Uma amizade improvável

Aveiro é uma das primeiras comunidades em Portugal. Depois de 30 anos há muitos que estão desde o início. Mas também os mais recentes, como a Carol...

A Carol conta-nos: o Senhor pede apenas que meu coração esteja aberto ao que Ele propõe. Por exemplo, a improvável amizade com o padre José. Com ele, percebi que "o Senhor não deixa perder nenhum dos nossos desejos, nem mesmo os desejos antigos!". Carol é brasileira, encontrou o movimento no Brasil, em Manaus, e está a fazer o pós-doutoramento em Aveiro. Começou a ir à casa sacerdotal para ir à missa e tornou-se amiga do padre Zé, que tem 89 anos. A certa altura, percebeu que aquele padre estava interessado na história da catequese, tinha escrito livros sobre a história da catequese, sobre como a fé é transmitida em todo o mundo a diferentes culturas e o convidou-o para ir ao Brasil, à Amazónia, e ele disse logo que sim! Porquê? O padre Zé tinha estado no Brasil, em novo, mas nunca na Amazónia, e o desejo de um dia ir à Amazónia "permaneceu no fundo do coração". Então a Carol, ajudada pela restante comunidade de Aveiro, levou-o a Manaus, onde o padre Zé encontrou os pais da Carol e Dom Giuliano Frigeni, bispo de Parintins, amigo que o recebeu e lhe deu a conhecer a sua querida Amazónia.

De volta a Portugal, o padre Zé sofreu um acidente e caiu, tendo de estar agora numa cadeira de rodas. O padre Zé participa no movimento, e no último encontro, apareceu na sua cadeira de rodas e iniciou a sua intervenção dizendo: "O movimento", que é uma maneira de dizer que já se sente do movimento.

Conta ainda a Carol: “Nesse período de Corona Vírus, por causa da quarentena, a casa Sacerdotal, local onde vive o Padre Zé, fechou assuas portas há mais de 20 dias. Eu encontrava com o Padre José quase todos os dias, e compartilhávamos além da amizade, minhas confissões e amadurecimento espiritual. Nestes dias me vi sem meu amigo e tenho feito muita memória dele, apesar de lhe ligar quase todos os dias. Pensar que Deus deixou-nos viver essa experiência de amizade antes de permitir o seu isolamento. Rezo todos os dias pelo Padre José e peço por um milagre para mantê-lo vivo diante de uma pandemia dessas. O meu coração fica aflito, sinto o mesmo sentimento de quando a Chiara estava na UTI quando nasceu prematura. Um completo abandono e quando penso na fragilidade do Padre José e na graça de uma amizade e amor tão intenso que Deus me permitiu viver, penso o quanto sou amada neste abandonar-se. Às vezes quando vejo os números de mortos na TV e o desespero me domina, penso logo no Padre José e em algo que ele não cansava de me dizer: “Pedi e recebereis, bateis e se abrireis.”

No dia 27, quando o Papa fez a homília na praça São Pedro, pensei no imenso barco em que estamos, em meio ao mar revolto, muitos homens já ao mar, pois caíram no desespero, outros agarrados ao convés, sem esperanças, presos apenas à limpezas das mãos, mas sem olhar de fato para Aquele único que poderá acalmar o mar. E tem eu e muitos outros cristãos que com seus bons pastores (Padres como padre José) nos fazem olhar para Cristo que dorme, nos fazem clamar por Ele. “Pedi e recebereis”. Peço a Deus para me permitir aprofundar a minha fé no abandono total, mesmo com o coração cheio de medos, medo pelos meus pais que estão longe, medo pelo meu amigo Padre José, pelos meus amigos que estão longe. Mas até meus medos o Senhor conhece e se eu me entregar a Ele, até esse medo será fruto de graça. Deus dá a vida e só Ele pode tirar.”



Transcrevemos a carta “falada” que Dom Giuliano enviou ao Padre Zé, no seguimento daquela visita, ao saber da sua queda, e a carta do Padre Zé.

Carta de Dom Giuliano

Nos dias 3, 4 e 5 de setembro eu tive a agradável visita de Padre José Belinquete com a companhia do nosso amigo Anderson. Logo que eu o vi, na idade dele, descer do avião, usar uma cadeira de rodas para não atrasar a chegada no hall do aeroporto, eu disse: meu Deus, como ele vai conseguir, amanhã dia 4 de setembro de 2019, chegar até à última aldeia cabocla? E na primeira aldeia indígena no Rio Uaicurapá? Mas surpreendi pelo olhar e pelo abraço do Padre José, a vida da gente, a missão da gente.
Tendo recebido já os livros sobre a catequese, escritos por ele, e também sobre o ensino religioso nas escolas, já sabia que eu estava na frente de um homem de uma cultura extraordinária. Eu me senti acompanhado naqueles dias, naquelas hora, naquela viagem por um homem como São Paulo, que tinha no coração somente o desejo de comunicar a beleza da novidade que é Cristo Jesus e nós tivemos uma grande sorte, Deus nos ajudou naquele dia sem chuva, com um sol que iluminava a criação amazónica.
Eu vi nos olhos do Padre José aquele maravilhamento que tocou Adão e Eva diante da Criação, que toca o coração das crianças quando se deparam com algo de muito belo; eu também nunca tinha visto certos factos que aconteceram naquele dia. Deus nos abençoou naquela viagem, mostrando para o Padre José, para mim e para Anderson coisas que nesses 40 anos de Amazónia eu nunca tinha visto. Sabia que existiam, como a gente sabe que existem maravilhas no mundo e aí aprendemos assim, a nos admirar um do outro, juntos nos admirarmos da beleza da própria natureza, assim como Papa Francisco falava na Laudato si’.

Tivemos a graça de ser recebidos por uma comunidade de caboclos, por uma mulher catequista, chefe da comunidade, que tinha conhecido há vinte anos atrás quando cheguei aqui em Parintins e com quem trabalhei há mais de dez anos na pastoral do menor. Então fomos recebidos lá longe, dentro do mato, como se estivéssemos na casa dela, aqui na cidade. Mas nós sentimos que a cidade mesmo era aquelas pessoas felizes de nos receber: nos receberam, nos proporcionaram um café da manhã, usando todos os recursos da floresta, da criatividade e eles contavam a vida deles enquanto tomamos café. Depois tivemos a graça de chegar numa comunidade indígena e lá vimos o desejo daquela comunidade de construir uma capela em alvenaria, já estava bem adiantada a construção e tive a oportunidade do Padre José poder falar umas palavras para o povo, muito simples. E foi inesquecível para mim quando conversando com essa comunidade pedi às crianças e todos os adultos para rezarmos juntos a oração que Jesus nos ensinou e nunca vou esquecer, não somente o olhar de Padre José, mas também de uma criança, talvez de 9 ou 10 anos, 11 talvez, com uma devoção, que eu com 72 anos nunca tive rezando o Pai Nosso. No meu coração pedi a Deus que escolhesse um desses meninos para ser um dia padre lá naquela aldeia.
E depois fomos visitando as pessoas e Padre José como São Paulo se alegrava de todos aqueles que tinham dentro de si a alegria de encontrar o padre, o bispo, esse visitante como se o estivessem esperando há décadas e décadas. Então foi para mim, eu acredito que para o padre José também, algo de profundamente gratuito, belo. É aquilo que o Papa Francisco coloca na sua primeira carta, Evangelii gaudium, a alegria do Evangelho, que é o encontro de pessoas de idades diferentes, de culturas diferentes, mas que se encontram lá no fundo da simplicidade.

Então eu agradeço muito pelo presente que Carol e Anderson trouxeram para mim e eu não posso esquecê-lo nunca mais, por isso fiquei preocupado quando ouvi que estava doente, mas graças a Deus, Carol me está dando a certeza que já se recuperou.
Eu vi lá em Lisboa um monumento onde estavam representados os que iam para o mundo novo nos navios, soldados e tudo, e sempre tinha um frade, um padre que acompanhava. Eu vi em padre José como um dos membros daquele navio, que vinham não para conquistar uma nova terra, mas para oferecer a alegria do encontro com Jesus, assim como ele coloca nos livros que escreveu quando pensa na catequese e no ensino nas escolas. Eu não pensava que um homem de tanta cultura pudesse aguentar a fadiga daquela viagem, mas aquela cultura é uma cultura verdadeira. Uma cultura de quem abre a mente e o coração ao novo.

E para mim foi uma novidade muito agradável, inesquecível e que Deus abençoe todo o trabalho que ele fez neste novo Natal. E que abençoe também a Carol, Anderson e Chiara por terem se tornado amigos. Porque é um tesouro muito grande que vocês partilharam comigo e eu agradeço muito. Um presente neste ano, antecipando a beleza do encontro com o Papa que por três semanas mostrou o mesmo olhar, a mesma atenção que o padre José usava para encontrar a Amazónia e o povo amazónico. O Papa dava ouvidos com o seu olhar, com o seu coração, anotava as coisas, por três semanas nos ensinou a viver a Amazónia com a mesma atitude que eu vi naquele dia de convivência com o padre José. Evangelizar começa assim, se admirar da obra de Deus, das pessoas, da natureza, da simplicidade e da grandeza que é o Evangelho e que é algo que interessa a todos e por isso cria, constrói em nós uma fraternidade que o tempo não destrói, porque Jesus, o Natal, é o eterno que entrou no tempo e quem o encontra nunca mais O esquece. Quem encontrou Paulo nunca mais o esqueceu e nunca mais vou esquecer padre José. Obrigado, parabéns e continue rezando por nós.

Dom Giuliano Frigeni
16/12/2019

Um encontro inesperado (carta do Pe. José)

Já conhecia um pouco o Senhor Dom Giuliano pelas informações que me foram dadas pela nossa amiga Carol. Mas tive a feliz oportunidade de o conhecer pessoalmente. À medida que o ia acompanhando em várias atividades da sua ação pastoral fui conhecendo melhor a sua pessoa, a sua personalidade e a sua ação pastoral e fui descobrindo algumas das muitas qualidades manifestadas na sua ação pastoral, uma das quais se me destacou foi a sua evangelização imediata, encarnada na cultura do seu país, a simplicidade e facilidade da relação, aberto, agradável, simpático, com adultos, jovens ou crianças. A sua pessoa e a sua personalidade são naturalmente simpáticas e atraentes para através dele as pessoas chegarem a Jesus Cristo; a facilidade e simpatia com que dialogava com os membros adultos da sua diocese, tanto os da cidade como os povos indígenas.
A Beleza da Natureza enquadrava-se bem na beleza da ação pastoral de Dom Giuliano.
Foi para mim gratificante ter convivido de perto com o Senhor Dom Giuliano.
Durante os três dias que convivi com ele facilmente se criou entre nós os dois uma simpatia, apreço, estima e amizade.
Foi mais um admirador que se tornou também um amigo.