“Verdades sobre a família podem ser estimuladas, mas não forçadas”
D. Manuel Clemente falou esta quarta-feira, no Sínodo para a Família, sobre a complexidade da família nos tempos que correm.O Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, considera que o debate em torno das grandes questões do actual Sínodo para a Família está muito em linha com o Concílio Vaticano II.
O representante do episcopado português no Sínodo pega no exemplo da discussão sobre a liberdade religiosa que marcou muito o concílio dos anos 60.
“O Concílio, num dos seus documentos mais marcantes, o da Liberdade Religiosa, resolveu um problema que se punha há mais de dois séculos: Qual era a capacidade de cada um de nós de resistir ou hesitar em relação à verdade objectiva?”
“A verdade objectiva das coisas é Deus e as coisas como Deus as quer. Para nós que acreditamos na tradição bíblica e que em Jesus Cristo está essa verdade objectiva das coisas, essa liberdade de escolher diante dessa verdade objectiva, onde é que se punha? É um problema difícil de se resolver.”
“O Vaticano II resolveu, dizendo que a verdade objectiva não está em causa, mas que dentro dessa verdade objectiva está o facto de Deus nos ter criado assim, com um percurso para a mesma verdade, que pode e deve ser estimulado e acompanhado, mas não pode ser forçado”, explica D. Manuel Clemente.
É precisamente aí que o Patriarca vê lições a tirar para a realidade actual: “Julgo que é na mesma linha que poderemos encontrar caminho em relação a estas coisas. Não pode estar em causa a verdade da família e o matrimónio. Mas ao mesmo tempo, as pessoas, em relação a esta realidade, podem ser acompanhadas e estimuladas, mas não podem ser forçadas.”
Esta quarta-feira, D. Manuel interveio nos trabalhos do Sínodo falando sobre a complexidade da família actual, conforme já tinha avançado à Renascença. “A minha intervenção foi de encontro com o que está a ser o tom geral do Sínodo, a família como realidade global, não enviesando logo para os problemas que toda a gente sabe se levantam nalguns casais e de manter ou não manter o vínculo conjugal.”
Para o também presidente da Conferência Episcopal Portuguesa não está em causa a indissolubilidade do casamento: “É óbvio que para Jesus Cristo se trata de um vínculo estável, ‘Não separe o homem o que Deus uniu’. Nós estamos a propor uma família estável, que vai muito contra o que verificamos enquanto cultura. A nossa preocupação é ver como conjugar as duas coisas.”
Uma das palavras que mais se tem ouvido nos últimos dias é o termo “gradualidade”, um conceito que permite distinguir situações irregulares por graus de gravidade ou culpabilidade. “A gradualidade não é de agora. Não pondo em questão a verdade objectiva, no caso da vida, da família e do matrimónio sacramental, a gradualidade é a nossa capacidade de, a pouco e pouco, irmos percebendo as coisas e irmo-nos obrigando a cumpri-las.”
“Aqui há um estímulo mútuo que nós nos devemos proporcionar e tem sido muito acentuada no Sínodo a necessidade de que nas comunidades cristãs isto tudo tem de ser mais catequizado, mais exposto. Quando se diz que a Igreja tem de ser uma família de famílias, isto tem de se tomar mesmo a sério”, considera D. Manuel.