Qual é o caminho?

Um artigo sobre a entrevista a Giorgio Vittadini e o vídeo do encontro. Uma reflexão sobre a situação económica e social em tempos de pandemia.
Luís Martins

Giorgio Vittadini, criou em 2002 a “Fondazioni per la Sussidarità”, instituição que dirige, e que tem como objetivo principal o aprofundamento da Subsidiariedade, um dos pilares da Doutrina Social da Igreja. O seu foco é a sustentabilidade da economia, mas colocando sempre a pessoa, nesta perspetiva subsidiária, no centro da organização económica, e os seus contributos reconhecidos e valorizados.

Vittadini foi a personalidade escolhida pela Companhia das Obras para nos responder à questão primordial de saber qual é o caminho que devemos trilhar nas nossas vidas nestes tempos de pandemia. Para isso propusemos-lhe uma reflexão sobre a situação económica e social que atualmente vivemos.

O Presidente da CDO, Rodolfo Valentim, conduziu a entrevista, e lançou um primeiro enquadramento: “É um facto incontestável que a situação mundial gerada pela pandemia está a ser um grande desafio para todos nós, para as obras e empresas em particular. Como dizia o Prof. César das Neves em intervenção recente sobre o tema, esta crise provocada pela pandemia “manifesta-se muito desigual, quer dizer, os mais pobres são mais afetados”. Por outro lado, vemos um Estado “muito pegajoso” e com “muita dificuldade em sair de cena”. Por outro lado, o Padre Julián Carrón deixava bem claro o princípio de que “só sairemos mudados se começarmos a mudar agora”.

Questionado sobre se os problemas económico-sociais que estamos a enfrentar são fruto desta pandemia, ou simplesmente já existiam e foram agravados por ela, Vittadini defende que a pandemia “fez emergir a crise do humano que já existia nos anos anteriores”, e isto porque “havia uma grande insegurança humana e pessoal que agora explodiu”, motivada pela chamada “economia de rapina”, afinal a base de sustentação da economia que vimos desenvolvendo desde há séculos – e também falada pelo Papa na encíclica Laudato Sì - isto é, assente “sobre o egoísmo, sobre o individualismo, sobre a violência, sobre a destruição do ambiente”. E a saída passa pela abertura do homem, através de “uma posição baseada no desejo”.

Este tema da necessidade de desejo na nossa vida está diretamente relacionado com a forma como encaramos o trabalho e com o valor que atualmente damos às obras e às empresas. Vittadini aponta a falta de amor como o centro da crise. “Falta consciência do valor do trabalho porque já não amamos nada. Não se ama o homem e não se ama Deus. E por isso não tens vontade de tornar o mundo melhor”. E lembra uma frase forte de Don Giussani “o desejo põe em movimento o motor”. E acrescenta “Se tu queres fazer renascer o valor do trabalho tens de centrar-te no tema do desejo de viver”. E isto, diz-nos Vittadini, tem como corolário não se fazer aquilo que o Papa chama o “descarte”, isto é, desenvolvimento, mas sem trabalho, economia sem ambiente ou sem velhos ou doentes, ou ainda sem família. E lembra o que Kenneth Arrow, prémio Nobel da economia em 1972, disse a propósito da questão de ser possível ou não conciliar a utilidade individual com o bem-estar coletivo. Arrow dizia que o bem-estar coletivo seria impossível se não houvesse renuncia à captura total dos lucros. Isto é, se aceitarmos que as pessoas à nossa volta podem beneficiar, usufruir dos recursos, então é possível um bem-estar coletivo. Vittadini concorda e sublinha que, sendo a economia necessária, temos de aceitar a existência dos outros. A partir desta premissa, e na procura de uma nova economia que não contenha sementes de destruição, injustiça e desigualdade, devemos apontar para uma economia sustentável, que “não é só o ambiente, mas é o trabalho, a igualdade, a igualdade de género, as cidades habitáveis, a luta contra a pobreza”. Ou seja, e lembrando as ideias de Giussani, é necessário demonstrar que é possível fazer empresas e obras sem renunciar ao humano, e que se devem ajudar todos aqueles que pensam desta forma na vida social e económica.

Um outro tema muito presente atualmente é o papel do Estado na sociedade. E justifica-se esta referência porque, de facto, o peso do Estado, na sequência da intervenção ao nível da gestão e controle da pandemia, tem crescido muitíssimo. Questionado sobre este tema, e como se deve operar a ligação com a sociedade civil e a iniciativa privada, Vittadini lembrou a realidade de Silicon Valley, composta por empresas privadas, das mais desenvolvidas do mundo, mas que foram ajudadas e fortemente apoiadas pelo Estado da Califórnia e pelo próprio Estado Federal norte americano. Esta ligação é fundamental. Mas, não percamos o foco: “no princípio está o desejo. Sem o desejo não existe nada. Por isso, a nossa primeira tarefa é educativa. Fazer nascer o desejo”. Vittadini perante a pergunta que, a este propósito, faz Don Giussani: “Mas um homem como este (com desejo), o que é que se põe a fazer?”, responde: ”Junta-se com outros: corpos intermédios, a subsidiariedade, faz uma empresa, uma associação, uma IPSS, faz um centro cultural. Tantas empresas nascem daqui.” E acrescenta: “O que é que o Steve Jobs fez? Percebeu que se não fizesse uma coisa como este telemóvel, as pessoas não iam usar a informática.” Assim como Don Bosco “que, no meio dos jovens inadaptados de Turim da sua época, inventou a formação profissional. Ou seja, as pessoas cheias de desejo juntam-se e fazem obras”. E é neste ponto que o Estado deve entrar, ajudando aquilo que funciona. “E depois, vendo que alguns são mais pobres, intervém para remediar essa pobreza. É o welfare state europeu.”

Mas como, nestes tempos de crise, podemos discernir o tempo presente, para podermos ser pessoas livres com desejo de amar e de fazer? Vittadini recorda-se do testemunho de Mikel Azurmendi na entrevista que concedeu ao jornalista Fernando de Haro, para a edição do Meeting de Rimini de 2020, na linha aliás daquilo que ele próprio sentiu aquando do seu encontro com o Movimento Comunhão e Libertação: a liberdade sente-se imediatamente quando identificamos uma “tribo”, “um lugar onde há a verdade”. E continua: “Claro que em cada dia tens de conquistar essa liberdade porque acontece no meio de uma confusão. Uns dias estás em cima, outros estás em baixo, mas já há uma experiência de novidade no presente. Nós devemos encontrar todos os homens que desejam, todos os homens que já trabalham para isso. Na crise é preciso partir dos factos novos. E o primeiro facto novo somos nós.” Mas também temos de reconhecer aquilo que já é novo. E quando erramos e reconhecemos que erramos, isso é novo, “porque uma pessoa que reconhece que erra é uma pessoa que deseja”. Reconheçamos, pois, “o novo que já está em ação, até no meio da crise.”

A propósito das dificuldades da governação nestes tempos de incerteza e dúvida, Vittadini aponta o caminho da humildade. A humildade de se assumir que não se sabe a resposta. E quando não sabemos, o que devemos fazer? Devemos juntar-nos aos outros. “Se tu não sabes, tens de ser humilde e ouvir todos”. Isto é, ligado ao desejo, deve haver uma tentativa de ouvir o outro. Este desejo de unidade nasce do eu.” Nós não nos salvamos sozinhos! Quando Hitler atacou a Inglaterra, Churchill formou um governo de unidade nacional. O mesmo acontece na Alemanha, onde, porque ninguém tem a maioria, formaram-se governos de coligação. E um ótimo exemplo é o da Itália do pós-guerra, em 1948, em que o Partido Comunista e o Partido da Democracia Cristã se juntaram para governar, para tirar a Itália da pobreza e evitar uma guerra civil. Hoje, em que é tão necessária uma unidade e um sentido de colaboração, temos de fazer o mesmo. Como nos disse o Padre Carrón num artigo publicado no jornal La Repubblica, “o outro é um bem.”

Questionado sobre se, nos tempos que correm, temos um problema de educação, que nos pode remeter para uma redução do desejo, Vittadini recorda-nos a importância, lembrada insistentemente por Carrón, da necessidade de encontrar “lugares onde não se desista todos os dias de fazer emergir o desejo. É preciso reconstruir o desejo. Se tu disseres a um empresário: ‘Ouve, deseja!’, a um político ‘Deseja, parte do teu desejo!’, a um médico que tem de tratar dos que têm Covid ‘Deseja!’, isto, no tempo, vai construir a sociedade. E estas pessoas vão juntar-se para se ajudarem.” E insiste na importância do outro: “não sei como é que vos acontece, mas eu, todos os dias, vou-me abaixo. A redução do desejo acontece comigo. Para eu me mexer, para construir, preciso de alguém que me diga continuamente ‘alarga o olhar’.” Assim, ao ter o desejo de fazer algo de que não verei reconhecimento, conseguirei “amar o bem-comum.”

E concluindo, Vittadini recorda-nos a resposta de don Giussani a um empresário que lhe perguntava se podia ter empresas grandes, ter poder: “Claro que sim. Mas olha que, quando a árvore se torna grande tem de afundar as raízes. Porque senão, primeiro, os frutos não prestam, e depois cai a árvore.


Veja o video do encontro:



Giorgio Vittadini, nasceu em Milão em 1956. É licenciado em Economia e doutorado em Estatística. Ensina esta disciplina na Universidade de Milão – Bicocca.