O QUE HÁ DE NOVO?

A trégua está periclitante, os confrontos foram reatados. Agora fala-se da “Intifada das Facas”. Mas no enervante jogo entre israelitas e palestinianos acontecem os mesmos encontros que mudam a sorte das pessoas
Andrea Avveduto

Era de esperar, qual refrão duma canção triste já ouvida e repetida. Um novo ciclo de violência tem destruído a trégua precária entre palestinianos e israelitas. Jerusalém está ferida por protestos e atentados a que os meios de comunicação social logo chamaram “Intifada das Facas”.
Tudo começa a 8 de Setembro. O ministro da Defesa israelita assina um decreto que expulsa os civis muçulmanos que guardam a mesquita de Al-Aqsa, na Esplanada. A proibição é emitida para evitar que os judeus em visita de fim de ano sejam perturbados por activistas islâmicos. Mas, em resposta a esta ordem, na noite de 12 para 13 de Setembro um grupo de palestinianos ergue barricadas diante da segunda maior mesquita do Islão e provoca a intervenção armada das forças de segurança israelitas. O confronto inflama-se rapidamente.

O JEEP E O CARCEREIRO. O auge é a 1 de Outubro: um casal israelita é morto por extremistas palestinianos durante uma viagem ao norte da Cisjordânia. Como castigo, as autoridades israelitas proíbem o acesso à Cidade Velha de Jerusalém a todos os palestinianos não residentes no bairro, provocando desordens em Israel e nos Territórios Ocupados. A 16 de Outubro é proclamada o primeiro “Dia de Raiva” e, à noite, alguns palestinianos incendeiam o túmulo do Patriarca José, em Nablus. Seguem-se ainda mais confrontos e atentados. O balanço (provisório) refere 500 árabes presos, dos quais 145 menores; quase 60 mortos e 6.000 feridos de ambas as partes.
Se realmente se trata duma nova Intifada é o que havemos de ir percebendo com o evoluir da situação. Mas era só uma questão de tempo para as soluções precárias pensadas nos salões da política serem descartadas pela frustração quotidiana. O conflito israelo-palestiniano parece, uma vez mais, não ter saída.
O que há de novo? À primeira vista, nada.
Porém, neste enervante jogo das partes, há quem deixe espaço para o diálogo com quem se encontra “do outro lado do muro”. Reunimos três histórias que, precisamente no meio desta situação, precisamente hoje, mostram uma possibilidade concreta. «Uma ponte», como recentemente a chamou o Papa, que é a única «solução».
Basam Aramin é um rapaz palestiniano, na casa dos trinta anos, vinte dos quais passados como terrorista, lutando contra o inimigo israelita. «Aos doze anos o meu melhor amigo foi morto. A partir daquele momento jurei vingança». Um ódio profundo que foi amadurecendo com os anos, depois a simpatia por Adolf Hitler. Certas companhias erradas fizeram o resto. Basam depressa acaba na prisão após ter mandado pelos ares um jeep com dois israelitas a bordo. Agredido e humilhado pelos guardas prisionais, a vida na prisão é dura. Um dia é obrigado a ver um filme sobre o Holocausto. E é aí que a sua vida muda. De repente começa a chorar. «Era a primeira vez que sentia dor pelos meus opressores. Nesse momento reencontrei parte da minha humanidade e não podia perder isso». Basam começa a mudar de comportamento, tanto que um guarda repara e lhe pergunta: «Mas como pode uma pessoa como tu fazer-se terrorista?». «Eu não sabia o que responder», conta, «mas por instinto disse-lhe: não sou um terrorista, luto pela liberdade. Se me convenceres que somos nós os colonos, então estou pronto a declará-lo diante de toda a gente». Longos segundos de silêncio, mas não daqueles embaraçadores: «Eram instantes de comoção». O início duma amizade. «Algumas vezes o guarda trazia-me bebidas à cela. E falávamos de tudo. Descobríamos constantemente coisas em comum». A mais importante? «Tínhamos uma grande ferida e uma grande dor». Presentemente o carcereiro de Basam deixou a Polícia e trabalha numa associação para a entre israelitas e palestinianos. Chama-se “Combatentes pela Paz”. Basam sorri: «Olha só onde o destino às vezes nos leva...».

A KEFIAH BRANCA. Idan Barir, por sua vez, em criança tinha ideias muito claras sobre o que iria fazer quando crescesse. «Eu tinha crescido com as imagens dos gloriosos combatentes na guerra de 1967 e não desejava outra coisa que não fosse seguir-lhes os passos. Combater os árabes pela minha terra, a terra de Israel». Alista-se poucos anos mais tarde. No exército habituam-nos a acreditar que cada palestiniano é uma ameaça. Acredita em cada palavra. «Os Palestinianos têm de ser detidos por todos os meios», era a ordem. Como bom soldado, ele obedece. «Naquela época fiz de tudo, até coisas que tenho vergonha de repetir. Os palestinianos eram o inimigo a abater, o perigo a neutralizar». O serviço militar dura três anos e muda-lhe a vida. Já não combate, mas o espírito está sempre em luta. O inimigo continua a ser o palestiniano, «o terrorista com o keffiyeh preto e branco na cabeça». Por razões de trabalho, certo dia encontra-se em Berlim. Foi lá que, jantando num restaurante, conhece o empregado de mesa: um palestiniano de Ramallah. «Contou-me o que sofrera nas prisões israelitas. Mal podia acreditar no que estava a ouvir. Sempre lutei e defendi o meu País, mas o sofrimento dele era tão humano, tão meu». Aquele rapaz que conheceu por acaso acrescenta, depois, um pormenor que o desarma completamente: «Disse que se me tivesse encontrado uns anos antes me teria matado. Ali compreendi que a violência não era a solução certa, não levava a parte nenhuma. Ódio acrescentado a outro ódio. Era de mais». Idan regressa a Jerusalém, «com os olhos do empregado de mesa sempre na cabeça». Algum tempo depois o irmão dele morre num atentado terrorista num autocarro que o levava a Tel Aviv. O perdão ao assassino chega imediatamente. «Hoje posso perdoar qualquer pessoa, porque sei que necessitado de perdão estou em primeiro lugar eu».

OS MUROS DESABAM. Também Aziz Abu Sarah costumava pensar que «a justiça era a vingança». Cresce atirando pedras aos israelitas, o irmão dele é torturado e morre em consequência dos ferimentos causados. Os anos na escola são tormentosos. «Depois, ao 18 anos, fui obrigado a aprender hebraico». É aí que conhece o inimigo duma vida. «Sentei-me na aula e vi que não havia sodados ou colonos, mas gente como eu. Começámos a falar». De música, futebol, interesses e viagens. «Descobri uma coisa surpreendente: eram como eu». Pouco tempo depois, um atentado precipita Jerusalém no caos e no ódio: um massacre de judeus. «Nesses momentos pensei: não atingiram o inimigo, mataram os meus amigos. Telefonei-lhes, um por um, para saber se estavam bem». Assim mais uma vez, durante um tiroteio em Jerusalém Oriental, na zona árabe. «O meu telefone não parava de toca: os meus colegas de curso queriam saber se eu estava bem».
Os acontecimentos destes dias não o deixam sossegado. «Todas as manhãs leio o jornal e tenho de escolher de que lado estar. Se deixar-me sufocar pelo rancor ou decidir pela paz. Tenho de decidi-lo de novo todos os dias». Como decide? «Repito a mim mesmo que o olho por olho torna o mundo cego». A lei de Talião não pode funcionar, apesar de ter sido “inventada” aqui. «A única coisa que posso fazer é perdoar». Não uma ideologia, ou um partido. Perdoa-se os homens. Rostos que antes eram desconhecidos, ou até inimigos, e que passam a ser como o teu. Necessitado de justiça, de paz. «Todos os muros caem: hoje, amanhã ou daqui a cem anos. Duram pouco ou muito tempo, mas o problema permanece e permanece com mais ódio. Os muros nunca são solução. As pontes sim». E entre os atentados e violências destes lugares dilacerados, é possível dizer: acontece, mais uma vez. Aquele milagre que na terra de Israel e Palestina se chama “encontro”.