A ESTRADA BELA

Há um fio condutor que percorre todas as latitudes: «Pessoas normais, com vidas normais, que mostram as quatro coisas essenciais para viver». A uma semana da apresentação do filme em Lisboa, o artigo em que os autores do vídeo pelo aniversário do Moviment
Paola Bergamini

A proposta tinha vindo de Roberto Fontolan, director do Centro Internacional de CL, há cerca de um ano: um documentário sobre os sessenta anos de vida do movimento. Monica Maggioni, jornalista, com Dario Curatolo, arquitecto, fotógrafo e art director, tinham realizado documentários importantes, entre os quais Out of Teheran, sobre os exilados iranianos, e Ward54, história dramática de soldados americanos repatriados da guerra no Iraque. Mas não é só por isso que Fontolan se dirigiu a eles. E não era só uma simples proposta de trabalho. Mónica conta:
«Há uma longa amizade que me liga ao Roberto. Nessa época, além disso, conheci directamente o padre Carrón e outras pessoas do movimento. Pediu-nos para fazermos parte de uma aventura: contar, através do nosso olhar, nós que não somos “orgânicos” ao movimento, uma história, uma vida». O desafio não era de somenos. «Eu sentia-me como um alien», explica Dario: «Para mim o CL identificava-se com aquilo que os jornais escreviam. E nem sempre eram coisas boas».
Começa um trabalho de preparação, de estudo. A leitura dos escritos de don Giussani, de Carrón e os relatos de Roberto sobre o que se passa nas comunidades em Itália e no estrangeiro.
Para Monica aquelas leituras significaram «recuperar a frescura, a verdade de Giussani que eu tinha sempre vivido por intermédio de mil interpretações e juízos».
Para Dario, «aos poucos a curiosidade aumentava. Imediatamente me impressionou o discurso sobre a beleza. Estava-se a tornar um desafio cada vez mais atractivo».

Da África ao Brasil. Logo de início o volume de trabalho é de facto grande: visionar mais de 600 vídeos provenientes do mundo inteiro. Foi Roberto que teve a ideia do relato na primeira pessoa há mais de um ano, inspirado por um exemplo americano. Antes ainda, convém saber, de Gabriele Salvatores o ter proposto para o seu Italy in a day – Un giorno da italiani (por ironia da sorte, em cartaz nestes dias). São visionados todos: do princípio ao fim, mesmo os que chegaram depois do prazo. Transparece sempre a vontade de falarem de si mesmos. De descrever uma vida normal cheia de significado, voltada para o bem. Um dado impressiona os dois autores: a intensidade das pessoas. Mónica explica: «Estou habituada a um mundo em correria, em que se fazem grandes raciocínios e ninguém se detém no que conta realmente na existência pessoal. Mas em todos os vídeos que chegaram há um fio condutor que percorre todas as latitudes: pessoas normais, com vidas normais, que pararam para pensar e puseram por ordem as quatro coisas que são essenciais à vida. E fizeram tudo isso sem “estardalhaço”. Simplesmente mostraram-no». Um exemplo no documentário é aquele senhor que, ao levar o cabaz de alimentos a uma família necessitada, diz: «Não sou nenhum herói. Estou a fazer uma coisa simples. Ocupo uma parte do meu tempo para ajudar outras pessoas. É uma coisa normal». A vida cristã é uma vida normal.
«E não só», diz Dario: «Há um outro aspecto: os protagonistas são pessoas serenas. Não há a ânsia do dramatismo, mas aflora sempre uma dimensão bela, diria alegre, da existência».
Vídeo atrás de vídeo, Monica e Dario entram nesta história. Vêem-na em directo nas viagens ao Uganda, entre as crianças da escola Luigi Giussani e as mulheres da Rose; em São Paulo com os Sem Terra e os Zerbini. E por fim na América, no New York Encounter. Para ambos é uma coisa que os afecta. Para Dario é como se se fechasse um círculo, o que tinha lido de don Giussani e Carrón e as descrições de Roberto ganham carne: a beleza e a alegria. Paradoxalmente em situações difíceis, de pobreza, de mal-estar. Conta: «Esta vontade de estar por dentro das coisas, de fazer, de resgatar-se foi uma emoção enorme. Era capaz de passar dias a falar disto. Mas sobretudo, quer no Uganda quer no Brasil, impressionou-me o caminho que as pessoas estão a fazer: nada é oferecido, a mudança é possível através de um conhecimento, diria, uma consciência da realidade».

A Grande Maçã. Monica teve a mesma percepção, ela que está habituada a viajar de uma ponta à outra do mundo pela Rai: «Ter colocado no centro de todas as obras, de todas as escolhas, de todas as acções, a pessoa, que tem uma dignidade própria, que tem o seu significado no mundo, muda totalmente a perspectiva. A fadiga, as coisas más do quotidiano não desaparecem como por encanto, regressam todas as manhãs: mas ter a noção de que é uma pessoa dentro de uma história e que estás a construir a tua história dá força para enfrentar o dia». O Uganda ficou no coração de Dario, que está a arranjar maneira de levar à escola Luigi Giussani designers famosos para um mestrado. «Para eles é mais um conhecimento Para mim é a oportunidade de me demorar um pouco por lá».
No frenesim de Manhattan, o New York Encounter é a última coisa que Dario e Monica, que se sente nova-iorquina por ter morado vários anos na Grande Maçã, esperavam ver. Têm a impressão de ser um momento de paragem, mas «depois descobre-se a energia e a tensão desta cidade». Sentem-na no encontro dos jovens com Carrón, no rés-do-chão do hotel onde está a decorrer o evento. «É uma breve passagem do vídeo. Mas nós estávamos ali a ver estes adolescentes confiando as suas interrogações existenciais na esperança de uma resposta totalizante».
«Há porém qualquer coisa que, aos poucos, traçou o rumo», esclarece Monica. «A relação com Carrón, que é foi uma descoberta contínua. Eu fui sempre eu própria: com a minha história, as minhas perplexidades, as minhas dúvidas, também sobre a realidade do movimento. Aquilo que me impressionou nele, e me acompanhou, foi, por um lado, a ausência de juízo no sentido banal do termo, ou seja, preconceito; por outro, um enorme juízo sobre as coisas. Que leva a olhar para as pessoas, para os factos, para as relações investindo toda a tua humanidade, o teu sentido crítico, colocando-te sempre numa posição diferente daquela que a mentalidade comum queria. Leva-te a ir até ao fim». «Carrón tornou-se meu amigo», diz Dario: «Esta coisa inesperada ficou-me cá dentro ao longo de todo o percurso. E a seguir».
Uma das viagens foi a Espanha para gravar a entrevista com ele. «Quisemos voltar aonde a sua história pessoal se iniciou, para procurar o sentido profundo do seu percusro. E ele foi muito paciente.
Sendo uma narrativa cronológica, a primeira luz devia ser da aurora, não outra. E a última a do pôr-do-sol».

O todo e as partes. Meses de trabalho até à montagem final. No fim de Agosto, na Assembleia de Responsáveis em La Thuile, a seguir à projecção em antestreia, Carrón dice: «É um vídeo lindo, mas para mim foi a possibilidade de uma amizade muito além daquilo a que uma simples colaboração podia levar. Por isso vos agradeço, porque não sabemos o que irá acontecer ao filme, mas aquilo de que tenho a certeza é que a amizade que começou permanece». «Isso valeu por tudo», diz Dario. Mónica acrescenta: «Foi uma aventura em que empregámos toda a nossa competência, mas foi sobretudo uma viagem de descoberta pela qual fui atravessada e por causa da qual nada é como há um ano atrás. O título, A estrada bela, refere-se a esta história, mas também à estrada pela qual caminhámos. Realmente o tudo é mais do que a soma das suas partes. Isto aplica-se a nós também».