A Escola de Comunidade das quartas-feiras à noite

PERTO DOS QUE ESTÃO LONGE

Um dia num subúrbio de Londres com o padre JOSÉ “PEPE” CLAVERÍA. Para ver como é possível que numa sociedade ultrassecularizada a fé volte a ser credível (e atraente) também “para os pagãos”
Luca Fiore

Zoe fala claramente: “Quando dizes que frequentas a igreja, que acreditas em Deus e tentas educar os filhos de maneira cristã, acham que és louca...”. Ela é uma jovem mãe, sentada no escritório do pároco da igreja de St. Edmund Campion, em Maidenhead, um subúrbio de Londres perto de Windsor, com cem mil habitantes. O sacerdote, missionário espanhol da Fraternidade San Carlo, chama-se José Clavería, mas é conhecido como “padre Pepe”. Zoe é filha de mãe católica e casou-se na Igreja Anglicana com um homem não religioso. Quando era jovem teve uma experiência negativa da Igreja, mas actualmente reaproximou-se. Também por mérito dos filhos, matriculados na escola católica que fica em frente à paróquia do padre Pepe. “As crianças traziam para casa trabalhos de Religião e começaram a fazer perguntas que eu não sabia responder. Então pensei que eu também precisava saber um pouco mais”.
Numa Inglaterra ultrassecularizada, assim como no Ocidente de hoje, há uma sede de significado que é directamente proporcional à desconfiança em relação à Igreja. Assim, “quem tenta difundir a fé no meio dos homens pode realmente ter a impressão de ser um palhaço”, como escreveu Joseph Ratzinger em 1968 no texto Introdução ao Cristianismo citado por Julián Carrón na Jornada de Início de Ano de CL (ver Passos nov/2015). Trata-se do palhaço da parábola de Kierkegaard, enviado pelo diretor do circo em chamas para pedir ajuda no vilarejo. O palhaço já está vestido para o espectáculo e os habitantes aplaudem-no pensando tratar-se dum truque para atrair o povo ao circo. O Padre Pepe não quer colocar o nariz de palhaço; sabe que o risco de não ser entendido, de “ser tomado por louco” existe sempre. No entanto, não renuncia a tentar levar às pessoas aquilo que tem de mais caro.

Um chá. O dia do pároco de Maidenhead começa às 8h no pátio da escola primária. As crianças, de uniformes cinzentos, estão a brincar. Os pais empurram carrinhos, cumprimentam-se, alguns têm pressa, outros páram para conversar. O Padre Pepe conhece quase a metade das pessoas pois, desde a sua chegada em 2013, visitou mais de duzentas casas de paroquianos. Ainda hoje continua a fazê-lo: “A próxima noite livre na agenda é daqui a um mês”.
Às 9h30 celebra a missa quotidiana que é frequentada por algumas mães e alguns aposentados que depois vão tomar um chá nas proximidades da paróquia. Alguns ficam para uma partida de bridge, mas para amanhã está previsto um passeio pelo Tamisa. Para o almoço, o padre Pepe é convidado à casa de Daniela, uma jovem mãe da escola. Em casa, com ela, está Pippa, uma menina Down de dois anos, todos passados entre idas e vindas de hospitais. Daniela parece serena, mesmo quando arruma com delicadeza o pequeno tubo que sai do nariz da filha. “Foram meses difíceis para eles e nos vimos muitas vezes durante esse período”, conta o padre. Ele passa a tarde organizando as atividades ligadas à tarefa que o Bispo de Portsmouth lhe conferiu: é capelão de um programa diocesano de nova evangelização. À noite chegará de Londres um casal de amigos.
Tem muito trabalho, mas o que realmente encontra espaço no povo de Maidenhead? O que o conquista? Quem explica bem isso é Sam, 23 anos, que traz uma borboleta tatuada no pulso direito. Está com seu filho de 2 anos. Ela é a babá cuja história foi contada na Jornada de Início de Ano: “Pedi para fazer parte da paróquia porque alguns dos meus patrões a frequentavam. Nunca tinha visto uma abertura e uma cordialidade assim. Desejo-a para meu filho e para mim. Quero que ele possa ter alguém a quem se dirigir quando passar por tempos difíceis como aconteceu comigo. Alguém com quem falar de si, a quem fazer suas perguntas”. Sam não é batizada, tem um filho fora do casamento, nunca tinha frequentado uma comunidade cristã. No entanto, para o padre Pepe aquela jovem mulher é, sobretudo, a sua simplicidade.
Também vem daí a história do casal não casado que pede o Batismo para o filho nascido de fertilização in vitro. Padre Pepe fica tocado com as lágrimas da mulher, que não o ouviu dizer: “Você vive em pecado”, mas: “Deus nunca perdeu você de vista”. Conta o episódio durante uma homilia, na missa dominical. Explica que o coração do homem não é movido pelas regras, pela ética, mas por uma atracção. “No fim da missa duas pessoas aproximaram-se e perguntaram-me se eu tinha realmente negado o Batismo por questões morais. Não tinham entendido nada. Estamos tão habituados a reduzir tudo à ética que nos parece estranho que alguém não aja assim. Por isso, um minuto depois tinham parado de escutar, pensando já ter entendido. É difícil romper essa crosta, mas mantenho-me firme. Sem nunca justificar nada de imoral, mas centrando tudo no facto excepcional de Cristo. Sem isso o testemunho torna-se, por força, ridículo”.

Funciona ou não? O Padre Pepe observa que o empirismo não nasceu na Inglaterra por acaso: “Os ingleses são assim, perguntam-se: Funciona ou não funciona?” Muitos também se tornam católicos só por causa disso. Dizem: “Eu não sei muitas coisas, não entendo tudo, mas quando estou com vocês estou melhor”.
E parece “funcionar” para o grupo de Escola de Comunidade dos “pagãos”, como lhes chama, a brincar, o padre espanhol. Encontram-se há quase um ano às quartas-feiras à noite para ler os livros de don Giussani. No grupo participa o Rob, que nunca teve uma educação religiosa. Ele é sócio duma empresa que importa produtos alimentares e casou com uma mulher da República Dominicana. Um dia, o pároco foi a casa dele e convidou-o a participar no grupo. “Comecei a vir porque desejo perceber melhor quem é Jesus. Se sou católico? Acho que me estou a tornar...” Vem também Andria, uma eslovaca baptizada quando era pequena, que cresceu sem uma educação na fé. Casou com um mexicano e também ela, através da escola dos filhos, começou a fazer certas perguntas. Robert, casado com uma mulher católica, aceitou o convite do padre Pepe depois de ter frequentado, na paróquia, um alpha course, curso de “alfabetização cristã” dirigido aos não crentes: “Tenho a sensação de que muitos católicos não encontram, indo à igreja, aquilo que nós, não católicos, estamos a ecnontrar vindo aqui”.
Pete, gerente de uma grande loja, reaproximou-se da fé depois da morte da avó, que tanto insistira para que desde pequeno recebesse uma educação católica (ele é batizado na igreja anglicana). “Comecei a perguntar-me porque é que ela se importava tanto. Tive vontade de descobrir o que era tão importante para ela”. Petra, que sempre foi católica, diz que até agora nunca se tinha dado conta de como Cristo podia ter a ver realmente com a vida dela. E, ainda, Anna, que não é tecnicamente uma “pagã” mas, no entanto – diz –, é surpreendente ver que as perguntas são as mesmas para todos. Alguns dizem: “É melhor do que ir ao psicólogo e, além do mais, é grátis”, ou: “Aqui há a resposta para o vazio que tentava preencher com homeopatia e técnicas psicológicas”.
Anna tem duas filhas: Maggie, de 12 anos, e Martha, de 15. A mais velha começou a frequentar o grupo dos liceus que se reúne com o padre Pepe uma vez por mês. São 35 jovens. Muitos de Londres, cinco ou seis de Maidenhead. Martha está entusiasmada. Quando voltou das férias de Verão, disse à mãe: “Se eu fosse adulta entrava para o CL, de que é que está à espera para fazer isso?”. Para Anna tudo começou quando o padre Pepe pediu que recebesse em sua casa o grupo dos “pagãos”. Ela aceitou, mas durante o encontro ficou na cozinha aguçando o ouvido para ouvir do que falavam: “Fiquei maravilhada com a beleza duma noite de cânticos organizada na paróquia. Havia um clima que nunca tinha vivido. Fiquei muito curiosa”. Para ela, educada numa família católica inglesa, a fé sempre tinha sido uma coisa privada. No fim, começou a frequentar a Escola de Comunidade. A amizade aprofundou-se e, quando ficou sem trabalho, contra qualquer previsão sua, acabou por ir ajudar na paróquia. “Nunca teria pensado que o único trabalho não remunerado que já fiz ia ser o que mais me satisfaria profissionalmente”. Nestes dias, por exemplo, está a ajudar o padre Pepe a organizar uma visita a Calais, o porto na costa francesa da Mancha através do qual milhares de clandestinos tentam alcançar a Grã-Bretanha. Anna já nem se reconhece: “É incrível o que está a acontecer comigo e com a minha filha ao mesmo tempo”.
Padre Pepe, como faz para não representar o papel do palhaço de Kierkegaard? “Procuro interessar-me pelas pessoas que encontro, entender as suas vidas, os seus problemas. Vou às casas delas. Se tu não conheces a pessoa é impossível ter um relacionamento com ela de modo profundo. Mas também preciso de me envolver da maneira como sou, sem esconder a minha vulnerabilidade, as minhas perguntas. Se tenho alguma necessidade, peço ajuda. Acredito que essa partilha é o que torna possível um testemunho incisivo”.

Bonito e visível. Um envolvimento real com a vida das pessoas. Mas não só: “O que conquista mais são as coisas visíveis. A paróquia já esteve mal em termos de mobiliário e da beleza dos espaços comuns. Propus uma acção para torná-los um bocadinho mais bonitos, mas muitas pessoas foram contra. Comecei a arrumar o meu escritório. Limpei, pintei, coloquei quadros bonitos na parede. Agora, quando as pessoas entram, dizem: ‘Está muito bonito!’. Quando vêem convencem-se”. Visibilidade. Quando vemos uma coisa bonita, ela torna-se desejável. Como daquela vez em que um dos paroquianos da “velha guarda”, que há meses observava o que o novo pároco fazia, entra na igreja num sábado de manhã e vê trinta e cinco jovens de 13 a 17 anos rezando os Salmos juntos. O homem foi até padre Pepe e confessou: “Em quarenta anos nunca vi uma coisa assim aqui. Talvez você tenha razão”.
Pete, um dos “pagãos” da quarta-feira à noite, conta que aquele encontro já passou a ser a sua noite livre. Assim, ele que tem uma vida social intensa, normalmente recusa os convites dos colegas para uma noitada no bar: “Desculpem, esta noite tenho um encontro na paróquia”. Os colegas olham para ele com assombro e respeito.
Impressiona também a história do sem-abrigo argelino que o padre Pepe hospedou durante um mês em sua casa. “Quando ouvi o apelo do Papa ao acolhimento, tentei logo perceber como seria possível. Olhei em redor, perguntei aos paroquianos quem estaria disposto a hospedar alguém. O convite caiu no vazio. Depois soube deste homem que dormia debaixo duma árvore. Ficou comigo, dormiu na minha casa. De dia ajudava na paróquia, até o fiz cozinhar para a malta da Escola de Comunidade. Os paroquianos viram que era possível: renderam-se. Agora, depois de mim, vai acolhê-lo uma família. Quem sabe, talvez seja o início que levará ao nascimento da Cáritas na paróquia”.

Seguir Outro. Para o padre Pepe a “maldade dos tempos” não parece incutir medo, ao contrário. Dum certo ponto de vista, diz, é mais simples. Os distantes estão de tal forma longe que estão a voltar. “Tudo bem, hoje acontecem coisas muito tristes que são produto duma secularização profunda. No entanto, as pessoas, paradoxalmente, têm menos preconceitos, porque já não se sabe nada do cristianismo. E aqueles que se reaproximam começam a desabrochar. É belíssimo. Sobretudo para mim, porque neles vejo realmente Cristo em acção. Ainda que sejam apenas tentativas, iniciativas muito débeis que podem terminar em nada. Mas não são nada, são algo. E eu sou chamado a olhar e seguir esse algo”. Seguir? Porquê? “Sigo aquilo que Outro está a fazer neles. Deus dá-mos e o testemunho deles é uma ocasião para a minha conversão. Uma ocasião para mim”.