TUDO É POSSÍVEL, NUM PAÍS QUE SE ESQUECEU DAS SUAS RAÍZES

Na história da Bélgica, o dia 13 de Fevereiro ficará inscrito como o dia em que a câmara de deputados adoptou, com grande maioria, o projecto-lei que permite a morte assistida aos jovens, sem limite de idade.
K. Roegiers

O alargamento da lei belga da eutanásia aos menores de idade não devia deixar ninguém indiferente. No entanto, fica-se com a impressão de foram muitos aqueles para quem o voto de 13 de Fevereiro não constituiu um tema de grande interesse. Os jornais só falaram dele com parcimónia. A decisão da igreja de organizar, a 6 de Fevereiro, uma vigília de jejum e de oração em Bruxelas foi criticada por alguns: deixem o parlamento fazer o seu trabalho, é isso a democracia!
Através desta iniciativa, a Igreja, sob o impulso do arcebispo André Léonard, quis apelar ao sentido de responsabilidade de todos os cidadãos, cristãos e outros, para provocar um último debate público. Com este objectivo, foi divulgado um documento que reunia uma série de argumentos contra o projecto-lei.

O documento sublinha o facto de que os menores que pedem a eutanásia são muito poucos. Mesmo na Holanda, que tem uma legislação aberta ao alargamento da eutanásia. Um alargamento surpreendente, uma vez que os menores de idade são considerados incapazes de decisões importantes para a sua vida económica ou afectiva! Ao alargar a possibilidade de eutanásia aos menores, corre-se o risco de aumentar artificialmente o pedido, diz ainda o documento, que em seguida chama a atenção para as possibilidades no domínio dos cuidados paliativos e sedativos com vista a aliviar o sofrimento físico e psicológico dos doentes terminais.
A transgressão do interdito fundamental de matar um inocente, prossegue o texto, abre uma porta que será difícil voltar a fechar. Ela tem tendência a abrir-se cada vez mais. A lei em vigor afastava a eutanásia dos menores de idade, a lei agora votada inclui-os. Nalguns casos, vai acabar por se presumir um consentimento que não foi dado, ou não pode ser dado. Talvez se venha a presumir esse consentimento por parte dos menores deficientes mentais, incapazes dum julgamento amadurecido e deliberado.

O movimento corre o risco de ser imparável. Já existem projectos-lei que visam abrir a eutanásia às pessoas dementes que tenham feito antecipadamente um pedido escrito. «Como solução para as inevitáveis fragilidades da existência humana, só estaremos a oferecer às pessoas dementes a decisão solitária de prever a tempo a saída deste mundo, quando os outros julgarem que esse tempo chegou». Aliás, será grande a pressão exercida sobre as pessoas idosas para apresentarem este pedido antecipado, para evitarem serem mais tarde um peso para os que os rodeiam. Também não está excluído que as considerações económicas venham um dia a recomendar indirectamente a eutanásia por motivos de finanças públicas ou solvência das instituições prestadoras de cuidados.
Os defensores da eutanásia argumentam muitas vezes que se trata duma decisão pessoal: a lei não obriga ninguém a recorrer a ela. Justamente, o documento sublinha que esta pretensa decisão individual exerce, sobretudo quando se torna um comportamento espalhado, uma terrível pressão sobre a liberdade dos signatários, bem como sobre a liberdade das instituições prestadoras de cuidados que se opões à eutanásia e, finalmente, sobre qualquer pessoa fragilizada.

Na experiência do movimento Comunhão e Libertação, don Giussani ensinou-nos que o fundamento de qualquer argumento contra a eutanásia em todas as suas formas é a dignidade absoluta de cada pessoa, que lhe vem do facto da sua dependência directa d’Aquele que lhe dá o ser e o dá a todas as coisas: Deus, definitivamente. Quando encontramos um olhar de amor sobre nós que nos permite começar a viver e a fazer experiência desta dependência fundamental que nos constitui, torna-se possível para nós encarar de forma plena a doença e a morte. Temos entre nós inúmeros testemunhos desta forma de viver. Não é uma questão de capacidades humanas, mas de abandono a Deus.