O cardeal Farrell celebra a missa nos Exercícios Espirituais da Fraternidade de CL

Ponham o vosso carisma ao serviço de toda a Igreja

«A fé em Cristo gera uma nova humanidade onde se vivem relações pacificadas e fraternas. Este é o vosso tesouro, e é também o fruto do carisma que, através de don Giussani, vos alcançou». A homilia do Cardeal Kevin Joseph Farrell nos Exercícios Espirituai
KEVIN JOSEPH FARRELL, Cardeal Prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida

Queridos irmãos e irmãs,

acabámos de ouvir o que acontece depois da ressurreição de Lázaro. Este milagre é o ápice dos “sinais” realizados por Jesus no Evangelho de João. É um milagre que reacende a esperança perante o drama mais obscuro que aflige o homem, o drama da morte, e mostra que Jesus tem poder até sobre esta.

Portanto, é um facto tão extraordinário, que deveria ter suscitado a fé em Jesus, deveria ter convencido todos, de forma definitiva, sobre a identidade e sobre a missão de Jesus como Enviado de Deus, como Filho do Altíssimo, como o próprio Deus feito homem. Mas isto não acontece.

O evangelista João refere que alguns judeus acreditaram, outros consideraram o “sinal” apenas como mais uma acusação contra Jesus e foram denunciar o ocorrido diante do Sinédrio. Foi precisamente nessa sede que foi decidido que a “razão de estado” devia prevalecer sobre a justiça.

De facto, é dito que o Sinédrio decidiu “enviá-lo à morte”, e não o condenar, pois não encontraram nele nenhum pecado, nenhum crime para condenar. Temiam, isso sim, que se criasse um movimento popular atrás de Jesus, a ponto de desencadear uma repressão violenta por parte dos romanos, a destruição do Tempo e, com ele, de toda a nação. Jesus, a partir desse momento, foi obrigado a deixar de estar com as multidões que o procuravam e retirou-se para uma região desértica.

Assistimos assim a um resultado paradoxal do milagre mais sensacional contado pelo Evangelho: Lázaro é libertado da morte, Jesus é condenado à morte; Lázaro é devolvido aos seus entes queridos e volta para o meio da sua gente, Jesus é forçado a retirar-se em solidão, longe das multidões; Lázaro volta à vida, Jesus encaminha-se para o fim da sua vida. É como se Jesus tivesse libertado Lázaro de todos os seus males e aqueles males tivessem recaído todos sobre Ele.

É este o aspeto perturbador da salvação cristã. Diante de tantos sofrimentos que afligem a existência humana, Deus não intervém “à distância” ou “do alto”, afastando do homem, e também de si mesmo, os males e das misérias.
Tornando-se homem, Deus escolheu outro caminho: Ele “assumiu” em si os males que encontrou no homem, e fazendo isso, extinguiu o seu potencial de morte. Jesus assumiu em si a solidão que encontrou em nós enxertou-a na sua união íntima com Deus. Jesus assumiu os medos e as inseguranças que encontrou em nós, unindo-as à sua confiança infinita no Pai.

Jesus assumiu em si o ódio e os rancores que encontrou em nós, unindo-os ao seu infinito amor. Jesus assumiu em si a morte que ameaça a nossa existência, unindo-a à sua plenitude de vida incorruptível. E assim “curou” a natureza humana. Ele ficou sozinho, mas deu-nos a nós a possibilidade da irmandade e da comunhão espiritual.

Ele sentiu em si a angústia do abandono, mas concedeu-nos a nós a certeza de estarmos nas mãos do Pai. Ele foi ferido pelo ódio sem motivo, mas deu-nos a nós a caridade divina, fonte de um amor sem limites. Ele morreu, mas abriu-nos as portas da vida eterna que começa já aqui, nos corações onde habita a graça.

É a “troca admirável” de que falavam os Padres da Igreja. O Nosso Salvador “tomou de nós” a solidão, a amargura do pecado, o abandono, a ingratidão, o ódio, o sofrimento e a morte, e “deu-nos em troca” a proximidade e a comunhão com Deus e com os irmãos, a reconciliação, a liberdade do mal, a alegria interior, a plenitude de vida na ressurreição.

Caríssimos, todos vocês fizeram experiência desta “troca admirável” de que os Padres falavam. O versículo de João que conduziu os vossos Exercícios Espirituais nestes dias – “Conhecemos o amor” – fala precisamente disto.

Também vocês, no encontro e no seguimento de Cristo no seio do Movimento, experimentaram como as vossas solidões, as vossas rebeliões, as mesquinhezes e o fechamento do coração, os vossos medos, as vossas “mortes” foram muitas vezes “assumidos” por Cristo no sacramento da reconciliação e nos momentos de oração comum onde o próprio Cristo se fez presente, e vocês “conheceram” então a paz, a comunhão, a confiança, a superação da morte interior que vos foram dadas “em troca”, sobretudo na celebração comum da Eucaristia, na qual Cristo se dá a si mesmo e nos torna realmente partícipes da sua natureza.

Na primeira leitura, ouvimos as grandes promessas que Ezequiel anuncia para o futuro: a reunião dos filhos de Deus dispersos, a superação da idolatria, a unificação sob um único pastor, a transformação do coração, a aliança de paz, a morada definitiva de Deus no meio do povo. Essas promessas, para nós, cumpriram-se em Jesus Cristo.

E estou seguro de que vocês também “conheceram” este cumprimento das promessas na vida da Fraternidade, ainda que de maneira imperfeita. Foi aí que vocês tiveram a possibilidade de tocar com as mãos a reunião de tantos “dispersos”; homens e mulheres que antes percorriam caminhos diferentes e agora estão reunidos por uma única fé, por uma única esperança, tendendo para um único destino.

Vivemos hoje numa cultura que está muito afastada daquilo que estas promessas anunciam: em vez da reunificação, a divisão e o conflito; em vez do reconhecimento do verdadeiro Deus, a criação de muitos ídolos falsos; em vez da aliança de paz, a violência espalhada, não só nas guerras entre nações, mas também nas relações diárias e domésticas.

Vocês, pelo contrário, “conheceram” a obra da graça e sabem que não se trata de promessas irrealizáveis. A fé em Cristo gera uma nova humanidade onde se vivem relações pacificadas e fraternas. Este é o vosso tesouro, e é também o fruto do carisma que, através de don Giussani, vos alcançou e do qual todos participam. Portanto, todos vocês têm a responsabilidade de continuar a compreender este carisma cada vez melhor e a vivê-lo plenamente.

Levem a todos, especialmente entre os jovens, o vosso testemunho de que é possível criar uma sociedade mais humana, mais justa e caridosa. Don Giussani ensinou-vos a confrontar a vida do homem com a vida de Cristo e a encontrar n’Ele as
respostas que todos procuramos, e sobretudo a receber o impulso e a força que faltam à nossa débil vontade.

Vocês têm uma longa tradição de presença no mundo da educação e nas escolas de todos os graus. Aqui se encontra um dos campos de aplicação mais fecundos e originais do vosso carisma, que vos torna capazes de falar ao coração dos jovens e de identificar com autenticidade e empatia as suas perguntas, as suas aspirações.

Aproveitem plenamente essa riqueza de experiência que têm nas escolas e no percurso de educação na fé dos jovens, não se “retirem” desse campo de missão, tão difícil, mas também tão cheio de satisfações e de resultados surpreendentes.

O Santo Padre disse várias vezes aos movimentos eclesiais que o seu carisma deve ser levado a todos os homens, deve ser partilhado com todos e colocado ao serviço da missão universal da Igreja. Por exemplo, disse à Renovação Carismática Católica que levasse a todos o “Batismo no Espírito Santo”, tão típico do carisma deles, e que fizessem experimentá-lo também as pessoas de fora do grupo. Trata-se de um grande desafio também para vocês.

A Fraternidade de Comunhão e Libertação também poderia perguntar-se: qual é a especificidade do nosso carisma? E como podemos pô-la a serviço da Igreja, como levá-la a todos, inclusive a quem está fora do Movimento? O Senhor vos iluminará e vos guiará para compreenderem como fazer para cumprir essa tarefa.

Caríssimos, na iminência das celebrações pascais, pedimos o auxílio do Senhor e a intercessão da Virgem Maria para experimentarmos a força da Ressurreição de Cristo, a fim de que se torne em nós o início de uma vida nova.

Ámen.