Em Nova Iorque, um passo de confiança
Não podia viver do que tinha em Lisboa, e escolhi viver sem muita matemática sobre o que fazer em função do tempo que lá estou. A verificação que sou chamado a fazer nesta fase da minha vida ou a faço onde estou, ou não a faço de todo!«Missa às 7 na Encarnação e depois…» é há muito uma forma de combinar programas que tem marcado uma boa parte da vida do movimento de Comunhão e Libertação em Lisboa. Foi também assim que combinei com o meu entrevistado: «Missa às 7 na Encarnação e depois falamos». O Miguel já não vive em Lisboa – desde Setembro de 2012 que está em Nova Iorque – mas veio cá em trabalho e aproveitou para ficar mais uns dias de férias.
Provisório: Para o Miguel esta é a palavra que melhor define a vida em Nova Iorque. Pergunto-lhe porquê… «Por exemplo, na casa onde vivo as pessoas estão sempre a mudar, todos os anos há alguém que sai e alguém que entra!». A grande maioria das pessoas na casa dos vinte, como o Miguel, vão para Nova Iorque para fazer ou estudar uma coisa concreta e depois quando acabam vão-se embora. No caso dele é o doutoramento em engenharia na Universidade de Columbia. «Não vives a pensar nisso, mas é uma realidade que se impõe».
Na origem daquela decisão, um critério simples e claro: «Decidi que queria fazer o doutoramento porque achei que tinha essa vocação». Uma escolha que, no contexto profissional e académico português trazia uma mudança radical de percurso: se a pouca atractividade dos doutoramentos em Portugal o levou a procurar as universidades americanas, a verdade é que «profissionalmente, escolher fazer o doutoramento nesta área é um passo grande, porque implica cortar possibilidades de ficar em Portugal, não há cá empresas neste momento que queiram doutorandos».
Google it. «Percebi que tinha de dar este passo de confiança: não interessa onde estou, que trabalho faço, etc., há sempre a possibilidade de ter uma relação com Jesus!». Uma relação que começou no liceu, em Lisboa, com um professor de religião fora do comum. Conta-me que durante os primeiros meses foi difícil, tanto na faculdade – mudou de área, o que significava que tinha de estudar o triplo para acompanhar as aulas – como em casa, «de repente tinha de fazer tudo sozinho…e tudo era difícil!». Mas as dificuldades trouxeram-lhe a humildade necessária para pedir ajuda: «às tantas queria lavar a banheira mas não sabia como se chamava o CIF lá nos EUA. E demorei algum tempo a perceber…até que pus no Google “marca CIF nos EUA”!».
Can’t Google everything... O movimento de Comunhão e Libertação é o lugar que o ajuda a ter uma relação quotidiana com Jesus, que é o que mais lhe interessa: «Percebi que quando vivo com vontade de ver o que Jesus quer de mim, tenho mais solicitações, mas é precisamente através do que o movimento me vai pedindo que cresço na relação com Jesus.
Escola de Comunidade. Daquele desejo nasceu há uns meses a Escola de Comunidade (EdC) no campus da Columbia University. Depois de algum tempo a participar noutra, apercebeu-se de que queria voltar a fazer EdC em Columbia, tal como quando fazia com o CLU em Portugal, porque assim teria mais facilidade em convidar amigos. Falou com a Elvira, uma médica neonatologista que também fazia EdC com ele, e pediu-lhe para começarem uma na universidade. Ela evitava-o e esquivava-se a responder ou dizia que não queria pensar nisso, até que lhe diz: «Pronto. Não me perguntes mais. Vou pensar a sério e quando decidir, dou-te uma resposta definitiva». Pouco depois decidiu: começavam uma nova EdC de trabalhadores em Columbia – à qual actualmente vão desde médicos e enfermeiros a investigadores e professores, entre os 20 e os 60 anos, tanto americanos como estrangeiros – e o Miguel, com 27 anos, seria o responsável.
Construir uma comunidade. «Nos primeiros três anos vivi com dois Libaneses e não era mau, eram simpáticos, não chateavam…Mas era como se vivesse sozinho; não havia necessariamente uma relação com as pessoas de casa». Neste último ano mudou para uma nova casa (da George Barry Ford Hall), e no dia em que mudou tinha programado ir lá deixar as tralhas e sair a correr para a EdC. Não contava com uma uma recepção em peso de quem já lá morava e com a pergunta desarmante: Então, vais-te embora? Tínhamos um jantar de boas vindas para ti! «Não é que achasse que antes estava mal; mas nesta casa percebi o que era viver em comunidade, somos assumidamente uma comunidade».
Esta casa existe porque a Universidade tem como política promover todas as realidades que potenciem a criação de comunidades dentro da Universidade. Como a grande maioria dos estudantes vêm de longe, preocupam-se particularmente em que se integrem. «Por causa disto, Columbia tem um acordo com a diocese de NY pelo qual cede a casa (têm imensas casas on and off campus), desde que se comprometam a construir uma comunidade, e «não se ralam minimamente se for uma comunidade religiosa, aliás há um edifício no meio do campus que foi cedido, no âmbito de um acordo semelhante, onde só há escritórios para Padres, Rabis, etc.»
New York Encounter , o rosto do CL em Nova Iorque. Tal como o MeetingLisboa, o NYE é uma criança em fase de crescimento, que o Miguel tem acompanhado a par e passo desde 2012: «No primeiro ano em que fui, apareci às 8 da manhã de 6.ª Feira como pediram aos voluntários, e fui fazendo tudo o que me diziam. No segundo ano a Marta (responsável pelas montagens) viu que eu já percebia daquilo (como se deviam montar as coisas e onde fazia sentido que estivesse cada exposição) e então mandou-me começar a distribuir o trabalho. No terceiro ano a Marta teve que se ir embora, e puseram-me responsável pela montagem do NYE. E agora pediram-me para ser o ponto de referência para os curadores das exposições do New York Encounter de 2016. «Eu disse-lhes que ia embora para o ano e por isso deviam pedir a outra pessoa. Responderam-me: para o ano logo se vê – este ano fazes tu!»
Olhando para trás. «O facto de ficar 4 anos assustava-me um bocado; porque não podia viver do que tinha em Lisboa: amigos, família, etc. E qualquer coisa que aconteça, estou sempre a um oceano de distância e vice-versa. Mas sabia que não podia estar sempre a pensar em voltar, e escolhi viver sem muita matemática sobre isto, sobre o que tenho ou não de fazer em função do tempo que lá estou, porque o que quer que Deus me queira fazer perceber tenho de o perceber lá; a verificação que sou chamado a fazer nesta fase da minha vida, sobre o trabalho e a vocação, ou a faço onde estou, ou não a faço de todo!».
O Miguel sente-se em casa. Apercebi-me disto quando relia os apontamentos da entrevista: falava de “cá” referindo-se a Nova Iorque. Mais do que isso, transparece em tudo o que me conta que a familiaridade com que fala de NY não resulta de nenhuma empatia particular com a vida na Big Apple, mas da familiaridade com Quem o levou até lá.