O vendedor de automóveis

Desencadeou-se qualquer coisa dentro de Alfonso e respondeu: «Quer que lhe conte o que sucedeu este ano na escola?» Acha um bocadinho estúpido perguntar, tem quase a certeza que o outro vai declinar o convite. Mas não.

Está um lindo dia de Outono em Madrid. Alfonso sai de casa para procurar um carro novo. No concessionário é recebido por um vendedor muito simpático. Os dois discutem os modelos, equipamentos, opções. «Está ver? Este até traz mãos-livres bluetooth de série...». No meio da conversa Alfonso dá a entender, sem qualquer intenção, que é professor. No momento de se despedir, o vendedor sai-se com aquela frase estranha: «Não percebo como pode ter essa profissão. Porque desperdiça o seu tempo com esses adolescentes? É impossível mudá-los». Pela cabeça de Alfonso passa um pensamento muito simples: «Cada um ganha a sua vida como pode. Tu vendes carros, eu ensino». Mas sai-lhe aquela pergunta: «Quer que lhe conte o que sucedeu este ano na escola?»

E começa. Por aquela rapariga que numa manhã chega à aula a chorar: «Professor, não sei por que me levantei da cama. Não sei por que vivo». Ele diz-lhe simplesmente que a sua pergunta é muito valiosa e convida-a para umas férias com outros jovens. Ela nem acredita: «Está realmente a dizer-me que há outros a quem acontece o mesmo que a mim?». A partir desse momento nasceu uma grande amizade.
E aquele aluno que lhe manda um mail para lhe fazer ver que se enganou a dar-lhe uma nota: «Eu tinha-lhe dado mais, não reparei num erro. Então perguntei-lhe porque é que mo tinha dito: “Por causa da relação que temos, não posso enganá-lo”».
E assim por diante, uma história atrás da outra. «Depois às vezes», acrescenta Alfonso, «juntamente com outros professores passamos o fim-de-semana com os miúdos: ajudamo-los a estudar, almoçamos juntos, falamos da vida, vemos coisas belas...»

Quando acaba de contar, o homenzarrão de cinquenta anos está a chorar. «Não imaginava que existisse alguma coisa assim. Sabe, aos dezasseis anos parti o queixo a um professor e fui expulso da escola. A mim ninguém me quis».

Alfonso não sabe para onde olhar. Saem do stand e o vendedor continua a falar. Por duas horas. Os últimos 15 anos passados a vender carros; mas antes, durante 18 anos, as noites como porteiro em discotecas de Madrid. «Eu conheço os jovens, via-os sair dos locais tarde, a drogarem-se e, até, andar à pancada só para se divertirem. E queres saber uma coisa? Penso que todos eles estão à espera de te conhecer. Têm de te conhecer». Pede-lhe o número de telefone. Quer que os amigos dele se encontrem com ele. «A minha vida teria sido diferente se tivesse tido um professor como tu. Temos de fazer qualquer coisa juntos. O dinheiro ponho eu».

No dia seguinte, Alfonso está a sair da escola. Mochilas pesadas, vozearia, fumo de cigarros. A manhã passou-se como tantas outras, a última coisa em que pensava era o que tinha acontecido com aquele homem. Mas pára um carro do outro lado da rua. À janela o rosto sorridente do vendedor: «Então, este é que é o lugar dos milagres?»

(Imagem retirada da internet)