UMA PRESENÇA ESTRANHA

Nós estamos no mundo para gritar a todos os homens: “Vejam que está entre nós uma presença estranha; entre nós, aqui, agora, há uma presença estranha […]”.
Luigi Giussani

Então, para que é que estamos aqui? O motivo é duplo e o segundo é consequência do primeiro; dir-se-ia consequência ocasional, ou contingente, do primeiro. O primeiro é: nós estamos aqui para dizer que… estávamos a andar por uma estrada, ouvimos alguém, um ideólogo que falava, mas era mais que um ideólogo, porque era um tipo sério, chamava-se João Baptista. Estivemos lá a escutá-lo. A dada altura, um que ali estava connosco fez menção de ir embora, e vimos que João Baptista se deteve a olhar para o que se estava a ir embora e a um certo ponto se pôs a exclamar: “Eis o Cordeiro de Deus”. Tudo bem, um profeta fala de maneira esquisita. Mas nós dois, que estávamos ali pela primeira vez, vindos do campo, de longe, afastámo-nos do grupo e fomos no encalço daquele homem, assim, por uma curiosidade que não era curiosidade, por um interesse estranho, sabe-se lá quem no-lo meteu dentro, e Ele voltou-se para nós a um certo ponto e perguntou-nos: “O que querem?”, e nós: “Onde moras?”, e Ele: “Vinde ver”. Fomos e passámos lá todo aquele dia a vê-lo falar, porque não se entendiam as palavras que dizia, mas falava de uma certa maneira, dizia aquelas palavras de tal modo, tinha uma tal cara, que nós estávamos ali a vê-lo falar.
Quando nos viemos embora, porque era noite, fomos para casa com outra cara, olhámos para as nossas mulheres e para os nossos filhos de forma diferente, havia como que um véu entre nós e eles, o véu daquela cara, e consumia-nos o cérebro. Nessa noite nenhum de nós dormiu sossegado e no dia seguinte fomos outra vez procurá-lo. Tinha dito uma frase que nós repetimos aos nossos amigos: “Venham ver um que é o Messias que havia de vir; é o Messias, foi Ele quem disse: ‘Eu sou o Messias’”. E os nossos amigos vieram e também eles ficaram magnetizados por aquele homem. Era como se disséssemos, à noite, quando nos reuníamos à roda do lume, com os quatro peixes que havíamos apanhado na noite anterior: “Se não se acredita num homem assim, se eu não acredito num homem assim, não posso mais acreditar nos meus olhos”.

Nós estamos no mundo para gritar a todos os homens: “Vejam que está entre nós uma presença estranha; entre nós, aqui, agora, há uma presença estranha: o Mistério que faz as estrelas, que faz o mar, que faz todas as coisas […] fez-se homem, nasceu do ventre de uma mulher […]”. Nós estamos no mundo porque a nós, e não a outros, foi dado a conhecer que Deus se fez homem. Há um homem entre nós, que veio ao meio de nós há dois mil anos e ficou connosco (“Estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”), há um homem [entre nós] que é Deus. A felicidade da humanidade, a alegria da humanidade, o cumprimento dos desejos todos da humanidade é Ele que o leva até ao fim; leva-o até ao fim para aqueles que O seguem.

A consequência contingente de olhar para Ele, de O ver falar, de ouvi-Lo, de ir atrás d’Ele, de dizer a todos: “Está aqui, está aqui entre nós o Deus feito homem […]”, a consequência contingente para quem assim diz é que vive melhor – melhor –; não resolve, mas vive melhor também os problemas da sua humanidade: gosta mais da sua mulher, sabe como gostar mais dos filhos, gosta mais de si mesmo, ama os amigos mais do que os outros, olha os estranhos com uma gratuidade, com uma ternura de coração como se fossem amigos, socorre os outros nas suas necessidades como pode, como se fosse a sua necessidade, encara o tempo com esperança e, por isso, caminha com energia.

(Excertos de In cammino, Bur, p. 221-223)