«Queremos estar prontos»
Eu escrevi o que vale para mim. Ou seja, que eu não me dou a vida e que, por isso, porque alguém ma dá em cada instante, é preciosa.Encontraram-se na Segunda-Feira de Páscoa para um almoço. Tendo ainda nos olhos o que tinha sucedido quatro dias antes aos seus colegas do University College de Garissa, no Quénia oriental, junto à fronteira com a Somália, com os 148 mortos no ataque terrorista dos fundamentalistas islâmicos de Al Shabab. Um grupinho de jovens do CLU de Nairobi, de várias universidades. Juntos, para estar diante da perplexidade e do medo, mas também da grande novidade que encontraram na vida.
Falam dois deles, Daisy e Eunice, estudantes de Engenharia na Jomo Kenyatta University da capital. «A seguir à Páscoa, as aulas param porque é época de exames, e quem não vive na cidade regressou a casa». Durante aquele almoço fizeram um sharing, uma partilha das suas reflexões. «Vinte e dois dos jovens de Garissa, cristãos protestantes, foram mortos enquanto rezavam. Tinham ouvido os tiros mas não interromperam», diz Daisy: «Ficamos todos muito impressionados. Podíamos ter sido nós».
Não é fatalismo: «é claro que aqui a vida já de si é mais precária. Há tempos passei por um local onde poucos minutos antes um autocarro tinha ido pelos ares», explica o padre Gabriele, missionário da Fraternidade de São Carlos no Quénia, que acompanha os jovens. Ainda por cima, agora aumenta o medo de ataques aos cristãos. Há pouco tempo, um estudante entrou numa biblioteca com um capuz na cabeça e os estudantes fugiram pelas janelas. Ou, ainda, aconteceu rebentar um transformador eléctrico na universidade e alguns estudantes morreram ao atirar-se do sétimo andar. «É diário. Podia acontecer-me a mim o que aconteceu em Garissa», explica Daisy: «Se calhar a primeira reacção é pensar como poder ficar a salvo. Mas percebemos que o ponto não é esse. Com os colegas, por Whatsapp, nos dias que se seguiram ao massacre, discutiu-se muito. Houve quem falasse de estratégia, de como limitar o número de mortos em caso de ataque: “Vamos todos direitos a eles e morrem só os da frente”, escreveu um rapaz muçulmano. Eu escrevi o que vale para mim. Ou seja, que eu não me dou a vida e que, por isso, porque alguém ma dá em cada instante, é preciosa. Podem acontecer muitas coisas, até morrer num ataque a um centro comercial ou à universidade. O risco é real. Mas por isso mesmo vivo mais intensamente. Como se constatou naquele almoço: queremos estar prontos». Todos têm o problema de viver: «Mas nem todos pensam no valor da própria vida. Só alguém, no dia seguinte em privado, me escreveu a agradecer».
Todos sentem mais medo, é evidente. No entanto não há raiva ou rancor nas palavras de Daisy. Nem nas de Eunice: «Depois dos acontecimentos de Paris, uma amiga tinha-nos recordado o apelo Papa, com o convite a rezar pela conversão dos terroristas. Ora eu, hoje, desejo que estes terroristas possam encontrar o mesmo que eu encontrei. Mas como é possível mostrar-lhes que Cristo é a resposta? Só vivendo». Viver é a única via. Um juízo que também surgiu naquele almoço, relendo o artigo de Julián Carrón sobre Paris, quando fala duma beleza desarmada que derrota a violência. Podes pensar em estratégias ou aprender o Corão em árabe, porque assim te poderias salvar, se te pusessem à prova para ver se és cristão ou não... «Mas não me interessa», diz ainda Eunice: «Se for comigo, quero apresentar-me a Deus como cristã, até ao fundo. Leal com a experiência que estou a viver. E peço que Cristo tenha realmente o poder de me fazer enfrentar todas as circunstâncias da vida. De me converter. Senão, se não for verdade para mim, que poderia eu comunicar? Não acho que a minha obrigação seja gritar “Cristo” a todos, fazendo sermões cheios de palavras... A obrigação é viver a minha vida seriamente, todos os dias, com letícia pelo facto de Cristo estar comigo. Ninguém pode dar a outro uma coisa se não a tem».