Comentário a “O despertar do humano” de Julián Carrón

Só aceitando “o chamamento que vem da realidade”, a condição única para reconhecer o Mistério, podemos continuar a nossa peregrinação, a nossa vida.

Eu que fui marinheiro, que dei a volta ao mundo navegando um “mar sem fim” e a quem muito agradava subir à ponte do navio, ocupar o lugar do vigia e dar livre curso à imaginação para além do limite do horizonte, sinto-me agora cercado por um nevoeiro espesso e insondável.

O que há de mais desconcertante no novo acontecimento é a incapacidade de discernir como será o mundo nos tempos que se avizinham. Se “somos peregrinos na terra”, como será a nossa peregrinação? Quem nos acompanhará? Como poderemos comunicar com eles? Porque é na comunicação, naquilo que se “põe em comum”, que o humano desperta.

Um acaso nas quase infinitas combinações possíveis dos elementos da natureza, gerou em animais, um agente que mesmo quando nos atinge é ao animal, em nós, que atinge. Só quando nos damos conta e nos comparamos com os outros, é que o humano assume forma.

Este acontecimento tem pelo menos, nesta vertente, a capacidade de nos tornar mais irmãos, mais iguais. Não há possibilidade de alcançar uma posição de privilégio nem conseguir fugir para um local que garanta a sobrevivência individual. O único reduto que nos pode de algum modo proteger é, paradoxalmente, o nosso próprio lar. Quem vive só sentirá ainda mais agudamente o cerco a que fica sujeito. Está no centro de um mundo físico hostil, que nos impele a afastar o meio humano.

O que antes era curiosidade, brincadeira, jogo ou mensageiro, a comunicação eletrónica, tornou-se a “tábua de salvação” de muitos de nós. É já humana, mas é mera representação. Só trazendo o outro para o centro deste nosso novo mundo cercado, poderemos superar a solidão das mensagens. Só aceitando “o chamamento que vem da realidade”, a condição única para reconhecer o Mistério, podemos continuar a nossa peregrinação, a nossa vida.

Cercado pelo mais espesso dos nevoeiros, o homem do leme tem de manter o rumo. Não é fácil, a todo o tempo é necessário corrigir os desvios e as tentações. O mar e o vento causam a deriva e o nevoeiro oculta o que de facto importa. Para se seguir Cristo no rumo certo, temos de ir ao encontro do outro, seja ele quem for, seja onde for.
Manuel, Lisboa