ser misericordioso?
A misericórdia não é ser bonzinho, O confessor te que ajudar a pessoa a dar-se conta do Encontro que essa a viver. Não é uma conversa entre amigos: o outro não se está a encontrar com o Frei Emiliano mas com Jesus. E quando encontras Jesus tens temor e tremor, e ao mesmo tempo estás cheio de espanto e maravilha como uma criança. Do espanto nasce uma nova forma de viver. Então o confessor não deve ser curioso – o Papa relembrou-nos isso –, mas tão pouco deve ficar mudo: deve dar palavras que sejam medicamenta. Que sejam consolo e esperança. Nós que temos que ter em conta as palavras que dizemos.

O Papa junta a misericórdia à palavra justiça e diz: “Pecadores sim, corruptos não”
Ser misericordiosos não significa abafar os escândalos com um silêncio cúmplice. O Papa diz isto também no seio da Igreja. Nós abafamos, abafamos… Mas depois são dores fortes. A corrupção vivemo-la todos quando nos habituamos ao pecado: ficamos mergulhados de tal modo, ao ponto de não nos darmos conta de fazer o mal. É preciso vigiar não se sentir nunca já no lugar. Estar atentos e vigiar, deixar-se despertar pela vida quotidiana.

Como vive como confessor a relação entre verdade e caridade?
Neste sentido, a tarefa de nós sacerdotes é também a de educar. Quero dizer com isto: conduzir o outro docemente à verdade de si próprio. Conduzir “para fora de si”: do amor sui, o amor próprio, ao amor Dei. Significa libertá-lo de si próprio: da falsa imagem de si, dos bloqueios que se traz consigo, e também libertar os dons, carismas que tem. Nós sacerdotes não devemos ser administradores do sagrado, mas educadores. Devemos santificar e discernir, mas também educar as almas. Eu tive a graça de estar um tempo na Cartuxa de Serra San Bruno, onde tinha passado André Louf, um dos maiores mestres de discernimento, que dizia: “É preciso estar ao lado de uma alma em tudo, mas sempre um passo atrás, para que em cada encruzilhada possa escolher”. Em liberdade. E depois, acho que devemos tirar do nosso vocabulário de confessores a palavra; rigidez.

Em que sentido?
A rigidez cria soldados. Deus quer-nos filhos, não soldados; um soldado obedece, mas talvez o seu coração, não; o filho é dócil e obedece por amor. Porque se sente amado.

O que é que sentiu quando foi escolhido como Missionário da Misericórdia?
Não sei quais foram os critérios da escolha, mas sei que Deus se recorda sempre de nós e de vez em quando também os nossos “superiores” se lembram de nós. Brincadeiras à parte, cada missão é um dom e um mistério de Deus. Acolhi o mandato com o Amen de Maria que se disponibiliza para o projecto de amor que Deus tem para mim. Creio que Deus não escolhe quem é capaz, mas é Ele que nos torna capazes, com a força do Espírito Santo. Que Maria nos ajude em tudo isto e nos faça descobrir em cada dia o Rosto do Filho nos rostos dos filhos, que precisam do amor do Pai “pródigo” de Misericórdia.