O método de Cristo para que possamos “viver a vida em pleno”
Um relato do encontro promovido pela CNAL (Conferência Nacional de Apostolado de Leigos), que teve lugar em Santarém no passado dia 23 de novembro.A propósito da “Praça Central” – o encontro promovido pela CNAL (Conferência Nacional de Apostolado de Leigos), que teve lugar em Santarém no passado dia 23 de novembro – , Portugal recebeu a visita de Pietro Sarubbi, o actor italiano que fez de Barrabás no filme A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson.
Perante um auditório de cerca de 600 pessoas, Sarubbi relatou o acontecimento fulgurante da sua conversão, acontecida durante as filmagens da cena em que Pilatos pergunta à multidão se prefere que liberte Jesus ou Barrabás. No momento em que, decidida a libertação de Barrabás, Jesus – na pessoa de Jim Caviezel – o olha com misericórdia, Pietro Sarubbi encontra “outro” olhar, um olhar que o atravessa e muda para sempre. De início incapaz de perceber completamente a inesperada novidade que entrara na sua vida, é através da amizade de um padre que Pietro Sarubbi inicia o caminho que o levará à igreja. E assim, depois de ter aceitado um papel que julgara pouco interessante por não ter falas, não durar mais do que poucos minutos e acontecer num filme “religioso”, Sarubbi vê-se incapaz de calar o facto extraordinário que o arrebatou, comunicando a todos o fascínio da iniciativa de Cristo em relação à sua vida – e, em consequência disso, vindo a perder os vários contratos de trabalho que tinha na indústria cinematográfica, visceralmente avessa a essa pertença totalizante que torna um homem verdadeiramente livre.
O mote do encontro de Santarém, que se propôs reflectir sobre o valor da santidade nos dias de hoje e que juntou pessoas de todos os movimentos, associações e obras católicos de Portugal, foi dado pela frase “Prometo viver a vida, em pleno e até ao fim”, escrita por Etty Hillesum, a jovem judia nascida em Amsterdão, que registou no seu diário a experiência vivida no campo de concentração de Aschwitz, onde viria a morrer antes de completar 30 anos; como fundamental documento de trabalho, foi proposto previamente a todos o estudo da encíclica papal “Gaudete et exsultate”, testemunha do modo como o conceito de santidade cristão se enraiza na confiança e na alegria de quem sabe ter por Pai o Senhor omnipotente e bom.
O programa do dia – que foi antecedido, em Santarém, de um mês intenso, com um conjunto de actividades que foram desde vários momentos de oração a encontros sobre ciência, sobre trabalho, sobre ecologia e natureza, até a um opíparo “jantar de Babette” – propôs um debate inicial (entre o Pe. José Frazão Correia, Provincial dos Jesuítas, e a reitora da UCP, Isabel Capeloa Gil) e, depois do testemunho de Pietro Sarubbi, a lição da Subsecretária do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, Linda Ghisoni. Na parte da tarde tiveram lugar diversos worskshops – cuja variedade de temas e abordagens pretendeu favorecer a liberdade dos participantes, na flexão oferecida sobre o valor da santidade na vida quotidiana, na responsabilidade pública, na comunhão da igreja.
Muitos foram os momentos de possibilidade de confirmação na fé, de aprofundamento da experiência e do valor da unidade da igreja dentro da variedade dos diversos carismas, de reflexão sobre o papel dos cristãos no mundo actual. O Padre José Frazão sublinhou a concretude da santidade, que nasce da gratidão e da convicção de que somos amados, e lembrou a dimensão de ousadia que envolve, a qual é paradoxalmente correspondente ao humano. O pecado, explicou, significa “ficar aquém da possibilidade”, tem a tristeza do que podia ter sido, do risco não assumido como condição existencial. Na conferência que fechou a manhã, Linda Ghisoni falou da vocação à santidade como “um chamamento que contém em si a missão específica para cada um de nós”, feita de escolhas perante Deus e necessariamente vivida numa “trama de relações”, porque a fé não é uma experiência subjectiva ou individual, deve ser vivida numa “dinâmica popular”, como diz o Papa Francisco, ou seja, dentro de um povo, no contexto de uma amizade guiada para o Destino.
Noutros âmbitos falou-se da tensão entre a liberdade e a obediência, e do valor da arte como força de transformação da vida e de abertura constante a novas possibilidades, como dizia Simone Weil, a qual insistia na necessidade de nos treinarmos no olhar e na atenção; atenção para podermos reconhecer Cristo, que, como sublinhou o Padre Alexandre Palma, é “a nossa fonte e o nosso horizonte”, e para não perder da vista nem do coração os irmãos, pois a santidade é “caridade encarnada”.
Sublinhando a riqueza deste encontro, após a missa celebrada pelo Senhor Núncio Apostólico, o Bispo de Santarém, D. José Traquina, destacou o testemunho de Pietro Sarubbi enquanto facto inesquecível para todos os presentes. Na simplicidade da sua intervenção, Sarubbi tornou luminosa e imponente a força “co-movente” de um homem transformado pelo encontro real com Jesus e assim tornado capaz de “viver a vida em pleno e até ao fim” – não apenas como propósito sincero de um coração corajoso e leal com a experiência humana, mas atravessado por esse acontecimento incomparável que revela o homem a si mesmo e o torna protagonista da própria vida, desejoso de prosseguir, com alegria, esse “caminho do olhar” que o leva a “alcançar o verdadeiro significado daquilo que começou a entrever”.