Onde repousa o coração

Confrontei-me cá em casa com um dado imprevisto que irrompeu na nossa vida quotidiana. Essa mudança impôs uma mudança drástica no estilo de vida, suscitando perguntas.

Logo no início, a 11 de março, a escola dos nossos filhos fechou e a primeira pergunta face à inexistência de respostas foi, e agora, o que é que vai acontecer?
Telefono a um Padre meu amigo para me confessar e diz-me que as igrejas vão fechar. Subo a escada até casa com as lágrimas a escorrerem-me pela cara abaixo. Podiam-me tirar tudo menos a confissão e a comunhão!
Porquê? Porquê comigo? Porque tenho de sofrer?

De repente ficámos 2 pessoas em casa em teletrabalho e 5 crianças entre os 4 e os 13 anos, sem aulas no inicio mas com professores a enviarem-lhes trabalhos diariamente. Fique desesperado: não conseguia responder à situação.

Como ia arranjar de um dia para o outro 5 computadores para cada filho?
Falei com a Diretora da Escola a minha inquietação. E foi perante esta Presença verdadeira e amiga que fui posto no lugar quando me disse “Numa guerra se o inimigo tem uma G3 também temos de ter uma!”.
A partir daí o lamento foi-se desvanecendo e pus-me a caminho.
Comecei aqui e ali a procurar maneira de arranjar computadores para todos. E de repente começaram a aparecer empréstimos de todos os lados. Nosso Senhor nunca me falha! Basta pedir!
Passado um mês e com o recomeço das aulas foi necessário investir num novo router, em extensores de sinal, impressora … enfim um sem número de equipamentos que não tínhamos.
Foi nessa altura que também chegou uma proposta de rescisão do contrato de trabalho da minha mulher, que entretanto se transformou em layoff, que encurtou mais ainda o nosso rendimento mensal. Logo agora numa altura em que os gastos eram cada vez maiores em água, gás, eletricidade, supermercado, só se poupava na gasolina…
Foi aqui que recorri à memória. Ao longo da nossa vida de casados, e já vai para 16 anos, não era primeira vez que nos víamos privados de rendimento e Nosso Senhor nunca nos falhou, e como tal, não nos iria falhar agora.
Se são estas as circunstâncias são estas que são para viver! Poderiam ser misteriosas, não claras, mas são para nós!

Outro testemunho que revi foi o de Enzo Piccinini. Nunca mais me esqueço da primeira vez que o vi, ainda não era pai, e com ele aprendi a olhar os meus filhos e a querer-lhes bem!
Confesso que 3 meses depois, olhando para trás, considero um milagre o que se passou lá em casa pois nunca pensei que “sobrevivêssemos” 7 pessoas 24h/dia numa casa em que “normalmente” estávamos das 19h às 8h.
Muitos foram os dias em que cheguei ao final do dia com a sensação de não ter feito nada, tal era o desgaste provocado pelo trabalho, que tem sido bastante, quer pelas constantes falhas de internet, quer pelas aulas em simultâneo que por vezes eram ensurdecedoras. O meu coração só repousava ao ver os rostos de cada um, na diaconia, na escola de comunidade ou nos diversos encontros, e foram muitos!, que aconteciam via zoom.

Vivia com a certeza de que ao longo da minha história Nosso Senhor nunca me abandonou e agora também não o iria fazer!
Estou muito grato por este lugar que me sustenta, sejam as circunstâncias claras ou misteriosas e me faz estar disponível para aceitar o chamamento que vem da realidade.
Gonçalo, Lisboa